sábado, 12 de setembro de 2020

MAMA


Nota 7,0 Aspectos dramáticos sobressaem em meio a estética sombria e fantasiosa deste horror soft


Como diz o velho ditado popular, ser mãe é padecer no paraíso e o cinema de horror e suspense bebe sem moderação nessa fonte. Desde o clássico O Bebê de Rosemary até as releituras ianques de sucessos orientais como O Chamado, o pânico de mães tentando proteger seus rebentos de forças do mal parece uma inspiração sem fim. O terror soft Mama trafega com dois argumentos a serem desenvolvidos, o de uma mãe em busca de alguma cria para oferecer sua atenção e carinho e o de uma tia rebelde que é forçada a cuidar das sobrinhas e aos poucos aprende os sabores e dissabores da maternidade. O prólogo é dos mais interessantes. As irmãs Vitoria (Megan Charpentier) e Lilly (Isabelle Nélisse), respectivamente com cerca de 3 e 1 ano de idade, foram levadas pelo próprio pai para uma isolada cabana na floresta após ele assassinar a esposa e sofrer um acidente de carro na neve durante a fuga. Arrependido ou talvez envergonhado por algo que ela tenha feito, agora sua intenção era também matar as crianças e depois se suicidar, mas alguma estranha criatura dá cabo de sua vida, porém, salva e passa a criar as meninas. Consideradas desaparecidas, elas são reencontradas cinco anos depois vivendo praticamente como animais, andando de quatro, grunhindo e ariscas a qualquer tipo de contato social, seguindo apenas seus instintos. Agora elas estão sob a guarda temporária de seu tio paterno Lucas (Nicolaj Coster-Waldau) que mal conhecem, mas mostra-se paciente e amável, todavia, passarão mais tempo com a namorada dele, Annabel (Jessica Chastain), roqueira que preza sua liberdade e que ironicamente surge a primeira vez em cena agradecendo aos céus por um teste de gravidez negativo. 

A vida desregrada do casal muda completamente e com a ajuda do Dr. Dreyfuss (Daniel Kash) eles tentam incorporar os papéis de pais, mas o médico tem um interesse maior no caso e deseja estuda-lo profundamente. Ele acredita que as garotas inventaram uma mãe postiça, a quem chamam de Mama, e alimentando esta fantasia conseguiram sobreviver, no entanto, como praticamente única referência de carinho e proteção que tinham, agora estão com dificuldades para se desvencilhar da invenção. Contrariando as explicações científicas, o comportamento das irmãs e diversas situações levam a crer que a tal entidade realmente existe. Possessiva e cruel, ela não gosta nada de ver suas meninas criando laços afetivos com outros e passa a manifestar sua insatisfação até mesmo ameaçando-as. Ainda há um gancho paralelo envolvendo Jean (Jane Moffat), uma tia materna das meninas, mas a disputa judicial é descartada e a personagem só terá uma sutil serventia próximo a conclusão. Com um início que nos remete a um clima de fábula, com direito a famosa inscrição do “era uma vez...”, a fita é uma espécie de continuação de um curta-metragem lançado em 2008 com cerca de dois míseros minutos, mas tempo suficiente para chamar a atenção do cineasta Guillermo del Toro. Não por acaso a atmosfera densa e algumas situações fantásticas remetem discretamente ao premiado O Labirinto do Fauno. Contudo, o mexicano não assume desta vez a câmera. Assim como fez com O Orfanato, mais uma vez ele usa o poder de seu nome em solo americano para bancar como produtor o trabalho de estreia do argentino Andrés Muschietti que em um primeiro momento tentou a realização de um roteiro original, mas teve que ceder à pressão de seu tutor. 


