terça-feira, 10 de agosto de 2021

O JULGAMENTO DO DIABO


Nota 5 Velho argumento do pacto com o Diabo pelo sucesso é reciclado em comédia sem vigor


O Diabo realmente veste Prada? Bem, não necessariamente ele precisa usar marcas famosas, mas certamente usa saltos, meia-calça e figurinos provocantes. Esta é a insinuante visão que temos do coisa-ruim encarnado no corpo da atriz Jennifer Love Hewitt na comédia O Julgamento do Diabo, obra que sofreu vários problemas ao longo de sua produção e foi lançada quase que de maneira invisível. A  trama tem como protagonista Jabez Stone (Alec Baldwin), um homem azarado em vários aspectos, incluindo a frustração de não ter conseguido se tornar um escritor de sucesso como seu amigo Julius Jenson (Dan Aykroyd), de quem não consegue esconder certa inveja. Desesperado após perder o emprego, ser assaltado e causar a morte de uma pessoa após surtar de vez, Bez, como gosta de ser chamado, faz um acordo com o capeta em forma de mulher, um trato que prevê que ele deverá ceder sua alma em troca da realização de seu grande sonho profissional, mesmo que às custas de livros cujo conteúdo são bastante questionáveis. A introdução nos apresenta ao fracassado protagonista e seus percalços, mas evidencia que ele é uma pessoa do bem, somente infeliz com tantas frustrações, sendo assim o perfil perfeito para cair na lábia de uma capetinha e eis que ela surge propondo um acordo tentador que é selado com direito a beijos e algo mais. 

Durante anos Bez teve tudo aquilo que alguém vitorioso poderia atrair, o lado positivo deste pacto, um período em que o escritor aproveitou intensamente os benefícios, mas não tarda para que a parte ruim do acordo comece a se manifestar. Quando a fama, riqueza e o assédio das mulheres começam a dar sinais de escassez, ele lembra que está chegando a fatídica hora de cumprir sua parte na negociação. É quando decide procurar Daniel Webster (Anthony Hopkins), o advogado e chefe de uma poderosa editora, com o objetivo de encontrar uma maneira de livrá-lo do tal acordo literalmente dos infernos. Todavia, pode ser tarde demais para reavaliar o preço da ambição. Além de estrelar o longa, Baldwin também assina como produtor e diretor, embora a experiência no comando de uma obra não o tenha deixado satisfeito. Se decepciona na direção, atuando ele tira de letra interpretar um personagem que se equilibra entre o perfil de um fracassado, depois de um vitorioso e, por fim, de arrependido, tendo seus melhores momentos quando Bez reflete sobre os rumos que sua vida tomou. Ele apenas ganhou um toque de sorte para se tornar popular, mas o Diabo não lhe ofertou o talento para a escrita. De que adianta ser um sucesso de vendas se no fundo o próprio autor não está satisfeito com o conteúdo dos seus livros? Mesmo com toda fama e dinheiro, a frustração iria persegui-lo eternamente


Hopkins também se sai bem em um papel em que pode esbanjar seu habitual charme e elegância, mas que não lhe exige muito esforço, embora Webster pudesse ser um perfil dos mais interessantes. Ele e o Diabo deixam no ar que possuem algum tipo de ligação, só assim para explicar como um sabe tanto sobre o outro, incluindo o fato do advogado ser portador de um valioso item que pertencia ao coisa-ruim. Tal relação duvidosa poderia dar mais estofo à trama, mas infelizmente o veterano ator acaba ficando como um coadjuvante de luxo. E se o título destaca o capeta, esperava-se mais da atuação de Hewiit, eternamente marcada por protagonizar o terror teen Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado e sua continuação. Embora fique em cena menos tempo que o esperado, o pouco que aparece deixa transparecer que lhe faltam elementos necessários para encarnar uma criatura ardilosa e ao mesmo tempo sedutora. Involuntariamente sua atuação acaba sendo cômica, ainda mais porque há concorrência nas maldades. Constance (Kim Cattrall) representa de maneira bem mais convincente uma figura diabólica, sempre rodeando e colocando em tentação o protagonista, o persuadindo através de dinheiro, fama e sexo e assim o corrompendo a ponto dele abrir mão de seus princípios e valores.

Bem, se o próprio diretor fez não ficou muito satisfeito com seu trabalho e até cogitou não ter seu nome creditado na função, já sabemos que as expectativas não podem ser as melhores. A partir de uma premissa simples e já muito explorada não só pelo cinema, mas também pelo teatro, televisão e pela própria literatura que não se cansa de readaptar o conto original de Stephen Vicent Benét, "O Diabo e Daniel Webster", a trama em si não teria artifícios para chamariz, salvo o elenco que poderia colaborar  com interpretações vigorosas. Não é o caso, embora suas atuações não cheguem a comprometer (ainda mais) o conjunto. Esta é a refilmagem de um longa da década de 1940, O Homem Que Vendeu Sua Alma, baseada na peça de Archibald Macleish, mas o drama original foi adaptado para uma comédia pretensiosamente crítica e que por fim revelou-se desastrosa. As filmagens foram iniciadas em 2001, mas durante anos o material ficou engavetado aguardando verba para ser finalizado, ou seja, até que uma produtora abraçasse o projeto que acabou sendo lançado com seis anos de atraso. E olha que não era nenhuma superprodução em gestação, simplesmente uma comediazinha meia-boca cujo enredo cairia como uma luva para um telefilme qualquer. 


A readaptação ficou em cima do muro quanto ao gênero predominante e o excesso de roteiristas certamente atrapalhou o andamento das coisas. Peter Dexter, Nancy Cassaro e Bill Condon tentaram mostrar os dois lados da moeda da sorte, mas como se sabe cada cabeça é uma sentença e as ideias do trio não se encaixaram com perfeição. Sem dúvidas, O Julgamento do Diabo guarda o seu melhor para os minutos finais quando é realizado um julgamento literalmente do outro mundo e com direito a presença de figuras ilustres do mundo literário já falecidas como Truman Capote, Oscar Wilde e Mario Puzo. O embate entre acusação e defesa colocam em xeque as razões e consequências que levaram Bez a fechar o acordo diabólico e já é de se esperar uma lição de moral que certamente servirá de alerta para alguns espectadores. Não é um filme memorável, mas de qualquer forma garante um bom entretenimento cutucando a cultura da imbecilidade e da fama a qualquer preço.

Comédia - 102 min - 2007

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