quinta-feira, 26 de agosto de 2021

BRÜNO


Nota 3 Personagem estereotipado e humor apelativo resultam em produção de gosto discutível


Em 2006 ele surgiu para o grande público fazendo um humor ácido e crítico, mas ao mesmo tempo demente e puro besteirol. Com Borat, o ator Sacha Baron Cohen conseguiu saltar em grande estilo da televisão para o cinema e em pouco tempo já colecionava milhares de fãs pelo mundo todo e seu personagem tornava-se um ícone pop. Para tanto, ele não precisou de muito esforço. Simplesmente levou um tipo já conhecido de seu programa chamado "Da Ali G Show", misturou situações reais criadas por ele próprio com outras planejadas pelos roteiristas envolvendo anônimos e atores desconhecidos e assim conquistou elogios e prêmios mundo a fora. Um tremendo golpe de sorte. Não é de se estranhar, portanto, que seu projeto seguinte fosse muito aguardado, mas com Brüno as coisas foram diferentes e a recepção de público e crítica foi bem fria. O personagem-título (Cohen) é um estilista homossexual de origem austríaca que perde seu emprego após fazer um barraco em um desfile em Milão, na Itália. Desiludido, ele resolve se mudar para os EUA acreditando no tão famoso sonho americano. Se desejava viver entre os flashs e ser reconhecido nas ruas, nada melhor que viver próximo a Hollywood, mas não demora muito para perceber que todo o glamour que sonhava é pura ilusão.  

Ao chegar na tal terra das oportunidades, Brüno percebe que as coisas não são tão simples quanto pareciam e as situações mais bizarras, e algumas até bastante constrangedoras, passam a desfilar pele tela tendo sempre como protagonista um homem de corpo esguio, olhos arregalados, sotaque esquisito e cabelos oxigenados, um tipo que não tem receios em se passar por ridículo e faz de tudo para chamar atenção. Ele tenta emplacar na TV um programa de entrevistas, faz até o impossível para seduzir um candidato a presidência e até adota uma criança negra que vive em situação de miséria, esta uma situação discutível, mas que acredita ser a arma de muitas celebridades para atraírem a mídia. Se em Borat a crítica era ao modo de vida norte-americano e a procura por uma certa famosa tratava de alinhavar as cenas, aqui o foco é justamente criticar a busca incessante pela fama daqueles que não têm o menor talento, mas insistem em estar sob holofotes a qualquer preço. Os assuntos criticados em ambos os filmes não ficam restritos aos EUA e suas compreensões e identificações se estendem pelos quatros cantos do planeta. Quando o assunto são as subcelebridades então nem se fala. Quem é obcecado pela fama, ou já sentiu seu gostinho alguma vez, não mede esforços para se manter em evidência, mesmo que às custas de barracos e fofocas. 


Se esta segunda grande produção de cinema estrelada por Cohen mantém o estilo que o consangrou (o falso documentário e o sarro do cruel e descerebrado mundo dos famosos instantâneos), por que não foi bem aceita? O erro pode ser o próprio protagonista que se apresenta de forma extremamente arrogante e maltratando as pessoas logo no início, o suficiente para ganhar a repulsa do público que acaba não se envolvendo e a todo momento vê uma caricatura ligada em última voltagem em cena.  Até o público gay que poderia apoiar este trabalho costuma se revoltar. O astro, com o aval do diretor Larry Charles, estereotipou, e de certa forma ridicularizou, a imagem do homossexual, um deserviço contra um grupo que luta por respeito e direitos. O grande problema nem é tanto os gritinhos, viradas de mão, roupas insinuantes ou o andar saltitante, mas sim explorar o apelo sexual exagerado como se quisesse dizer que essas pessoas só pensam em sacanagem, o que acaba reforçando preconceitos. Chegamos ao ponto de ver em close um órgão genital em movimentos vexatórios e o ator até demonstra sozinho como é o sexo oral entre dois homens. E nem precisa de muita imaginação para visualizar como tudo acontece, pois ele é bem explícito e detalhista em sua performance. 

Além dos pitis a cada cinco minutos, cenas de humor nonsense são protagonizadas por ele, por exemplo, em um programa de debates (ou de barracos?) no qual apresenta os bebês que deseja adotar por puro interesse, mais uma tentativa difícil de engolir de fazer graça com assunto sério proposta pelo roteirista Anthony Hines em parceria e dando total liberdade à Cohen para redigir cenas absurdas. Tanta polêmica acabou trabalhando contra a imagem do longa que acabou sofrendo cortes para poder ser exibido em alguns países e outros até o proibiram. Fora os problemas no roteiro em si, que força risos a base de piadas de mal gosto e preconceituosas, esta produção tem sérios equívocos de estruturação do início ao fim, fruto de uma edição um tanto mal feita. Devido a curta duração da obra, não chega nem ao tempo médio de outras comédias, fica estranho ver tantas situações condensadas em rtimo frenético e os cortes abruptos de imagens só reforça tal sensação. É como se estivéssemos vendo um videoclipe de música pop, aliás, o estilo musical realça o estilo fashionista e fútil do personagem sempre que é tocado. As cenas malucas, ou seja, praticamente todas, causam risos de tão absurdas que são, mas dentro de um longa-metragem não funcionam plenamente. Vistas separadamente elas podem ser ótimas, mas no conjunto parecem uma colagem mal feita de esquetes de programa humorístico popularesco. 


Brüno é a prova que nem sempre manter o time que está vencendo vale a pena. O trabalho anterior de Cohen foi um sucesso porque trouxe um respiro ao batido gênero da comédia. Era novidade ver um trabalho americano criticando tão sarcasticamente os próprios americanos, o protagonsita tinha uma ar de ingenuidade que agradou em cheio e a mistura do estilo pegadinhas com documentário certamente colaborou para a popularização das confusões de Borat. A fórmula repetida para apresentar a trajetória de Brüno rumo ao estrelato não surtiu efeito porque já não traz elementos surpresas e seu intérprete exagerou na dose com piadas que extrapolam limites. Tudo parece muito esquemático e pensado sob medida para chocar ou forçar gargalhadas. O resultado é uma produção difícil de encontrar similares, mas que reúne cenas antológicas... De tão bizarras, fique claro. Talvez pela fraca repercussão, Cohen depois passou a se dedicar a projetos mais sérios e até chegou a ser indicado ao Oscar como ator coadjuvante por Os 7 de Chicago, coincidentemente no mesmo período que lançou tardiamente uma continuação das peripécias de Borat que, apesar de figurar em premiações, foi relegado ao lançamento direto para streaming.

Comédia - 81 min - 2009

Leia também a crítica de:

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TUDO PARA FICAR COM ELE

Um comentário:

Luís disse...

Eu realmente acho que esse filme é sofrível e é um dos piores a que eu já assisti, justamente porque recolhe informações interessantes que facilmente poderiam ser parodiadas e - na paródia - criticadas, mas acabou simplesmente caindo no gratuito. Ao terminar de vê-lo, fiquei me perguntando se eram mesmo necessários 81 minutos para expor tão pouca coisa...