Sucesso em festivais e na internet, Del Toro queria saber o que aconteceu com as meninas do curta e seu criador teve que imaginar um prólogo e desdobramentos para a sequência em que duas garotas corriam desesperadamente pelos cômodos de uma casa fugindo de uma assombração. O curta se resumia a essa cena que foi inserida no longa que materializa e explica de forma bastante didática o que antes era apenas sugestionado, tirando um pouco do charme do argumento. Por outro lado, é louvável que o diretor consiga manter do início ao fim um interessante clima misto de ameaça e melancolia, muito pela fotografia destacada pelo tom sépia e a baixa iluminação utilizada com maestria. Já a elegância na forma como injeta o medo é proposital, uma forma de conseguir uma classificação indicativa mais branda, o que certamente impediu momentos de tensão mais audaciosos. Os personagens enfrentam o medo boa parte do tempo desarmados e tal criatura ensaia ataques furiosos, mas dificilmente vai além da ameaça. São várias as chances de fazer algum mal à Annabel, por exemplo, mas talvez por não sentir que seu posto no coração das garotas está de fato ameaçado Mama apenas incita o medo. Ei, mas sentir que está sendo substituída não seria justamente o plot principal da trama? Esse é apenas um dos vários pontos desperdiçados. A sensação de que o filme assusta menos do que deveria também se deve ao costume de sempre que algo inesperado vai acontecer a trilha sonora estridente ser adicionada. Muschietti foge deste maniqueísmo buscando usar as composições a favor da construção do clima, ainda que no ato final exagere nos melosos acordes para garantir certo apelo emocional, algo desnecessário diante da já emotiva conclusão. 

Tentando acrescentar lirismo à obra, o desfecho beira o enfadonho e não mantém a mesma unidade qualitativa do restante da produção, soando mais como uma somatória de ideias impostas por produtores para dar aquele toque hollywoodiano a um projeto com cara de alternativo. De fato, apesar da influência, Del Toro ainda depende de outros para arcar com a realização de um filme e Muschietti, por sua vez, demonstra talento para criar uma interessante atmosfera, mas deixa a dúvida se seria capaz de se desvencilhar deste universo que lhe parece tão familiar. Quem sabe aquele tal roteiro original reprovado cegamente pudesse limar esta interrogação se produzido antes. Esteticamente curioso e eficiente, infelizmente os problemas da fita se concentram no roteiro, embora não sejam gritantes a ponto de depor contra o conjunto. Escrita pelo próprio cineasta em parceria com sua irmã Barbara Muschietti e com Neil Cross, a trama não está livre de erros e clichês. Ainda que rebelde à primeira vista, Annabel segue o mesmo perfil das mocinhas de fitas de horror. Abdica de sua rotina para bancar a detetive em tempo integral, o que a impede de dispensar boa parte de seu tempo na construção de uma relação amistosa com as filhas postiças. Um insistente e cauteloso processo de adaptação das meninas à civilização seria necessário, mas o longa apresenta tais ações sem grandes aprofundamentos. Ainda assim, Chastain com seu carisma e talento consegue passar verdade na transformação de sua personagem a ponto de relegar seu parceiro de cena a segundo plano. 


Aparentemente criando com mais facilidade um vínculo com as sobrinhas, Lucas poderia ter tanta importância na trama quanto a namorada, mas a certa altura o rapaz literalmente é colocado em coma e perdendo qualquer função. O Dr. Dreyfuss também é desperdiçado. Investigando o caso paralelamente ao tratamento psiquiátrico, incialmente parecia estar em suas mãos desvendar o mistério que, mas a bola acaba sendo jogada para Annabel que lida até com bastante desenvoltura com os estranhos fatos que passam a acontecer em sua casa, principalmente na calada da noite é óbvio. No fundo é como se a moça acreditasse na existência de Mama e estivesse de mãos atadas até sua aparição que inevitavelmente ocorreria quando fosse estabelecido um elo de confiança com as garotas ou ao menos com uma delas. Vitoria teve a oportunidade de ter uma vida normal, mesmo que por pouco tempo, assim demonstra uma facilidade maior para se readaptar à vida em sociedade e compreender os esforços e preocupações de seus tios. Já Lilly foi isolada quase um bebê de colo, sem referências para sobreviver fora da floresta. Não é de se estranhar sua dependência da tal entidade. Muschietti consegue boas tomadas para retratar a interação do espectro com as meninas antes de revelar seu estranho visual, uma mescla de referências dos característicos fantasmas do terror oriental com figuras típicas de obras de arte com inspirações modernistas. Revelado o mistério prematuramente, Mama então deixa claro que seu propósito não é assustar e sim contar um drama diferenciado. As sequências mais tensas não são gratuitas, fazem parte do contexto para narrar uma história extremamente simples e até previsível, mas curiosamente ao mesmo tempo bem diferente do que Hollywood costuma oferecer.

Terror - 100 min - 2013

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