sábado, 26 de junho de 2021

A BRUMA ASSASSINA


Nota 8 Apelo nostálgico beneficia obra que visa apenas causar bons sustos, mas sem apelações


No início da década de 1980 John Carpenter cravou seu nome como realizador de filmes de terror e suspense graças a uma fumaça maldita quando lançou A Bruma Assassina, produção de baixo orçamento, porém, muito eficiente e criativa. Não chega a ser considerada um marco do gênero, mas é aquele tipo de obra que aguça a curiosidade de amantes do cinema e alimenta a nostalgia de muitos. Sem apelar para a sanguinolência e mutilações explícitos, o cineasta na época já não era um estreante nesta arte, mas foi a partir deste trabalho que veio a se tornar uma referência para o cinema fantástico e de horror. Roteirizado por ele mesmo em parceria com Debra Hill, a partir de um conto do cultuado escritor americano Edgar Alan Poe, a trama se desenvolve na pitoresca e turística Anthony Bay, uma pequena cidade do litoral dos EUA prestes a completar o centenário de sua fundação. Enquanto a população se prepara para comemorar a data, o tranquilo povoado começa a vivenciar estranhas situações. De uma hora para outra, um intenso nevoeiro avança rapidamente pelo mar e chama a atenção já que simultaneamente estranhas luzes surgem sempre após a meia-noite, considerada por muitos como a hora dos mortos. Por coincidência, no dia seguinte moradores costumam relatar fatos curiosos, como desaparecimentos de pessoas e objetos.

Tais episódios voltam a se repetir por várias madrugadas, sempre com a movimentação da névoa sendo acompanhada pela radialista Stevie Wayne (Adrienne Barbeau) que trabalha no alto de um farol. Entre uma música e outra, ela é responsável por informar sobre as condições climáticas noturnas à navegantes e motoristas insones como Nick Castle (Tom Atkins) que dá uma carona à Elizabeth Solley (Jamie Lee Curtis), com quem logo vai para a cama apressadamente sem nem mesmo fazerem as apresentações formais. Bem, tentar escrever uma sinopse ou esmiuçar os perfis dos personagens é perda de tempo já que todos, assim como as situações, são reféns do aparecimento do tal nevoeiro. Temos a presença luxuosa de Janet Leigh, de Psicose, como Kathy Williams, a prefeita da cidade e simbolizando uma homenagem ao mestre Alfred Hitchcock que morreu no mesmo ano de lançamento do filme. Já Hal Holbrook interpreta o Padre Malone cujo perfil é enfraquecido por logo de cara ser revelado que o segredo para os eventos estranhos estão guardados consigo. Os personagens não são aprofundados e a narrativa não sofre desdobramentos, mas isso pouco importa. Carpenter vai direto ao ponto construindo uma narrativa de horror objetiva que no final revela que a crueldade do ser humano e sua ganância podem ser bem bem mais assustadores que qualquer fenômeno sobrenatural.


Reza a lenda que os festejados fundadores de Anthony Bay, que viriam a ganhar um monumento em praça pública, construíram o povoado com dinheiro roubado de um naufrágio e muitos perderam suas vidas por negligência neste episódio. Já dá para imaginar o que isto tem a ver com a tal névoa, não é?. Quando ela surge traz a tiracolo algo desconhecido e a ideia era justamente manter a incógnita, deixar para o espectador concluir o que provocava as mortes repentinas dos habitantes. Fantasmas? A fumaça seria tóxica? A visão prejudicada levava as pessoas a sofrerem acidentes fatais? No entanto, atendendo a pedidos do estúdio, o diretor acabou tendo que adicionar algumas cenas que revelam parte do mistério, algo que enfraquece ligeiramente a obra, mas combina com o estilo de produção em voga na época e que alguns anos mais tarde ajudaria a rotulá-la como um legítimo filme B, porém, dos bons. O que ameaça a cidade é apresentado de forma velada, como vultos e luzes vermelhas que surgem em meio a névoa platinada, mas ligando aos fatos sobre a suspeita fundação do local fica fácil matar a charada, ainda mais para quem assistiu ao tenebroso (no mau sentido mesmo da palavra) remake A Névoa que abusou de efeitos especiais que não deixaram qualquer resquício do clima intrigante do filme oitentista, mesmo ele sendo dotado de efeitos especiais capengas, porém, que ajudam a caracterizar a obra. 

Assim como a maioria dos filmes com temáticas fantasiosas criados naquele período, as trucagens visuais denunciam o quanto a produção envelheceu. A abundância e a rapidez com que a fumaça impregna nos cenários passa a sensação de artificialidade, embora não se pode negar que as cenas em que mostram ela avançando o oceano em direção à faixa de areia da cidade sejam enigmáticas, ainda mais com o sutil efeito sonoro que as acompanham. Aliás, a trilha incidental a base de instrumentos eletrônicos e sintetizador acentuam a nostalgia. Se a filmografia de Carpenter hoje inspira novos diretores, dá para notar que ele mesmo teve a quem se espelhar. Assim como o diretor italiano Dario Argento, embora este adore tingir a tela com generosas doses de sangue, o norte-americano prefere valorizar a construção de uma atmosfera de horror e a história deve estar a serviço deste objetivo, o que justifica o clima surrealista de A Bruma Assassina. Todos os personagens têm pouco a dizer e não tardam a agir unicamente em função do pânico, o velho truque para o espectador se entreter prevendo quem sobrará para contar história. Ainda assim, não vemos uma gota sequer de sangue e a cena de horror mais explícita é uma tola sequência em que a personagem de Curtis, vindo do sucesso de Halloween - A Noite do Terror, leva um tremendo susto quando um cadáver em decomposição despenca em cima dela. Fora isso, tudo é sugestionado para induzir o pavor, o que eleva o nível da obra consideravelmente. 


Como não se faz um filme só de sustos e o argumento propriamente dito não era dos mais consistentes, Carpenter ainda teve que atender mais uma exigência do estúdio e criou um prólogo para aumentar um pouquinho a metragem da fita. Curiosamente, tal sequência adicional é o que há de mais memorável na produção, pois é a que melhor deixa explícito seu objetivo: causar medo sem a necessidade de justificativas plausíveis. Para tanto, o diretor recorreu ao velho clichê do acampamento em que algumas crianças se reúnem em torno de uma fogueira, não por acaso em torno da meia-noite, para ouvirem uma história de arrepiar contada por um idoso com voz soturna. Nada mais convidativo para quem desde pequeno curte uma sessão coruja e tem nostalgia ou curiosidade a respeito de um tempo em que crianças e adolescentes tinham medo de crendices e não da própria realidade. 

Terror - 80 min - 1980 

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