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NOTA 3,0 Tubarões assassinos caçam humanos em uma estação de pesquisas em produção com um pé no cinema trash, mas fora de época |
Na década de 1970 eram muito populares os
filmes-catástrofes, produções cujo mote principal são tragédias como
naufrágios, terremotos ou acidentes de aviões, por exemplo, mas Steven
Spielberg, sempre à frente do seu tempo, com seu clássico Tubarão já antecipava
uma tendência dos anos seguintes. As fitas estreladas por animais assassinos ou
geneticamente modificados nem sempre encontravam espaço nas salas de cinema,
mas bombavam nas videolocadoras, inclusive com muitos lançamentos do tipo
exclusivos para abastecer tal mercado que faturou horrores com fitas trash. O
VHS do híbrido de aventura e suspense Do Fundo do Mar certamente não iria parar
nas prateleiras das lojas, porém, foi produzido tardiamente, às vésperas da
virada para o novo século e milênio. Filme certo na hora errada. Se fosse
contemporâneo à onda de aranhas, cobras, crocodilos e outras tantas fitas que
exploravam ao máximo aberrações da natureza ou o instinto selvagem de animais
alterados em laboratórios, o trabalho do diretor Renny Harlin até que poderia
ter alcançado certa repercussão e lucros. No entanto, em 1999, ano em que
blockbusters calcados em efeitos especiais de ponta como Matrix, A Múmia e o
retorno da saga Star Wars bateram recordes de bilheteria, quem se interessaria
por uma história de tubarões superdesenvolvidos e assassinos? Os roteiristas
Donna e Wayne Powers, em parceria com Duncan Kennedy, acreditaram que haveria
público para tal filão e criaram uma trama bastante sufocante tendo como
cenário principal uma estação submarina de pesquisas genéticas. Chefiada pela
doutora Susan McAlister (Saffron Burrows), a equipe se empenhava no
desenvolvimento de uma terapia para a cura do Mal de Alzheimer. A pesquisa
visava ampliar a capacidade cerebral de tubarões através de intervenções da
engenharia genética e o tecido encefálico alterado seria utilizado na criação
de uma fórmula neuro-estimulante capaz de diminuir os efeitos da doença em
humanos em estágio avançado de degeneração, como o próprio pai de Susan, esta
que obviamente deseja mais que o reconhecimento profissional. O gancho do ser
humano brincando de Deus manipulando a natureza também nos remete ao tema de
central de outro clássico de Spielberg, Parque dos Dinossauros... Obviamente
guardadas as devidas proporções.
A ideia central é interessante, mas Harlin não há espaço
para discussões sérias sobre os prós e contras da pesquisa e tampouco trabalhar
os pontos de vistas divergentes de entusiastas e céticos. O negócio é tocar o
terror para amedrontar o espectador. O projeto científico cheio de boas
intenções sofre com contratempos que já eram previsíveis. Os três tubarões que
antes eram apenas cobaias acabam se rebelando desenvolvendo não apenas uma
capacidade acima do normal de raciocinar, mas também sendo dotados de uma força
e estrutura física incomum para a espécie. Eles passam a ameaçar a vida dos
pesquisadores obedecendo seus instintos de caça, mas também visando fugirem do
cativeiro e justamente quando a estação recebe a visita de Russell Franklin
(Samuel L. Jackson), um dos financiadores que iria avaliar a continuidade das
pesquisas, uma série de problemas acontecem. Quando submetido ao procedimento
para extração do fluido cerebral, um dos tubarões surpreende os cientistas com
um violento ataque e a partir de então o filme se entrega a correria
desenfreada e começa a contagem regressiva para ver quem sobreviverá. Uma forte
tempestade e o incêndio provocado pela queda de um helicóptero de resgate
complicam tudo mais ainda. Com a estação marítima inundada, os bichões levam
vantagem nas perseguições e apesar das situações absurdas, com ataques
coordenados e mirabolantes, eles parecem bem mais inteligentes que seus alvos
como, por exemplo, o mergulhador Carter Blake (Thomas Jane), o suposto herói da
fita. Aliás, os tubarões parecem atuar com bem mais credibilidade que o próprio
elenco que se vê forçado a situações constrangedoras típicas de filmes trash.
