terça-feira, 13 de julho de 2021

EM PÉ DE GUERRA


Nota 4 Previsível e com piadas de gosto duvidoso, comédia é genérica e reforça estereótipos


Quem se liga em detalhes das produções de filmes e adora bisbilhotar as fichas técnicas certamente deve desacreditar que o mesmo responsável pelo sensível e inteligente A Garota Ideal também está por trás da esculachada comédia Em Pé de Guerra. Trabalho de estreia do diretor Craig Gillespie, a trama tem como temática central a rivalidade. John Farley (Sean William Scott) é um bem sucedido escritor de livros de autoajuda, mas demorou muitos anos para superar seus próprios traumas de infância devido aos abusos e humilhações que sofreu de Jasper Woodcok (Billy Bob Thornton), seu professor de educação física que adorava tirar um sarro de seu desengonçado e rechonchudo aluno. Seus piores pesadelos voltam à tona quando decide regressar à sua cidade-natal para receber um prêmio, uma homenagem de seus conterrâneos pela figura ilustre que se tornou. Todavia, seu momento de glória é estragado ao descobrir que Beverly (Susan Sarandon), sua mãe, está com um namorado novo, ninguém menos que o temível professor. Na hora do desespero, o rapaz deixa de lado seus conselhos e filosofias para viver em paz e parte para o ataque tentando provar que seu futuro padrasto é um tremendo mau-caráter, porém, seu rival não vai deixar de comprar essa briga e também vai tocar o terror contra seu adversário. 

Mais que salvar sua mãe de um cafajeste, Farley tem a necessidade de provar ao antigo professor que mudou e pode ser bom em tudo que se propõe a fazer. Todavia, o Sr. Woodcok também é marrento e vai testar os limites do escritor, tanto emocionais quanto físicos. Nessa gangorra para medir forças, o correto seria um personagem com o qual nos simpatizamos de um lado e do outro alguém para odiarmos. Eis o grande problema do longa: ambos são insuportáveis em semelhantes proporções, o que dificulta a identificação com o público que não tem mais a fazer que torcer que ao final os dois percam a pose e entendam que ninguém é melhor do que ninguém. Todavia, esperar tal reflexão de uma comédia repleta de piadas de gosto duvidoso é querer demais. Até quando Scott vai se contentar em fazer papeis de garotões bobocas? O tempo passa e ameaçou sua carreira catapultada ao roubar a cena nos primeiros filmes da franquia American Pie. Desde então ele vem tentando se estabelecer como um ator de primeiro time, mas escorando-se em comédias pastelões  e por vezes sem graça fica evidente que ainda não está pronto para arcar com o peso de liderar uma produção sozinho. Com seus trejeitos e expressões faciais exagerados, vai levando a profissão empurrando com a barriga. Ao assumir a identidade de um escritor de obras de autoajuda, mas no fundo ainda com traumas a serem superados, o ator poderia ter dado um tremendo upgrade em seu currículo, todavia, o que se vê em cena é um marmanjo mimado que não sabe lidar com a insanidade que o assola temporariamente. 


Contudo, não é apenas a falta de traquejo de Scott que depõe contra seu personagem. O roteiro dos então estreantes Michael Carnes e Josh Gilbert apresenta Farley como um sujeito raso e neurótico, mas também não poupam Thornton. O próprio parece não fazer muita questão de se destacar, limitando-se a repetir as expressões mal-humoradas que já praticara na ótima comédia de humor negro Papai Noel às Avessas. Seu jeito de ser é porcamente justificado por uma criação baseada em conceitos duvidosos sobre o que é ser um homem de verdade.  Surpreende o fato da talentosa Sarandon, com um currículo recheado de papeis marcantes e densos, ter topado participar de algo tão patético. Sentimos a atriz um pouco deslocada em um enredo que basicamente se sustenta sobre piadas envolvendo bullying, logo ela que é conhecida por na vida particular ser ativista política e a favor dos direitos de igualdade. De qualquer forma, as humilhações vividas por Farley, que poderiam ser mais traumáticas que o comum pelo fato de serem praticadas por alguém que deveria educar e não se comportar como um adolescente valentão, não levam a reflexão alguma. Como alguém vai pensar em bullying vendo Thornton só no carão de marrento correndo na esteira tirando onda com Scott se desmilinguindo em alta velocidade?

Na fase adulta, Farley sente-se diminuído perante ao padrasto motivado mais pela sensação de insegurança, mas é fato que os flashbacks trazem um quê de realidade. Fora do peso e desajeitado, quando criança era alvo de piadas constrangedoras assim como muitas crianças sofrem diariamente. Há muitos relatos de bullying sofridos justamente nas atividades que tiram os alunos da sala de aula. As brincadeiras e competições que deveriam servir para integração acabam se tornando maratonas de suplício para muitos estudantes e para quem humilha o fato de estar em um ambiente mais descontraído é a deixa para aprontar tudo que pode e um pouco mais. Pior ainda quando o professor permite ou até mesmo participa dos ataques. É claro que em uma comédia do tipo tal abordagem não é aprofundada e só serve como desculpa para forçar risadas da vergonha alheia e levar o espectador a torcer pela inevitável volta por cima do humilhado. Usando e abusando de situações cômicas previsíveis e, diga-se de passagem, já vistas inúmeras vezes antes, muitas delas sequer funcionam. As gargalhadas que podem ser dadas vez ou outra não compensam o restante morno da produção.


O longa ainda sofre com o problema do excesso de didática do texto. Visualmente temos explícito de antemão o que vai acontecer em praticamente todas as cenas, mas os roteiristas fazem questão de reiterar as ideias através de diálogos bastante esmiuçados. Só faltava os atores fazerem mímicas. Resultado, temos cenas vexatórias como a que se passa em um restaurante quando vários figurantes repetem em alto e bom som que a respeitável senhora Beverly está transando em ritmo frenético com o Sr. Woodcok, tudo para aumentar o desespero de Farley que fica ainda mais enfurecido para se vingar do rival. De qualquer forma, mesmo repleto de clichês e com elenco desequilibrado, Em Pé de Guerra cumpre o dever de matar um tempo livre de forma descompromissada, mas quem não consegue desligar o bom senso melhor passar longe desta comédia.

Comédia - 88 min - 2007

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