domingo, 9 de maio de 2021

MINHA MÃE É UMA PEÇA 3

 

Nota 8 Último capítulo da franquia mostra evolução da protagonista diante de uma nova realidade


Dona Hermínia dispensa apresentações. Após protagonizar dois longas de sucesso, a personagem chegou a seu terceiro filme já com plateia cativa e seu idealizador e intérprete Paulo Gustavo elevado ao posto de um dos principais nomes do humor brasileiro de todos os tempos. Em Minha Mãe é Uma Peça 3 a falastrona dona de casa não tenta se reinventar. Simplesmente está em cena para fazer o que sabe de melhor: levar o público as gargalhadas e ao mesmo tempo emocionar causando empatia imediata, afinal quem nunca conheceu uma mulher como ela? Desbocada, estabanada, nada sutil, porém, cativante, divertida e puro coração. Muitos vão dizer que já viram uma mulher assim na rua, no mercado, tiveram uma vizinha idêntica, porém, é quase uma unanimidade que um pouco de Hermínia seja reconhecida em todas as mães. O terceiro capítulo da franquia começa com a protagonista recebendo duas notícias dos filhos que a deixam baratinada. Juliano (Rodrigo Pandolfo) irá se casar e Marcelina (Mariana Xavier) está grávida, o que normalmente seriam notícias bem digeridas, mas já sabemos do histórico dos pimpolhos. O rapaz é homossexual e a moça nunca teve juízo e engravidou de um namorado que mal conhece. As preocupações quanto ao futuro da dupla, digamos que seguindo por caminhos ainda tabus na sociedade, é o que norteia o roteiro.

Mais do que o receio de serem alvos da hipocrisia da sociedade, o que mais abala Hermínia é a crise existencial que vivencia. Ao ver seus filhos prontos a construir suas próprias famílias ela passa a sentir que não tem mais função em suas vidas ou, em outras palavras, não teria mais como controlá-los. Vetada de ajudar nos preparativos do casamento e da chegada do netinho, resta para ela a companhia da televisão e da empregada Valdéia (Samantha Schmutz), idas à feira e passeios turísticos com outras senhoras, além dos corriqueiros encontros e desencontros com o ex-marido Carlos Alberto (Herson Capri) que desta vez parece ensaiar uma reconciliação. Não importa o quanto seja sem graça o atual cotidiano da personagem, diga-se de passagem, já com um pé no grupo da terceira idade, Hermínia está sempre nos centros das atenções como nos longas anteriores. Os cônjuges dos filhos entram em cena apenas para justificar os eventos que desencadeiam os conflitos da protagonista. O sossegado Sol (Cadu Fávero) não aparenta ter muito a fazer durante a gestação de Marcelina enquanto Thiago (Lucas Cordeiro) vive com Juliano um dos relacionamentos mais frios já mostrados pelo cinema. Está certo que tentaram manter a censura longe da produção, mas ao menos abraços poderiam ser permitidos entre o casal gay, até porque os rapazes são responsáveis pelo momento mais tocante quando sobem ao altar e o filho de Hermínia assume de vez o papel de alter ego de Paulo. 


As irmãs da protagonista, Iesa (Alexandra Richter) e Lucia Helena (Patricya Travassos), obviamente estão de volta já que o longa evoca momentos de união familiar, não por acaso culminando em uma reunião de Natal. Todavia, elas de fato estão em cena somente como convidadas assim como Ana (Stella Maria Rodrigues), a sogra de Juliano, apesar do conflito que se estabelece pelo fato dela se encarregar dos preparativos para o casamento. Quem continua mandando no pedaço é Hermínia e ponto final! Ela não perde a oportunidade de lembrar que está velha, repete isso várias vezes, mas quer entender como o mundo de agora funciona e como se posicionar para não ser esquecida. Aos olhos do público, três filmes em menos de uma década não fizeram a personagem envelhecer, mas digamos que ela amadureceu. Sob a batuta da diretora Susana Garcia, o filme faz uma continuação eficiente dos longas anteriores expandindo o universo da protagonista, mas obedecendo certa lógica. Ela ainda mantém um padrão de vida muito melhor que o da produção original, porém, não tem mais seu programa de TV. Com tempo livre de sobra e ainda muita energia para gastar, apesar de reclamar das limitações que a idade começa a lhe impor, Hermínia finalmente parece ter aprendido a lidar com sua quase total independência de uma companhia masculina. Embora ainda troque farpas e tente provocar ciúmes no ex-marido, ela agora se dá ao luxo de participar de excursões, dançar na gafieira e até viajar para conhecer Hollywood na companhia da vizinha Lourdes (Malu Valle), trecho de boas piadas, mas talvez o mais descartável do conjunto, o que mais tem cara de esquete independente.

Com roteiro mais uma vez escrito pelo próprio Paulo em parceria com Fil Braz, mas desta vez com a colaboração também da diretora, é perceptível que este é o texto da franquia que flui melhor, com piadas rápidas e mantendo um bom ritmo, sem nenhum evento trágico como nos anteriores para quebrar a narrativa e forçar a emoção do público. As piadas certeiras que saem da boca ou são traduzidas pelas ações de Hermínia se encaixam com tanta naturalidade no contexto que lances nonsenses acabam passando despercebidos, como ela fazer do hall de entrada de seu prédio a sua sala de estar temporária. Com suas tiradas ácidas e sem paciência, Hermínia continua capaz de fazer humor em qualquer situação, mesmo internada num hospital. Até quando dispensada pelos filhos de momentos importantes de suas vidas, a personagem mantém certa comicidade mesmo com seus olhares e gestos denunciando frustração. Curioso que cada filme teve um diretor diferente, mas nem por isso houve mudança de tom. Dentro de um universo competentemente estabelecido no primeiro filme, as demais direções só vieram a aprimorá-lo acompanhando as mudanças naturais na vida das personagens. Seria até interessante ver o comportamento neurótico da vovó Hermínia ou se ela se resignaria no papel de sogra, visto que pouco acompanhamos dessas facetas. Infelizmente nunca mais teremos esse prazer.


Idealizado para ser o último filme da franquia, Minha Mãe é Uma Peça 3 se encerra em tom melancólico apesar de toda diversão oferecida. Antes dos créditos finais, Paulo homenageia seu pai, a madrasta, a irmã e obviamente a dona Déa Lúcia, sua mãe e grande inspiração para o projeto. O ator ainda faz uma declaração de amor ao marido Thales Bretas e exalta a felicidade de formarem uma família com seus pequenos filhos. Como uma despedida do universo de Hermínia, embora estivesse nos planos dar continuidade as suas peripécias em um seriado, agora vemos essas mensagens finais com outro sentido. Pouco depois do lançamento veio a pandemia do coronavirus e este então se tornou o longa derradeiro da curta carreira do astro da comédia. Acostumado a levar o público as gargalhadas, Paulo fez o Brasil chorar em maio de 2021 com sua morte prematura. Ele foi uma das milhares de vítima da Covid-19 e lutou por quase dois meses contra a doença que lhe trouxe severas complicações. Fica a saudades e a eterna lembrança imortalizada nesta franquia. Paulo fez outros filmes e participou de seriados de TV, mas passou longe de criar centenas de personagens como o mestre Chico Anísio, todavia, ganhou em qualidade e não na quantidade. Hermínia é um ícone da comédia, um fenômeno popular e para sempre sua imagem será associada a memórias de coisas boas, divertidas e carinhosas.

Comédia - 105 min - 2019

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Um comentário:

GustavoPeres99 disse...

Adoro os três longas do Paulo Gustavo, mais o 3 foi o melhor na minha opinião