terça-feira, 18 de maio de 2021

PERGUNTE AO PÓ


Nota 6 Belo visualmente, drama tem ritmo tedioso e se perde em suas próprias pretensões


Às vezes ouvimos falar sobre o começo da produção de algum filme e de repente em questão de poucos meses ele já está sendo lançado. Chama a atenção que até obras que exigem apuro técnico maior por conta de sequências de ação ou efeitos especiais também ficam prontas com rapidez assustadora, assim é de se estranhar que alguns filmes aparentemente simples fiquem anos sendo preparados em banho-maria. O roteirista e diretor Robert Towne em 1973 estava fazendo pesquisas sobra a Grande Depressão para o texto de Chinatown quando conheceu o escritor John Fante e se interessou em adaptar um de seus livros que abordavam o mesmo período. Pergunte ao Pó, título homônimo da obra literária, levou mais de três décadas para ser finalizado, um trabalho de muita dedicação para tentar capturar com fidelidade a atmosfera contida nas páginas que narram os prazeres e desventuras de um jovem escritor italiano tentando sobreviver com sua arte em uma cidade americana pouco receptiva com os estrangeiros. Em meados da década de 1930, em Bunker Hill no subúrbio de Los Angeles, os tempos são difíceis com a recessão econômica e o clima seco e o sol escaldante castigam ainda mais a população local que luta para conseguir emprego e sonha com a ascensão social. Arturo Bandini (Colin Farrell) é um escritor ambicioso que se mudou para lá em busca de inspiração para escrever aquele que seria seu grande romance norte-americano, a obra que lhe proporcionaria fama, dinheiro e consequentemente mulheres. 

Todavia, falta ao jovem escritor experiência de vida para criar boas histórias, assim em pouco tempo ele está contando seus últimos centavos e vivendo em um quarto de hotel frequentado predominantemente por fracassados. Sem conseguir ideias para um livro, ele escreve contos sobre o cotidiano da cidade e os envia para algumas revistas literárias, assim consegue alguns trocadinhos quando já estava quase tendo que roubar leite para não passar fome. Para se dar um último luxo, o rapaz decide ir a uma cafeteria onde conhece a garçonete mexicana Camilla Lopez (Salma Hayek), um encontro que trará uma série de reviravoltas para seu cotidiano vazio. Mesmo com um desentendimento logo de cara, ele passa a visitar o local com mais frequência e a vivenciar uma tumultuada relação amorosa com a moça, ambos atraídos pelo sentimento de inadequação. Os dois são imigrantes e numa época de crise qualquer estrangeiro é visto como ladrão das poucas vagas de emprego existentes. Camila tenta esconder seu sobrenome, o que a identificaria definitivamente como estrangeira e atrapalharia seus planos de entrar para a sociedade de Los Angeles, como se seus traços de bela morena já não fossem o suficientes para denunciar sua origem latina. O preconceito com imigrantes do México parece ser maior talvez pela facilidade deles entrarem em território norte-americano de forma ilegal, o que ressalta a fama de ladrões de trabalho. O visual de Bandini também o faz ser confundido com um latino, mas mesmo quando revela ser italiano e com uma ocupação teoricamente refinada, sua aceitação não é fácil talvez porque ele mesmo alimente o preconceito com suas mágoas, resquícios da infância quando era chamado pelos colegas de carcamano seboso. 


