segunda-feira, 11 de julho de 2022

NO AMOR E NA GUERRA


Nota 5,0 Romance baseado em fatos reais não convence pela falta de entusiasmo dos protagonistas

Baseado em memórias de personagens reais, o romance No Amor e Na Guerra se passa durante a Primeira Guerra, mais especificamente em 1918, quando as tropas italianas lutavam contra as austríacas, porém, quem atuava no front nem fazia ideia de que o conflito já dava sinais de que estaria em seus momentos finais, assim continuavam lutando bravamente disputando palmo a palmo de terra. Os hospitais da Cruz Vermelha receberam voluntários de várias partes do mundo e para auxiliar a Itália, país aliado, os EUA enviaram jovens idealistas como a enfermeira Agnes von Kurowsky (Sandra Bullock) e o jornalista Ernest 'Ernie' Hemingway (Chris O'Donnell), que deixaram para trás as famílias e o conforto de suas casas para arriscarem as próprias vidas. A moça e suas colegas eram encarregadas de cuidar dos feridos sob a estreita vigilância das superioras. Já o rapaz se encarregava de dirigir ambulâncias, fazer serviços de entregas às tropas e desejava chegar às trincheiras de batalha para se juntar aos soldados. E tanto quis que conseguiu, mas logo foi gravemente ferido e então passou meses sendo submetido a diversas cirurgias e terapias de recuperação, sempre sob a tutela de Agnes.

Graças à dedicação do ferido e também da enfermeira, os riscos de ter a perna amputada foram afastados e o rapaz viveu então seu primeiro amor ao se apaixonar por sua benfeitora, cortejada ainda por Domenico Caracciolo (Emilio Bonucci), um médico-cirurgião, e também por Henry Villard (Mackenzie Astin), um amigo do paciente que aparentemente acabou levando a melhor. É justamente à memória deste rapaz a quem o filme é dedicado sendo produzido por seu filho, Dimitri Villard, e dirigido pelo saudoso Richard Attenborough, do premiado Gandhi, cineasta conhecido por adotar um tom folhetinesco aos seus trabalhos. O próprio Villard pai escreveu em parceria com James Nagel o livro "Hemingway, In Love And War: The Lost Diary of Agnes von Kurowsky", não traduzido para o português, romanceando as anotações da enfermeira sobre os horrores que presenciou e também seus dilemas amorosos. No entanto, o roteiro do filme, escrito por Anna Hamilton Phelan, Allan Scott, Clancy Sigal e também pelo Villard filho, guarda certas semelhanças com um outro romance, "Adeus às Armas", este lançado no Brasil e já adaptado para o cinema com sucesso nos anos 1930 e novamente duas décadas mais tarde. O livro é uma outra versão dos fatos, neste caso a visão do próprio Hemingway, mas o desenrolar dos fatos segue outro caminho. Apenas sua paixão pela enfermeira é mantida, embora acredite-se que o rapaz viveu um amor platônico e a relação dos dois nunca tenha sido consumada.

Muito espirituoso e imbuído da utópica ideia de mudar o mundo, Hemingway exerceu fascínio não apenas por sua relevante produção literária a respeito de suas experiências em guerras e conflitos políticos, mas também por seus relacionamentos amorosos conturbados que servem como um expressivo material para dramas românticos com estrutura suficiente para atender as demandas do cinema e também da televisão. Os dois livros citados contam histórias e possuem elementos típicos de grandes épicos românticos, mas nas mãos de Attenborough os materiais não encontraram meios eficientes para envolver o espectador, culminando em uma produção de ritmo arrastado. O problema talvez esteja nas versões opostas da trama. Enquanto o livro de Hemingway conta uma narrativa que pode ser fantasiosa, já que o escritor era um mentiroso compulsivo, a publicação de Villard traria a faceta verdadeira por se tratar de um apanhado de cartas e diários escritos pela própria Agnes. O roteiro então toma certas liberdades para unir as duas versões e em plena irracionalidade da guerra, a crítica social ensaiada pela trama, o futuro escritor e a enfermeira deveriam viver um tórrido e envolvente romance, mas não é o que vemos em cena. Conforme a narrativa avança, sentimos falta de coesão, ânimo e motivações reais no que diz respeito aos supostos sentimentos do casal que acaba por viver um relacionamento sem emoção, esquemático e pouco convincente.

As equipes responsáveis pela fotografia e trilha sonora fazem o que podem para tentar fazer o romance engrenar adornando ao máximo as cenas que ainda são beneficiadas pela boa reconstituição de época nos cenários e figurinos. O problema maior da produção e o que causa mais desinteresse é justamente o ponto em que ela não poderia falhar: a escolha dos protagonistas. Falta empatia ao casal principal e porque não dizer até uma pouco mais de experiência aos seus intérpretes. Bullock e O'Donell não conseguem transmitir a emoção que seus perfis exigem e o que deveria ser uma intensa paixão acaba reduzido a um flerte de adolescente. A impressão que dá é que os protagonistas foram escolhidos pela fama e potencial de bilheteria sem levar em consideração suas adequações aos papeis. A atriz na época já era uma queridinha do público e arrastava multidões aos cinemas e seus filmes bombavam nas locadoras. Já seu companheiro de cena era um jovem em ascensão com estirpe para protagonizar romances e comédias água-com-açúcar, mas uma promessa que não vingou já que o rapaz tentou se aventurar nos mais diversos gêneros e talvez seu maior tiro no pé tenha sido aceitar viver o garoto prodígio Robin nos dois últimos filmes da franquia Batman lançado nos anos 1990, sendo o derradeiro extremamente  humilhado pela crítica.

Fora os chamarizes dos astros em ascensão, de resto sobram os personagens secundários que pouco ou nada acrescentam à trama, como um soldado amigo de Hemingway que vem a falecer ou o médico que tenta uma aproximação com a enfermeira. Uma pena. Um bom argumento, com o crivo de ser baseado em fatos reais, desperdiçado. No Amor e Na Guerra seria muito mais interessante se os seus personagens fossem mais profundos, mas a própria narrativa não colabora muito ao exigir perfis rasos e com posições bem definidas para o propósito folhetinesco. Attenborough realiza um trabalho extremamente burocrático como se fosse (e provavelmente foi) encomendado por um estúdio a fim de um um veículo para turbinar ainda mais as carreiras de seus protagonistas. Para Bullock, dos males o menor. O longa é insípido para seu currículo. Já para O'Donnell, fica a lembrança de um fracasso e a mágoa de ser criticado por aceitar um papel aparentemente simples, mas cheio de nuances que ele não conseguiu atingir ficando restrito à superfície de um jovem deslumbrado pelo primeiro amor.

Romance - 115 min - 1996


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