Para alimentar os peixões e ajudar a rechear o filme com diálogos infames e
estúpidas atitudes, estão à disposição o cientista-chefe Jim Whitlock (Stellan
Skarsgard), o engenheiro Tom Scoggins (Michael Rapaport), o cozinheiro Sherman
Duddley (LL Cool J.) e as auxiliares Brenda (Ainda Turturro) e Janice
(Jacqueline McKenzie). Infelizmente os personagens são apenas lançados na tela
à mercê da própria sorte e não há embasamento emocional para nos importarmos
com suas vidas, assim só resta o espetáculo da carnificina. Quanto mais
violento os ataques melhor, assim deve ter pensado Harlin que é apenas um
operário da indústria cinematográfica. Filma tudo quanto é roteiro que lhe
apresentam, mas nenhum ganha sua assinatura estilística, é apenas mais do
mesmo.
O citado clássico Tubarão fez e ainda faz muita gente suar
frio sem praticamente exibir seu personagem-título, apoiando-se em trucagens de
câmera e edição, além da icônica trilha sonora que se tornou sinônimo de
pânico. Indo em sentido oposto ao do mestre Spielberg, Harlin não demonstra o
menor traquejo com sugestionamentos e não esconde absolutamente nada sobre o
visual de seus vilões. Os tubarões são flagrados pela câmera com total riqueza
de detalhes, assim exibindo que boa parte do orçamento certamente foi gasta com
efeitos visuais, diga-se de passagem, de longe o que há de melhor nesta
produção. Mesmo sem sutilezas a favor da tensão, o filme até que tem lá seus
momentos que prendem a atenção, porém, são sequências isoladas em meio a um
roteiro insosso com ideias literalmente jogadas por água abaixo. Harlin, cujo
trabalho mais significativo até então era Duro de Matar 2, além da preocupação
em lidar com criaturas mecatrônicas e computação gráfica, também tinha o
desafio de rodar boa parte das cenas em cenários parcial ou totalmente
encobertos por água. Mesmo com as dificuldades, o clima tenso está sempre em
alta, mas as cenas-clímax perdem força por conta das atuações forçadas e
limitadas a gritarias, olhos arregalados e respiração ofegante. Fora a saída
precoce de um dos atores de maior prestígio do elenco por conta do súbito (e
até mesmo engraçado) assassinato de seu personagem, nada mais surpreende. O
roteiro não vai além do jogo de caça de gato e rato, ou melhor, no caso de
tubarões na cola de humanos e desde o início facilmente identificamos quem irá
sobreviver ao massacre. Seguindo praticamente as mesmas regras das fitas de
seriais killers, os medrosos e principalmente os arrogantes são as primeiras
vítimas, enquanto aqueles que demonstram valentia e bom caráter podem comer o
pão que o diabo amassou, mas sagram-se vitoriosos a fim de protagonizar
possíveis continuações. Neste caso felizmente fomos poupados. Apesar dos
problemas, Do Fundo do Mar pode ser lembrado como um projeto corajoso, afinal
injetar tempo e dinheiro em um estilo de filme em franca decadência e restrito
a uma pequena fatia de público é assumir um risco capaz de encerrar
precocemente a carreira de qualquer cineasta. Harlin não parou de trabalhar,
todavia, continuou construindo um currículo bastante duvidoso sendo seu maior
mérito ter sido marido da atriz Geena Davis por cinco anos.
Suspense - 105 min - 1999
Um comentário:
Do Fundo do Mar sempre dividiu opiniões,uns gostam e outros detestam,mas acho que é um filme que cumpre o que promete,tem um valor de entretenimento,faz homenagem ao clássico tubarão,e que tem uma história interessante,tem uma direção funcional,cenas memoráveis,o filme consegue trazer um suspense inquietante,é um excelente filme do gênero tubarão,e um dos últimos a trazer uma seriedade antes desse gênero ficar extremamente desgastado e sem peso.
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