Ela tem um tipo exótico que lhe permite interpretar os mais diversos tipos de personagens. Mulheres fortes, sofridas, esnobes, excêntricas, comuns ou vilãs. Não importa. Anjelica Huston sempre dá conta do recado, pena que selecione tanto seus trabalhos, o que priva o público de desfrutar de seu talento por longos hiatos de tempos. Conhecida por atuações em sucessos como Convenção das Bruxas e A Família Addams, clássicos das sessões da tarde, e detentora de um Oscar por A Honra do Poderoso Prizzi, pouca gente sabe que a atriz também já se arriscou a trabalhar atrás das câmeras. Inexplicavelmente, Agnes Browne – O Despertar de Uma Vida não gerou interesse do público e tampouco da mídia, apesar de seu apelo dramático com mensagem edificante. Além da direção, Huston também se encarrega de dar vida à personagem-título nesta obra que fala sobre dar a volta por cima, relações familiares, superação de desafios e valorização das amizades.
Em 1967, na Irlanda, Agnes Browne está passando por uma situação complicada. Após perder o marido, ela precisa dar conta de sustentar seus sete filhos e pagar suas contas, assim é obrigada a pedir um empréstimo a um agiota inescrupuloso, o Sr. Billy (Ray Winstone). Para recomeçar a vida, ela passa a vender legumes e frutas no mercado local, onde faz amizade com Marion Monks (Marion O'Dwye), uma mulher diferente de todas as outras que havia conhecido até então. Mesmo lutando contra um câncer, ela é otimista e encoraja a nova amiga a não desistir de lutar pelo que quer. Agnes estaria disposta a esquecer definitivamente os homens, mas o tempo passa e lhe reserva uma surpresa. A novata feirante percebe que o francês Pierre (Arno Chevrier), o padeiro que se instala próximo a sua barraca, está tentando se aproximar com interesse amoroso. Assim, ela tem uma segunda chance de ser feliz e reavalia sua vida, sempre sofrida e nunca totalmente feliz em seu primeiro casamento.
A história é uma adaptação do romance "The Mammy", de Brendan O´Carroll, um sucesso de vendas em território irlandês e que teve suas origens em um programa de rádio escrito pelo próprio autor. A ideia era narrar o cotidiano de uma mulher do povo e com apelo provinciano, mas aos poucos ele mesmo percebeu que criou uma personagem com características universais, que existem muitas Sras. Brownes espalhadas pelo mundo. Claro que como pai da protagonista O’ Carroll não perderia a chance de explorar mais profundamente o universo dessa mulher em versão cinematográfica. O enredo escrito em parceria com John Goldsmith não surpreende, apenas reforça ao espectador a ideia que nunca é tarde para ser feliz dispondo diversos elementos que, apesar das dificuldades pelas quais a protagonista passa no início, sinalizam uma vida melhor, como o inesperado amor ainda no início da viuvez e a solidariedade de pessoas que não pensam duas vezes antes de tirar dinheiro do próprio bolso para ajudar quem necessita.
Só mesmo em décadas passadas e em países europeus e tradicionalistas para observarmos situações em que as doações são espontâneas e sem espera de algo em troca, a não ser sorrisos sinceros de agradecimentos. Foi justamente esse apelo nostálgico que encantou Huston para o projeto, já que sua infância passou na Irlanda e na mesma época em que a trama se desenrola. A delicadeza e emoção da atriz e diretora fazem toda a diferença para a condução deste drama. Com muita sinceridade e emoção, ela construiu uma bela história com mensagens positivas e que emocionam facilmente o espectador. Experiência para tanto ela tinha de sobra. Além de observar os trabalhos de diretores quando está atuando, dentro da própria família ela já teve uma verdadeira escola. Filha do cultuado cineasta John Huston, a intimidade com a direção foi passada de pai para filha. .
Tudo conspira a favor da felicidade da protagonista e certamente já vimos este mesmo conto em muitos outros filmes, mas o que importa não é o final e sim como os fatos são narrados. Para alguns a condução da trama pode parecer indigna de uma pupila de um grande cineasta, mas cada um tem o seu jeito de interpretar e fazer cinema. Até então apenas com a produção do telefilme Marcas do Silêncio em seu currículo de direção, drama arriscado por abordar um tema tenso, os abusos contra menores de idade, Huston em sua segunda experiência como diretora optou por um trabalho mais intimista e que cumpre plenamente ao que se propõe. Agnes Browne – O Despertar de Uma Vida é uma agradável e emocionante obra e ainda com o chamariz de um nome de peso a frente e atrás das câmeras
Drama - 92 min - 1999
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