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NOTA 8,5 Fita clássica de terror envelheceu bastante, mas a nostalgia só agrega pontos positivos a uma obra que visa apenas assustar, porém, sem apelações |
Ter medo da escuridão é coisa do
passado? Sabemos que esta é uma das fobias mais comuns, mas será que no início
da década de 1980 ela já estava saturada no cinema? Sem dispensar os temores
causados pela ambientação noturna, John Carpenter cravou seu nome como
realizador de filmes de terror e suspense graças a uma fumaça maldita quando
lançou A Bruma Assassina, produção simples, mas muito eficiente (pelo
menos para a época). Hoje ela é aquela obra que aguça a curiosidade de amantes
do cinema e alimenta a nostalgia de muitos. Não chega a ser considerada um
marco do gênero como foi The Evil Dead - A
Morte do Demônio de Sam Raimi, mas as bases são parecidas: causar pânico
gastando pouco e abusando da criatividade. Sem apelar para a sanguinolência e
mutilações explícitos, Carpenter na época já não era um estreante nesta arte,
mas foi a partir deste trabalho que veio a se tornar uma referência para o
cinema fantástico e de horror. Roteirizado por ele mesmo em parceria com Debra
Hill a partir de um conto do cultuado escritor americano Edgar Alan Poe, a
trama se desenvolve na pitoresca e turística Anthony Bay, uma pequena cidade do
litoral dos EUA prestes a completar o centenário de sua fundação. Enquanto a
população se prepara para comemorar a data, o tranquilo povoado começa a
vivenciar estranhas situações. Durante a noite um intenso nevoeiro avança rapidamente
pelo mar e chama a atenção que vem acompanhado de estranhas luzes sempre
surgindo após a meia-noite, considerada por muitos como a hora dos mortos. Por
coincidência, no dia seguinte moradores relatam fatos curiosos e
desaparecimentos e o fenômeno volta a se repetir nas madrugadas seguintes,
sempre com a movimentação da névoa sendo relatada pela radialista Stevie Wayne
(Adrienne Barbeau) que trabalha no alto de um farol. Entre uma música e outra,
ela é responsável por informar sobre as condições climáticas noturnas à
navegantes e motoristas insones como Nick Castle (Tom Atkins) que dá uma carona
à Elizabeth Solley (Jamie Lee Curtis), com quem logo vai para a cama
apressadamente sem nem mesmo fazerem as apresentações formais.
Bem, tentar escrever uma sinopse
ou esmiuçar os perfis dos personagens é perda de tempo já que todos assim como
as situações são reféns do aparecimento do tal nevoeiro. Temos a presença
luxuosa de Janet Leigh, de Psicose,
como Kathy Williams, a prefeita da cidade e simbolizando uma homenagem ao
mestre Alfred Hitchcock que morreu no mesmo ano de lançamento do filme. Já Hal
Holbrook interpreta o Padre Malone cujo perfil é enfraquecido por logo de cara
ser revelado que o segredo para os eventos estranhos estão guardados consigo.
Os personagens não são aprofundados e a narrativa não sofre desdobramentos, mas
isso pouco importa. Carpenter não queria rodeios, mas sim ir direto ao ponto
construindo uma narrativa de horror sucinta e objetiva que no final revela que
bem mais assustador que as assombrações pode ser a crueldade do ser humano e
sua ganância. Reza a lenda que os festejados fundadores de Anthony Bay, que
viriam a ganhar um monumento em praça pública, construíram o povoado com
dinheiro roubado de um naufrágio e muitos perderam suas vidas por negligência
neste episódio. Já dá para imaginar o que isto tem a ver com a tal névoa.
Quando ela surge traz junto algo desconhecido e a ideia era justamente manter a
incógnita, deixar para o espectador concluir o que provocava as mortes. Fantasmas?
A fumaça seria tóxica? A visão prejudicada levava as pessoas a sofrerem
acidentes fatais? No entanto, atendendo a pedidos do estúdio, o diretor acabou
tendo que adicionar algumas cenas que revelam parte do mistério, algo que
enfraquece ligeiramente a obra, mas combina com o estilo de produção em voga na
época e que alguns anos mais tarde ajudaria a rotulá-la como um legítimo filme
B, porém, dos bons. O que ameaça a cidade é apresentado de forma velada, como
vultos e luzes vermelhas que surgem em meio a névoa platinada, mas ligando aos
fatos sobre a suspeita fundação do local fica fácil matar a charada, ainda mais
para quem assistiu ao tenebroso (no mau sentido mesmo da palavra) remake A
Névoa que abusou de efeitos especiais que não deixaram qualquer resquício
do clima intrigante do filme oitentista, mesmo ele sendo dotado de efeitos
especiais capengas, porém, que ajudam a caracterizar a obra. Aliás, a
simplicidade devido ao curto orçamento pode ser encarada como um trunfo e Carpenter dá uma aula de como fazer cinema de horror com poucos recursos.
Assim como a maioria dos filmes com
temáticas fantasiosas criados nos anos 80, as trucagens visuais denunciam o
quanto a produção envelheceu. A abundância e a rapidez com que a fumaça impregna
nos cenários dá a sensação de que a grande ameaça é alguma substância tóxica ou
algo do tipo, embora não se pode negar que as cenas em que mostram ela
avançando o oceano em direção à faixa de areia da cidade sejam enigmáticas,
ainda mais com o sutil efeito sonoro que as acompanham. Aliás, a trilha
incidental a base de instrumentos eletrônicos e sintetizador acentuam a
nostalgia. Se a filmografia de Carpenter hoje inspira novos diretores, dá para
notar que ele mesmo teve a quem se espelhar. Assim como o diretor italiano
Dario Argento, embora este adore tingir a tela com generosas doses de sangue, o
norte-americano prefere valorizar a construção de uma atmosfera de horror e a
história deve estar a serviço deste objetivo, o que justifica o clima
surrealista de A Bruma Assassina. Todos os personagens têm pouco a dizer e não
tardam a agir unicamente em função do pânico, o velho truque para o espectador
se entreter prevendo quem sobrará para contar história. Ainda assim, não vemos
uma gota sequer de sangue e a cena de horror mais comum é uma tola sequência em
que a personagem de Curtis, vindo do sucesso de Halloween - A Noite do Terror, leva um tremendo susto quando um cadáver em decomposição
despenca em cima dela. Fora isso, tudo é sugestionado para induzir o pavor, o
que eleva o nível da obra consideravelmente. Como não se faz um filme só de
sustos e o enredo propriamente dito era tão mole quanto gelatina, Carpenter
ainda teve que atender mais uma exigência do estúdio e criou um prólogo para
aumentar um pouquinho a metragem da fita. Curiosamente, tal sequência adicional
é o que há de mais memorável na produção, pois é a que melhor deixa explícito
seu objetivo: causar medo sem a necessidade de justificativas plausíveis. Para
tanto, o diretor recorreu ao velho clichê do acampamento em que algumas
crianças se reúnem em torno de uma fogueira, não por acaso em torna da
meia-noite, para ouvirem uma história de arrepiar contada por um idoso com voz
soturna. Nada mais convidativo para quem desde pequeno curte uma sessão coruja
e tem nostalgia ou curiosidade a respeito de um tempo em que crianças e
adolescentes tinham medo de crendices e não da realidade.
Terror - 80 min - 1980
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