Nota 6 Com protagonistas sem química, obra se beneficia da força do vilão e da ambientação
A arte circense está em franca decadência há algumas décadas, transformando-se em uma opção de lazer apenas para crianças bem pequenas ou plateias saudosistas. Em uma época em que bugigangas tecnológicas escravizam o ser humano vendendo a ideia de que não há melhor diversão que ter o mundo em suas mãos em um pequeno eletroeletrônico, a simplicidade das caras e bocas de um palhaço ou os clássicos truques de mágica já não conseguem mais chamar atenção como antigamente. O cinema frequentemente aproveita sua própria arte para homenagear outras manifestações artísticas, como é o caso de Água Para Elefantes. Baseado no romance homônimo de Sara Gruen, o filme tem como ambientação principal a alegria e a magia de um picadeiro, mas a realidade dos bastidores dos espetáculos tem clima festivo quase nulo e histórias tristes de trupes circenses espalhadas pelo mundo não faltam. O roteirista Richard LaGravense usou como pano de fundo a crise econômica americana da década de 1930 para contar uma bela história de amor. Jacob Jankowski (Robert Pattinson), sem família e nem dinheiro, viveu sua juventude trabalhando no Circo dos Irmãos Benzini em uma época em que a economia americana passava por um período difícil. Foi nos bastidores do mundo circense que o ex-estudante de veterinária conseguiu a chance de um emprego onde não precisava ter um diploma ou conhecimentos específicos, bastava saber fazer com que os outros acreditassem no seu papel, como August (Christoph Waltz), o dono do circo, dizia.
Jacob então começa a adestrar animais, principalmente para as apresentações de Marlena (Reese Whiterspoon), por quem se apaixona a primeira vista, mas ela já é comprometida com seu patrão, um homem que, apesar de ser muito educado e compreensível, mostra-se extremamente cruel quando o assunto é proteger o que é seu ou fazer dinheiro. Com a chegada da elefanta Rosie no circo para um novo número, a proximidade entre o adestrador e a artista aumenta e August não vai deixar a relação passar em brancas nuvens aproveitando-se que ambos dependem dele para sobreviver em uma época em que a falta de perspectivas e a desolação imperam. Jogar a sorte para o alto em nome do amor era uma loucura que poucos teriam coragem. O filme começa bem mostrando a emoção do ator veterano Hal Holbrook interpretando o protagonista quando já está na casa dos 90 anos. Insatisfeito com a vida solitária que leva e não conseguindo esquecer seus momentos da juventude, ela passa a narrar um período especial de suas memórias a um funcionário de um circo contemporâneo. A narrativa praticamente concentra toda a sua ação em um longo e contínuo flashback. Surge então o grande chamariz da produção. O protagonismo de Pattinson gerou muita expectativa, pois era a chance de provar que não é apenas um rostinho bonito. Bem, ele mostra que tem potencial, mas ainda tem chão para tanto. Ele se esforça, mas comumente não esboça reações de acordo com o que o roteiro pede. Simplesmente se mostra apático e isso reduz a força de seu papel, ainda mais quando entra em cena Whiterspoon com sua beleza e características dignas das atrizes da Era de Ouro de Hollywood.
O público gosta de se envolver com a trama gradualmente e ela deve seguir este ritmo, mas o que temos aqui é um amor instantâneo cuja única explicação seria pela predileção pela beleza do homem pela mulher e vice-versa. Todavia, há boatos de que o clima entre o casal protagonista nos bastidores não era dos melhores e isso se refletiu em suas atuações, assim não passam a emoção necessária para tornar crível o romance de Jacob e Marlena, mas é certo que nem mesmo o roteiro ajuda a construir essa relação. No entanto, a personalidade de cada um deles e demais características sentimentais tratam de colocar panos quentes na relação, ou melhor, panos gelados. Nem mesmo o embriagante ambiente circense consegue nos desviar a atenção desse equívoco, constatando que dois nomes famosos e com público cativo não são garantia de bons resultados. Se os protagonistas são insossos, ao menos temos um bom vilão para nos entreter. Waltz mais uma vez rouba a cena com um invejável timing emocional. Ele consegue ser gentil e envolver com sua fala mansa, mas em poucos instantes assustar com uma agressividade aflorada e voz imponente, uma mudança radical de comportamento, mas cuja transição é de uma naturalidade anormal e sempre marcada por frases irônicas e de efeito. Melhor que ele só mesmo a elefanta Rosie que desempenha bem suas funções, tem destaque no final e consegue cativar o espectador. As cenas em que é agredida pelo dono do circo devem mexer com os mais sensíveis.
Curiosamente, este romance tem a direção de Francis Lawrence, que até então havia feito as adaptações para cinema de Constantine e Eu Sou a Lenda, dois títulos ligados aos gêneros de fantasia e ficção e bem distintos deste seu projeto seguinte. Vendo por este lado, podemos compreender o porquê de algumas falhas e a falta de emoção do filme, mas ainda assim é louvável o esforço de um cineasta em tentar desbravar campos desconhecidos em sua filmografia e utilizando uma estética realista e longe dos efeitos digitais. Experiente também na área de vídeo clips, o diretor consegue êxito na escolha das canções da trilha sonora, a maioria escolhida a dedo para destacar algumas emoções dos personagens. Ornamentando a história, belos figurinos, cenários e fotografia estão a disposição, mas são recursos que poderiam ser melhores explorados. Ainda assim, os momentos mais interessantes do longa são as sequências que mostram o cotidiano do circo, como as constantes e cansativas viagens e até mesmo o sacrifício de um animal para acabar com seu sofrimento após anos de serviços. O problema é que tais situações foram usadas como adorno para uma história de amor que poderia render muito mais do que o concretizado.
No conjunto, a trama não é nada revolucionária, porém, não decepciona totalmente. É certo que algumas passagens podem parecer estranhas, consequência da necessidade de se resumir algumas dezenas de páginas do livro e dar movimento à narrativa, mas, no fundo, este é mais um romance tradicionalista com um triângulo amoroso convencional, mas que se beneficia em partes de sua ambientação, programa perfeito para os adeptos de histórias românticas e dramas leves. Lawrence não merece ser apedrejado por seus erros ou omissões, mas sim aplaudido por ousar a sair do mundinho cinematográfico apocalíptico e habitado por demônios e zumbis que tanto lhe deram glórias em um passado recente. Seu bom senso também merece ser citado. Muitos criticam o distanciamento da câmera do personagem de Pattinson, mas se o ator não consegue expressar sentimentos através de movimentos faciais e lágrimas não há motivos para dar close a sua falsidade. Ilusão por ilusão melhor acreditarmos que o eterno vampiro teen tem potencial dramático, ainda que a distância. Em suma, Água Para Elefantes é uma produção que não chega a fazer jus ao rótulo de sua ambientação, "o maior espetáculo da terra", mas está longe de ser decepcionante e têm suas qualidades.
Romance - 122 min - 2011
2 comentários:
Um amigo falou tão bem do filme.......que desconfiei. Quando assisti fui com um pé atrás e encarei o filme tranquilamente.
Gostei, mas, realmente não é tudo o que prometiam.
Àgua com acúçar... resume o filme, bem clichê, personagem que se abate com uma tragédia, sai a esmo, se apaixona pela pessoa errada...se agente pensar já vimos muitos desses filmes com roteiros similares, salva-se a beleza do protagonista e a atuação da elefanta...
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