Nota 8 Drama com temática batida se sustenta graças ao carisma e talento de Meryl Streep
Wes Craven cravou seu nome na História do cinema com filmes de terror que se enraizaram na cultura pop mundial, como A Hora do Pesadelo e Pânico, mas o diretor, roteirista e produtor também tinha seu lado mais sensível como prova o edificante Música do Coração. O longa poderia ser apenas mais um título a explorar a desgastada relação de um educador bem intencionado com um grupo de alunos desestimulados, mas com Meryl Streep no papel principal a fita escapou do limbo e, como de costume, o perfeccionismo da atriz na composição do papel a levou a concorrer ao Oscar. Na época esta era a sua 12ª indicação ao prêmio e então igualava ao recorde de nomeações alcançada pela saudosa Katherine Hepburn. Baseado em fatos reais, Streep interpreta Roberta Guaspari, uma mulher que precisava dar novos rumos a sua vida após o baque emocional de ser abandonada pelo marido. Com dois filhos para criar, ela então decide fazer uso de seu talento para a música, mais especificamente com o violino.
Viver da arte não é fácil. Roberta, mesmo cheia de disposição e qualificações, encontra dificuldades para conseguir uma vaga em alguma escola devido aos cortes de custos com atividades extracurriculares, principalmente as ligadas a cultura, mas acaba sendo aceita em uma instituição pública no subúrbio de Nova York após insistir muito com Janet Williams (Angela Bassett), a reticente coordenadora do colégio. Munida de cinquenta violinos, um investimento por sua própria conta e risco, a musicista começa a dar as suas aulas a um grupo de crianças pouco interessadas em aprender, mas surpreendendo a todos com sua força de vontade ela alcança seu objetivo e seu programa de música consegue sobreviver por uma década até que um corte de verbas ameaça seu sonho, mas Roberta não está sozinha. Um grupo numeroso de pessoas se junta para formular estratégias para arrecadação de fundos a fim de manter um projeto social tão importante para a vida dos carentes estudantes, bem como a satisfação da própria professora que tanto fez pela comunidade.
E o roteiro de Pamela Gray se resume a isso, mas um grande acerto é não ter enveredado pelo caminho lacrimoso e dramático ao extremo. A situação dos alunos de Roberta, e porque não dizer a sua própria vida, já são bastante delicadas, não havia porque forçar a barra para o chororô. Até a trilha sonora dispensa tal viés, deixando espaço apenas aos acordes dos violinos se destacarem em momentos oportunos. Para dar vida a entusiasta educadora, Streep, que não sabia tirar uma nota sequer de um violino, topou o desafio de fazer um curso intensivo do instrumento para dar o máximo de veracidade a sua interpretação. Em poucos dias, mas dedicando-se religiosamente a cinco horas de aulas diárias, a atriz aprendeu a tocar com perfeição aliando seu recém talento descoberto a sua excelência de interpretação. A veterana domina o filme de ponta a ponta não dando chance a qualquer um dos coadjuvantes se destacarem, nem mesmo o experiente Aidan Quinn como Brian Sinclair, um affair da professora, ou Josh Pais na pele de Dennis Rausch, um desafeto dela. Vale a lembrança da participação da cantora Gloria Estefan então em sua primeira incursão como atriz e de quebra a voz da canção principal do longa também indicada ao Oscar.
As histórias paralelas não são aprofundadas, mas ainda assim a veracidade de Streep consegue prender a atenção nas duas horas de filme. Será que Madonna faria melhor? Sim, isso mesmo. A popstar era cogitada para o papel, mas recusou. Interessante que a cantora, além de ter brigado com o diretor antes do início das filmagens, é um antigo desafeto da premiada atriz, um problema entre egos que já havia culminado na disputa pelo papel-título de Evita. Convenhamos, sem Streep se impondo em cena com sua característica naturalidade este seria apenas mais um exemplar qualquer da seara de filmes edificantes envolvendo professores cheios de boa vontade e alunos, diga-se de passagem, a maioria negros e latinos sem perspectivas, que de desafiantes passam a ser desafiados. Há quem considere o longa um tanto burocrático e sem a assinatura Craven, mas na realidade seu apreço pelo universo do horror se faz presente em tom de denúncia quanto ao descaso da sociedade com a educação, algo que às vezes é mais aterrorizante que as alegorias de fantasmas e assassinos mascarados.
Como uma forma de protesto para alertar os governantes quanto a importância da cultura na formação de cidadãos de bem, uma temática universal e atemporal, o longa é da mesmo seara de títulos como Sociedade dos Poetas Mortos, Mentes Perigosas, Escritores da Liberdade e guarda ainda mais semelhanças com Mr. Holland - Adorável Professor, todos seguindo uma fórmula que apesar de clichê dificilmente tem como dar errado por conta da fácil identificação do espectador com os dilemas dos personagens. Não é inesquecível, mas com Streep em cena qualquer filme torna-se digno de respeito. Música do Coração mostra que o saudoso Craven poderia ter tido um currículo bastante diversificado, sendo capaz de dirigir de forma serena e sem histrionismos. Todavia, ao que tudo indica, não era sua intenção assumir o longa sendo fruto de um acordo com a produtora para se manter no cargo de diretor de Pânico 3 que então fecharia a franquia de sucesso.
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