Nota 6 Sem os personagens clássicos, longa tenta suprir deficiências com visual arrebatador
Embora existam cinéfilos de verdade que reverenciam produções antigas, sabemos que ótimas histórias já transformadas em filmes não chegarão ao conhecimento de novas gerações, a não ser por meio de refilmagens, continuações, prequels ou afins. Não bastasse o crime de algumas obras serem deturpadas por remakes desnecessários, agora virou moda que boas tramas tenham uma gênese, uma razão, um por quê de existir, mas que na verdade escamoteiam uma crise criativa do cinema que busca sobreviver requentando ideias já testadas. O clássico O Mágico de Oz, por exemplo, já caminha para quase um século separando a turma que o contemplou ainda na estreia e a galera que hoje festeja o cinema 3D e o streaming, serviços que não raramente oferecem produções cheias de firulas visuais e pouco conteúdo. Infelizmente é desse mal que sofre a aventura Oz - Mágico e Poderoso, a versão Disney para o best-seller escrito pelo inglês Lyman Frank Baum publicado em 1901. Ao todo foram treze livros narrando eventos envolvendo a Cidade das Esmeraldas e seus habitantes, mas os roteiristas Mitchell Kapner e David Lindsay-Abaire preferiram criar uma história inédita. Bem, quase isso. A obra original há tempos já é considerada como de domínio público, ou seja, pode ser adaptada sem a necessidade de pagamentos quanto a direitos autorais. No entanto, o mesmo não se pode dizer do conteúdo do longa lançado em 1939 e estrelado por Judy Garland.
A adaptação cinematográfica tomou certas liberdades que tornaram o roteiro propriedade da produtora Warner, assim a casa do Mickey Mouse teve que se contentar em fazer apenas referências ao antigo filme e bolar uma trama diferente para justificar uma nova visita às terras de Oz, no caso, eventos vivenciados antes do que foi apresentado na clássica versão do diretor Victor Fleming. Como forma de conectar as obras, assim como no original o prelúdio começa em preto e branco e com imagem reduzida como se fosse emoldurada. Estamos no início do século 20 e o jovem Oscar Diggs (James Franco), também chamado simplesmente de Oz, ganha a vida como ilusionista em um decadente circo itinerante, mas na verdade ele é um tremendo charlatão e conquistador barato. Certo dia, ele é flagrado flertando com uma moça comprometida e precisa sumir o mais rápido possível para não virar picadinho nas mãos do namorado valentão dela, assim ele não pensa duas vezes antes de entrar em um balão e decolar literalmente para onde o vento o levasse. Após um tornado, o rapaz vai parar no mundo de Oz, é quando o filme ganha uma paleta de cores saturadas revelando um visual extravagante, mas nada que nos distraia a ponto de não percebermos que o roteiro deixa a desejar no quesito diversão. É muito difícil se envolver com o conflito do protagonista que é recebido no reino mágico por Theodora (Mila Kunis), uma bela e educada jovem que lhe avisa sobre a profecia que alerta a respeito de um homem com o mesmo nome daquele lugar que apareceria para salvar as terras encantadas de uma ameaça.
O rei acabara de falecer e o poder de governar está sendo disputado entre duas mulheres, a perversa Evanora (Rachel Weisz) e a bondosa Glinda (Michelle Williams), esta por quem Diggs se apaixona à primeira vista causando uma grande decepção à moça que lhe deu boas-vindas. Uma das três donzelas mais adiante irá revelar sua faceta má transformando-se na Bruxa Malvada do Oeste e não é difícil descobrir quem será, isso porque as interpretações são unilaterais, não deixam dúvidas quanto ao caráter de cada uma delas. O mágico aceita a heroica missão tendo como companheiros o fiel macaco alado Finley e uma carismática bonequinha de porcelana, ambos concebidos por animação e respectivamente dublados no original por Zach Braff e Joey King. Mais que emprestar suas vozes, eles de certa forma interpretaram os personagens uma vez que foi adotada a tecnologia de captura de movimentos, assim as animações digitais foram concebidas de acordo com as expressões corporais e faciais dos atores que também aparecem em carne e osso na introdução. Espelhando situações de seus personagens animados, Braff faz o papel de assistente do mágico enquanto King interpreta uma garotinha usuária de cadeira de rodas que maravilhada com o show de ilusionismo implora a Diggs que a ajude a voltar a andar. Mesmo não sendo um mágico de verdade, a partir do momento que o rapaz passa a acreditar em seu potencial e habilidades, ele pode sim salvar o povo de Oz fazendo com que todos confiem em sua coragem e determinação. No final é a união de esperanças que salvará o reino.
Após o sucesso financeiro (mas não de crítica) de Malévola e Alice no País das Maravilhas, a Disney deu continuidade a onda de adaptações de clássicos infantis com pegada mais sombria, mas o diretor Sam Raimi não quis adotar um visual dark como nos longas citados. Usando e abusando de cores, ele se esforça para oferecer cenas deslumbrantes, mas mesmo com efeitos tridimensionais em algumas delas, diga-se de passagem, desnecessários em sua maioria, o resultado soa inverso, como se fosse um filme antigo. Em alguns momentos é perceptível o uso do chroma-key (cenários inseridos digitalmente em cenas pré-gravadas com os atores), o que não chega a ser um defeito, pelo contrário, até colabora com o tom de homenagem e nostalgia pretendido. O cineasta trabalhou nos limites da lei para associar seu trabalho ao clássico, tanto que advogados do estúdio acompanharam de perto a produção para evitar futuros processos judiciais. O elo é feito através de detalhes ou rápidas sequências pontuais, diferentemente do que a produtora havia feito em 1985 com o esquecido O Mundo Fantástico de Oz no qual a personagem Dorothy retorna ao reino mágico e reencontra seus amigos, transformando a obra em uma continuação íntima do clássico, embora bastante inferior.
Contudo, faz falta não ter a real veia artística de Raimi pulsando em cena. Tal qual aconteceu com Burton em seu passeio pelo País das Maravilhas, a Disney impôs seu estilo, assim temos chatíssimas lições de moral e a previsibilidade de que o protagonista malandro pouco a pouco deixará seu coração amolecer revelando ser de fato uma pessoa boa e merecedor da alcunha de herói. Franco se esforça para fazer de seu mágico um personagem carismático, mas esbarra no exagero ficando em cima do muro entre o canastrão e a figura de bom moço. Weisz e Kunis parecem desconfortáveis no reino mágico e demoram a encontrar o tom de suas criações, ficando latente o controle para não revelarem explicitamente um trunfo que no fundo não é surpresa alguma. Quem redime o elenco principal é Williams, perfeita como a moça cheia de doçura e bondade. Não a toa suas aparições iluminam a tela como raios de sol intensificados por sua pele alva e cabelos loiros. Em ritmo de videogame, com o herói vencendo um obstáculo atrás do outro a fim da consagração, Oz - Mágico e Poderoso consegue entreter, mas jamais encantar. Algo deu errado na concepção da ideia. Ao espectador resta acompanhar tudo com certo distanciamento. Falta emoção para equilibrar tanta magia.
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