Os protagonistas não levantam a defesa de suas origens, mas se unem pela concordância de que precisam buscar uma forma de se misturarem aos ianques. A garçonete procurava conquistar um norte-americano a fim de oficializar seu sonho de naturalização e depositou todas as suas esperanças em Sammy White (Justin Kirk). O sobrenome neste caso não simboliza apenas um dos mais comuns na terra do tio Sam, mas também serve como uma metáfora preconceituosa. Já o escritor sempre carrega consigo algumas cópias de seu único trabalho publicado e as distribui com orgulho inocente já que tenta estabelecer uma boa imagem através de um sucesso que a cada dia fica mais envelhecido. Sempre alimentando sua própria fantasia, ele não pensa duas vezes antes de gastar o pouco que tem adquirindo roupas elegantes a fim de conquistar respeito das pessoas. É nesse momento de falso glamour que surge a misteriosa Vera Rivkin (Idina Menzel) que por debaixo de trajes elegantes esconde marcas de um passado trágico. A aproximação entre eles se dá pela amabilidade da moça que faz elogios rasgados à cultura e refinamento do rapaz, tudo o que ele desejava para alimentar seu ego. Tal personagem enigmática surge como uma renovação de Bandini na esperança de viver um amor que lhe traga benefícios sociais, mas não tem jeito, seu vício é Camilla e o roteiro trata de ceder um espaço maior a esse conturbado romance tal qual o livro, ainda que a adaptação enfraqueça o perfil da mexicana não explorando sua paixão doentia por White que a agride constantemente e também ignore sua dependência em maconha, preferindo demarcar a decadência da personagem com um perigoso quadro de tuberculose, uma das mais agressivas doenças da época.

Quem tem conhecimento do livro costuma apontar como falhas as escalações dos protagonistas, rostinhos muito bonitos para encararem tipos sofridos e à margem da sociedade. Contudo, para ter apoio financeiro para um trabalho claramente destinado a um público restrito, Towne precisava de nomes de peso para conseguir vender a ideia. Se a obra fosse realizada algumas décadas antes possivelmente o papel principal seria entregue à Tom Cruise para quem o roteirista já havia escrito quatro filmes. Não é a toa que o ator aceitou ser um dos produtores da fita. Foi uma estratégia realmente ousada entregar o papel de Bandini à Farrell, jovem astro cuja imagem é ligada a tipos mais sedutores, astutos ou maquiavélicos, tudo o que o escritor imigrante não é. O protagonista é na verdade um alter-ego do próprio Fante que em seu romance fundiu passagens de ficção com outras verídicas pescadas em sua própria memória. As experiências, opiniões e dúvidas de Bandini são compartilhadas com o espectador através de várias narrações em off que trazem informações adicionais uma vez que os protagonistas não conseguem garantir a empatia com o público totalmente. Frios, problemáticos e vivenciando uma relação desajustada que nos leva a perguntar diversas vezes o porquê de eles quererem estar próximos, o ato final muda completamente o tom e investe no melodrama como forma de emocionar tardiamente a plateia. 


Pergunte ao Pó não encontrou seu público. Logo pelos seus primeiros minutos não agrada ao espectador comum e os mais intelectuais que se sentem instigados para ver onde uma trama cheia de significados vai chegar se decepcionam com a conclusão. Os comentários negativos são ainda mais inflamados por parte de quem teve contato com a obra literária reascendendo mais uma vez a discussão sobre as qualidades de um livro e sua adaptação cinematográfica. É de conhecimento comum que cada um tem uma forma particular de interpretar um conteúdo e no caso temos a visão de Towne, um apaixonado pelo romance de Fante e pelo período e local em que ele é desenvolvido, o que justifica sua batalha para a realização do filme mesmo precisando ceder a algumas pressões de superiores, o que acabou prejudicando a obra. Pelo menos quem gosta de observar aspectos técnicos não irá se decepcionar. Com uma belíssima reconstituição de época e fotografia e iluminação em tons ocres e amarelados, que acentuam o aspecto árido do cenário e do próprio texto, o capricho visual é de encher os olhos, mas o tempo parece indicar que o filme foi mesmo fadado a ser entregue a poeira.

Drama - 117 min - 2005 

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1 – 2 Ruim, uma perda de tempo
3 – 4 Regular, serve para passar o tempo
5 – 6 Bom, cumpre o que promete
7 – 8 Ótimo, tem mais pontos positivos que negativos
9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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