domingo, 29 de agosto de 2021

OS DELÍRIOS DE CONSUMO DE BECKY BLOOM


Nota 8 Consumista compulsiva se mete em grandes confusões tentando se livrar do vício na marra


Se a literatura tem um relacionamento bastante estreito com o cinema, o mesmo é possível dizer a respeito do mundo da moda. Cada vez mais a sétima arte parece ter interesse em despir os bastidores do universo fashion. Depois do sucesso de O Diabo Veste Prada desfilando roupas de grifes famosas em composições harmoniosas era preciso mostrar como esses modelitos se adaptaram ao estilo da classe média. Os Delírios de Consumo de Becky Bloom supre essa necessidade apresentando as confusões de uma shopaholic, ou seja, uma consumista compulsiva. Esta obra nos revela, ainda que superficialmente, o sentido dramático deste distúrbio, os conflitos pelos quais passam diariamente aqueles que não resistem a uma comprinha toda vez que se sentem atraídos por uma vitrine bem arrumada ou um cartaz anunciando uma liquidação. Todavia, apesar do tema moda estar presente em praticamente todas as cenas, os roteiristas Tracey Jackson, Tim Firth e Kayla Alpert felizmente nos pouparam de discursos insossos a respeito de grifes famosas e sequências de desfiles. 

Baseado nos best-sellers de Sophie Kinsella, "Confessions of a Shopaholic" e "Shopaholic Takes Manhattan", o enredo nos apresenta à Rebecca Bloomwood (Isla Fisher), ou simplesmente Becky, uma jornalista que deseja muito um emprego em uma badalada revista feminina, mas acaba conseguindo uma vaga como colunista em uma publicação sobre finanças da mesma editora, o que pode ainda abrir as portas para o seu real interesse dependendo de seu desempenho. Becky não entende nada concretamente sobre juros, bolsas de valores, crises financeiras e tudo mais que pauta este universo, mas acaba fazendo sucesso com seus textos de fácil compreensão envolvendo as relações entre salários, gastos, necessidades e futilidades. Tamanha intimidade com tais temas é porque ela própria lida com eles diariamente já que compra demais e idolatra seus diversos cartões de créditos, mas quando chegam as cobranças ela cai em si e percebe que exagerou e não precisava de muitas coisas que adquiriu, peças que ela provavelmente usará uma única vez ou nem chegará a estrear. O sentimento maravilhoso de comprar um sapato novo e depois a culpa ao ver que seu custo não justifica os benefícios é um dos exemplos que ela cita em seus textos e assim se torna a queridinha de seu chefe, Lucke Brandon (Hugh Dancy). 


Becky fica conhecida como "a garota da echarpe verde", título de sua coluna e uma referência ao acessório que ela usava no dia em que participou da entrevista de emprego. Diga-se de passagem, o tal lenço esvoaçante lhe custou um bom dinheiro e foi adquirido momentos antes de seu compromisso profissional, mas lhe deu sorte. Com o bom emprego ela poderia pagar suas contas atrasadas e fazer algumas extravagâncias vez ou outra sem ficar com a consciência pesada. Tudo iria de vento em pompa, isso se o impulso de comprar sem necessidade da moça fosse controlado e ela não estivesse sendo perseguida por Derek Smeath (Robert Stanton), um incansável cobrador. Para piorar, inesperadamente ela se vê apaixonada pelo chefe e precisa esconder a todo custo seu descontrole perante as vitrines das lojas, do contrário, seu emprego já era e o homem dos seus sonhos também. Em meio a esse cenário caótico um grupo de ajuda poderia ser a solução, mas tudo que a jornalista consegue frequentando-o é arranjar ainda mais confusão. Vale destacar o ótimo recurso visual dos manequins de vitrine que na imaginação da protagonista são dotados de movimentos e se comunicam diretamente com ela para lhe influenciar a fazer compras, mas quando as cobranças chegam a fantasia cede lugar à dura realidade.

Becky parece uma personagem recém-saída dos contos de fadas e que se deslumbra a cada nova vitrine que se depara, o que pode gerar certas críticas negativas, mas como o longa é uma comédia o estilo sonhando acordada combina perfeitamente com a personagem. São hilárias as situações em que a protagonista se envolve para manter seu estilo extravagante, como ser confundida com uma garçonete ou inventar que o homem que a persegue é seu violento ex-namorado. O jeitinho alegre e maravilhado diante de combinações de roupas um tanto esdrúxulas e até a semelhança física, inclusive do cabelo avermelhado, tornariam o papel perfeito para Amy Adams, intérprete com um currículo mais respeitável e em ascensão, todavia, Fisher se sai bem, apesar do roteiro exagerar em algumas situações e complicar a vida da atriz que acaba carregando o longa nas costas já que o elenco de coadjuvantes é subaproveitado. Joan Cusack e John Goodman, por exemplo, fazem papéis muito pequenos e sem brilhos enquanto a respeitada Kristin Scott Thomas aparece um tanto caricatural como Alette Naylor, a editora de uma revista de moda. Qualquer semelhança com certa personagem de Meryl Streep não deve ser encarada como uma despretensiosa coincidência. Pior para Lynn Redgrave que encerrou sua carreira com uma aparição relâmpago e creditada apenas como a mulher que aparece bêbada em uma festa.


Excluindo o fato de subaproveitar o elenco, o longa em geral atende bem as expectativas. É alto astral, tem romance, trilha sonora adequada e figurinos que transitam entre o chique e o brega, enfim, tudo o que o público feminino curte e até os machos de plantão podem se divertir analisando o comportamento enlouquecido da protagonista, afinal quem não conhece ao menos uma mulher consumista e até mesmo alguns homens não escondem mais seu apreço por compras de vestuários e afins.  Com a direção de P. J. Hogan, Os Delírios de Consumo de Becky Bloom cai como uma luva para um programa despretensioso, contudo, também é carregado de piadas levemente críticas à sociedade e política americana, como acusar o governo de atolar os EUA em dívidas ou mostrar o quanto a roupa que vestimos dita a maneira como vamos nos portar ou como queremos ser percebidos. Bem, tais mensagens servem para qualquer tipo de sociedade cosmopolita ou país, mas quem está atrás de conteúdo intelectual e crítico em um filme como esse? Felizmente, ainda há quem prefira aliar conhecimento e entretenimento em uma mesma produção e para esse púbico talvez esta dica seja satisfatória. Na pior das hipóteses, certamente de ânimos renovados você ficará ao subirem os créditos finais e ter dado boas risadas.

Comédia - 104 min - 2008 

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