Nota 4 Longa garante amedrontadora experiência, mas derrapa ao tentar solucionar seus mistérios
Para fazer um filme basta uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. O argumento até faz sentido, mas deveria ser acrescido que também é preciso ter uma boa estratégia de marketing a seu favor. O terror A Casa já tinha como diferencial o fato de ser uma produção do Uruguai, país de pouca produção cinematográfica, mas também contou com a publicidade de ser o primeiro filme do gênero filmado em um único plano-sequência. Isso quer dizer que a obra foi inteiramente filmada com a câmera ligada ininterruptamente, mas na verdade trucagens foram realizadas para oferecer a sensação de que nada escapou aos atentos olhos do diretor estreante Gustavo Hernández. A sensação do plano único é preservada boa parte do tempo graças ao envolvente clima de tensão crescente, mas quando o cineasta se lembra do detalhe que todo o filme precisa ter uma conclusão o encanto se esvai. A trama conta com apenas três personagens. A jovem Laura (Florencia Colucci) e Wilson (Gustavo Alonso), seu pai, foram contratados por Néstor (Abel Tripaldi) para fazerem a limpeza e a manutenção de uma velha e isolada casa de campo que será colocada à venda. Com janelas bloqueadas por tábuas e sem energia elétrica, pai e filha dependem de lampiões para enxergarem alguma coisa em meio a escuridão, mas nem terão tempo de começar os trabalhos.
Logo na primeira noite, estranhos barulhos vindos do segundo andar da residência despertam a curiosidade de Laura que resolve explorar os cômodos após o sumiço de seu pai, mas a cada passo que dá mais seu medo aumenta diante do desconhecido, um pesadelo que terá de enfrentar sozinha provavelmente até o dia clarear. O enredo é baseado em fatos reais ocorridos em meados da década de 1940, no interior do Uruguai, quando foram encontrados em uma casa de fazenda os corpos de dois homens brutalmente torturados. No local também existiam fotografias de forte impacto que ajudaram a polícia a solucionar o caso. A partir desta notícia, o próprio Hernández escreveu o roteiro e, munido de uma câmera digital emprestada, em apenas quatro dias filmou uma produção que possui certas características que a aproximam do estilo do elogiado terror espanhol Rec, mas sua repercussão foi bem menor e justificável. Seus problemas começam pela publicidade de ser uma obra pioneira por usar a gravação sem cortes, mesmo com o adendo de ser a primeira do gênero terror. Todavia, catalogar como um suspense seria mais correto ainda que, a julgar pelos caminhos que a história segue, a alcunha de projeto experimental venderia melhor a obra e ajudaria a encontrar seu verdadeiro público-alvo.
O burburinho em torno das cenas contínuas acaba revelando-se puro marketing, afinal se as filmagens duraram alguns dias é óbvio que houve interrupções. Para sustentar a afirmação, Hernández optou por trabalhar com sequências longas e foi bastante habilidoso e perspicaz para adicionar alguns poucos cortes sempre com muita discrição. Além da ambientação escura ajudar a esconder o momento em que a câmera foi desligada e quando a filmagem foi retomada, o cineasta trabalha com jogos de imagens focados em objetos, como espelhos ou mobília, para confundir o espectador. Como estamos acostumados que trucagens do tipo sempre são usadas para revelar alguma ameaça em um momento de distração dos personagens, é um pouco frustrante perceber que nada de anormal surge, mas ainda assim a respiração ofegante e o choro nervoso da protagonista mantém o nível de tensão nas alturas. É impressionante como Colucci, uma atriz estreante, consegue dominar as cenas com total desenvoltura e noção dos sentimentos que sua personagem experimenta, alternando medo, coragem e histeria, mas é uma pena que as coisas sigam ladeira abaixo a partir do momento em que Laura consegue uma rápida fuga da casa. Como manda a cartilha do gênero, uma das portas que antes parecia trancada a sete chaves magicamente se abre, a garota foge e se vê no meio do nada aparentemente perseguida por uma alma penada que avistamos rapidamente e a distância, mas logo Néstor surge para tentar socorrê-la. Detalhe, a escuridão da noite então já cede lugar à palidez de uma manhã nublada, mais um ponto a desmentir a tal história do único take.
Quando pai e filha voltam ao interior da casa e o diretor se vê na obrigação de preparar terreno para o desfecho, a sensação é que ele não sabia o que fazer. Sua intenção de realizar um experimento no campo do horror estava indo muito bem, mas a partir do momento que tenta dar explicações aos fenômenos acaba se enrolando e a trama segue um caminho que de certa forma invalida praticamente tudo o que vimos antes, mas nem por isso não nos deixa com um ponto de interrogação na mente. O grande diferencial desta obra é o fato da câmera não se preocupar tanto em mostrar a protagonista, mas sim o que ela está vendo ou percebendo guiada pela luz de seu lampião, objeto que assume quase a importância de um personagem. Com luz baixa, a iminência de perigo ganha proporções ampliadas e o espectador fica refém do que chama a atenção da garota, assim tememos o que pode estar escondido nos espaços que fogem ao enquadramento da câmera. Ficamos tão atrelados à personagem que quando surge um barulho ou sombra diferente nos sentimos impotentes em não poder ajudá-la, mas é certo que muito tempo é gasto com cenas desnecessárias, como o momento em que ela explora o segundo andar e começa a tirar os lençóis que cobriam alguns quadros com imagens que nada agregam à trama. A música incidental pode passar despercebida quando estamos envolvidos nesta atmosfera apavorante, mas também é de suma importância para a construção do clima que ainda conta com o velho truque dos flashes de fotografias para enganar o espectador quanto a algo inesperado que pode surgir a cada disparo de luz.
É mais do que provável que A Casa jamais chegará a ser uma obra tão famosa quanto Festim Diabólico, do mestre Alfred Hitchcock, obra que já tentava colocar em prática a filmagem sem cortes, mas para a sua época era ainda mais difícil e o cineasta também precisou recorrer a trucagens que davam a ilusão deste efeito. Todavia, apesar da fragilidade, o longa de Hernandèz deverá ser lembrado por suas qualidades técnicas e criatividade. Com orçamento modesto, mas muita vontade de trabalhar, o diretor foi esperto ao optar pelo campo de terror, gênero que não demanda muitos investimentos. É uma pena que comercialmente soluções técnicas caseiras não chamem a atenção tanto quanto a publicidade de um filme com efeitos tridimensionais, por exemplo, mas como experimento a produção tem seu valor, tanto que o longa foi exibido em vários festivais por todo o mundo. Hollywood, por sua vez, logo correu atrás dos direitos para fazer sua versão batizada de A Casa Silenciosa que não agrega nada ao que já havia sido feito.
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