terça-feira, 1 de junho de 2021

FOI APENAS UM SONHO


Nota 8 O medo de assumir o fracasso arruína a relação de jovem casal preso a convenções e ilusões


Os grandes pares românticos do cinema, principalmente aqueles da chamada Era de Ouro de Hollywood, são lembrados por trocarem um beijo apaixonado ao término de seus filmes invocando o famigerado felizes para sempre. O tempo passou e as histórias românticas sofreram transformações, assim outras formas de manifestar o amor, diga-se de passagem, mais realistas, também originaram cenas memoráveis, como abrir mão de um relacionamento em nome de um bem maior ou dar continuidade ao sentimento mesmo após a morte. Neste último caso poderia ser rotulado o mega sucesso Titanic, mas uma obra de tanta importância e opulência deixou um sabor amargo para os seus milhares de fãs com seu triste final. Durante muitos anos foi alimentada a expectativa de que Kate Winslet e Leonardo DiCaprio voltassem a formar par romântico e desta vez com direito a um final feliz, assim foram criadas muitas expectativas em torno do reencontro em Foi Apenas um Sonho. A julgar pelo burburinho positivo da crítica e as menções em premiações, estava na cara que esta produção não se tratava de um romance água-com-açúcar. Trata-se de uma obra intimista e angustiante que aborda o vazio existencial que assola os casais quando a relação cai na rotina e a euforia cede espaço à frustração. 

Adaptado do romance "Revolutionary Road" (título original do filme), do autor Richard Yates lançado em 1962, o enredo gira em torno do casal April (Winslet) e Frank Wheller (DiCaprio) e narra fatos de suas vidas desde o primeiro encontro. É preciso estar atento que em sua primeira metade os eventos são narrados de forma não-linear. Na década de 1950, já casados, aparentemente eles transbordam felicidade a ponto de se julgarem pessoas especiais e dignas de um padrão de vida mais elevado.  Todavia, tal obsessão também significará a ruína desta união. Frank trabalha como vendedor de seguros, mas está insatisfeito profissionalmente embora seu salário banque uma vida confortável aos dois filhos pequenos e à esposa, esta que é uma atriz frustrada que acabou se conformando com a vida de dona-de-casa. Já percebendo que a relação estava estremecida, o casal busca uma chance de recuperar o entusiasmo dos tempos de namoro em um novo lar e compram uma casa na rua cujo nome batiza o romance original e faz alusão a revolução que tomará de assalto suas vidas. Os primeiros tempos na residência são muito bons e massageiam o ego dos Wheller que realmente se sentem pessoas privilegiadas tendo um endereço requintado mesmo em uma região de subúrbio, algo enaltecido pela corretora de imóveis Helen Givings (Kathy Bates) que se encanta pelos jovens pombinhos logo que procuram seus serviços.


Fazendo amizade, a vendedora passa a visitá-los com frequência ao lado do marido Howard (Richard Easton) e do filho John (Michael Shannon), um ex-matemático com alguns problemas mentais que sofreu com os tratamentos desumanos disponíveis na época e que precisava de amigos na mesma faixa etária para se readaptar a sociedade. É justamente a insanidade deste rapaz, no sentido de não ter papas na língua, que dá o pontapé inicial para a crise dos vizinhos. Considerados por todos no bairro como exemplos a serem seguidos, John parece ser o único a perceber que os Wheller não são felizes e a compreender seus anseios, tanto que, entre outros tantos conselhos, alerta Frank que para ser um adulto de verdade é preciso ter um trabalho e a constatação dita por alguém mentalmente comprometido soa como um golpe certeiro, mas necessário. Na companhia de seguros ele simplesmente tinha uma ocupação para sustentar a família que formou precocemente, mas não gostava do que fazia e no meio da multidão sumia facilmente. Dessa forma, acaba lhe caindo a ficha que não é melhor ou pior do que ninguém, simplesmente é um ser humano comum que abriu mão dos sonhos para sobreviver às adversidades. As frustrações profissionais do marido e da mulher acabam acarretando problemas para a relação conjugal, tanto que Frank possui uma amante no trabalho, mas vendo o casamento balançar April propõe que eles tentem recomeçar a vida abandonando o conformismo e apostando no acaso. 

O casal então concorda em ir morar em Paris onde as estatísticas indicam que ela poderia ter um emprego bem remunerado em algum órgão do governo e assim o marido poderia se dedicar aos estudos visando uma carreira mais promissora, no entanto, alguns contratempos acontecem e adiam irremediavelmente a mudança. Quantas pessoas seguem infelizes suas trajetórias com medo de apostar suas fichas em algo incerto, mas com chances de ser extremamente benéfico? Sonhar é muito bom, mas transformá-lo em realidade não é simples. Mais difícil ainda é se conformar quando eles são praticamente impossíveis de serem concretizados. Os Wheller vendiam a imagem de casal invejável, mas no fundo eles mesmos sabiam que não tinham vidas perfeitas. Naquela época, o mundo começou a voltar suas atenções para o chamado "american way of life" ou em bom português o estilo vencedor dos norte-americanos traduzido em belos cenários, porém, insossos e que escamoteiam seus vazios existenciais. As casas em tons claros, com belos jardins e desprovidas de cerca transmitem uma falsa impressão de felicidade e sucesso, ideias que os protagonistas compraram provavelmente na ilusão de que isso poderia resolver seus problemas guardados em segredo. Desmantelar esse pensamento narcisista e utópico parece ser uma obsessão do diretor Sam Mendes que em seu trabalho de estreia, Beleza Americana, já abordava a temática sem medo algum, ousadia que rendeu ótima bilheteria e muitos prêmios, o que prova que as novas gerações da terra do tio Sam não querem mais propagar mentiras. Todavia, Foi Apenas um Sonho não seguiu o mesmo caminho de sucesso. 


Talhado para ser lembrado nas principais premiações, o longa estava indo bem na caminhada em busca de láureas, mas os votantes do Oscar praticamente ignoraram a produção oferecendo apenas três menções, entre elas a indicação de Shannon a Melhor Ator Coadjuvante. Seu personagem realmente se destaca por parecer o único que não vive de aparências e o responsável por trazer os protagonistas para a realidade, propositalmente fazendo seus comentários pertinentes, mas um tanto incômodos, em meio a jantares e reuniões sociais para desmanchar falsos sorrisos. É uma pena que o roteiro de Justin Haythe não dê mais espaço ao rapaz. Este era para ser um filme de Winslet e DiCaprio e assim foi feito. A dupla agarrou seus papéis com unhas e dentes e conseguem transmitir com segurança e credibilidade todas as nuances de um casal em crise. O rancor, as desconfianças e as tentativas para reconquistar a harmonia se fazem presente, mas duas horas de filme é pouco para tudo que a narrativa poderia render, ainda mais pela opção em se ater as brigas dos Wheller. De qualquer forma, assistir a uma série de discussões sob clima pesado e claustrofóbico, apesar do cenário de sonhos, poderia ser torturante, mas diante de interpretações tão vigorosas isso se torna um grande prazer. 

Drama - 119 min - 2008

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Um comentário:

renatocinema disse...

Amo esse filme.....Triste, denso e real.

Abraços