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NOTA 10,0 Longa homenageia um verdadeiro entusiasta do cinema que não media esforços para viver da arte |
A cada novo filme que Wood rodava ele se superava criando cenas exóticas para os padrões das décadas de 1940 à 1960. Ele tentava criar sequências apavorantes usando cenários e efeitos especiais toscos e contava ainda com a ajuda de atores decadentes ou com talentos duvidosos como Vampira (Lisa Marie), uma apresentadora de filmes de terror na TV, e Tor Johson (George “The Animal” Steele), um pugilista. Em busca de patrocínio, era comum também que o cineasta aceitasse amigos e parentes dos investidores para ocupar papéis importantes e foi dessa forma que ele conheceu Kathy O´Hara (Patricia Arquette) que “comprou” seu primeiro papel em um filme em uma confusão de valores. Apesar da quantia mínima de dinheiro que recebeu, Wood lucrou muito conquistando o amor daquela que seria sua companheira para o resto da vida. Com tantos personagens bizarros e que realmente existiram em cena, Burton espertamente segurou seus habituais exageros optando por filmar de uma forma mais clássica e extremamente eficiente. Em meados dos anos 90, os efeitos especiais e para realçar o colorido das imagens já eram recursos usados a exaustão para chamar a atenção, assim um produto totalmente em preto e branco era um sopro de originalidade, além de casar bem com a época retratada e com o espírito das obras de Wood que praticamente dedicou sua carreira tentando fazer as platéias sentirem calafrios. Embora a introdução fique a cargo de um defunto e os créditos iniciais sejam embalados por uma trilha sonora tenebrosa (excepcional) enquanto lápides são exibidas em close com os nomes dos atores principais, medo nenhum afligirá o espectador. Contados em tom de fábula, os episódios tristes, curiosos e involuntariamente engraçados vividos pelos personagens eram realmente um prato cheio para Burton que sempre se interessou pelos personagens marginalizados, assim o que poderiam ser tipos estereotipados e vazios acabam se tornando figuras cativantes com as quais nos emocionamos a tal ponto de vivenciarmos a mesma sensação de fracasso que as acomete a quase todo momento, mas também vibramos com o entusiasmo que emanam quando estão fazendo o que mais gostam: trabalhar com a fantasia. As filmagens de Plano 9 do Espaço Sideral comprovam.
Wood sempre se mostrou um visionário e estava certo quando
decidia realizar seus sonhos a qualquer custo. Por mais trashs que suas
produções resultassem, o importante é que em cada uma delas a paixão pelo
cinema estava representada. Em certa cena, o cineasta diz que não importa se o
cenário deixa claro a precariedade do filme ou se de uma cena para a outra o
dia pode virar noite inexplicavelmente. O foco principal deveria ser sempre a
história. Tal pensamento contrasta com o que vivemos hoje em dia. O público não
procura mais saber pela sinopse qual a melhor opção em cartaz. A primeira coisa
a ser verificada é se a produção conta com efeitos 3D ou se está sendo exibida
em salas com telas gigantes e som ensurdecedor. Para alugar ou comprar as
coisas também não são diferentes. Os efeitos tridimensionais também são
cobrados e de preferência o produto deve estar disponível em blu-ray para tirar
o melhor do som e imagem de aparelhos de última geração. E a história do filme?
Ah, isso é o de menos. Talvez justamente por vivermos em uma Era em que a
tecnologia está tomando o lugar da emoção e cada vez mais extraviando o cérebro
dos espectadores seja tão agradável e construtivo assistir Ed Wood, uma deliciosa
viagem no tempo para uma época em que o público ainda tinha direito a sonhar e
criar em cima do que assistia. Todavia, é necessário fazer um comentário acerca
de um detalhe bem interessante do roteiro. Vicent D’Onofrio faz uma rápida
participação como o cultuado cineasta Orson Welles. Ele aparece em encontros
imaginados por Wood e quase no fim do filme declara também sua decepção diante
das recusas e imposições dos grandes estúdios que reprimiam a liberdade de
expressão e criação dos realizadores. Curiosamente, Cidadão Kane, até hoje
presente nas listas mais respeitáveis de melhores filmes de todos os tempos,
por pouco não se transformou em algo completamente diferente devido ao controle
excessivo de executivos e produtores, mas Welles se cercou de cuidados para
fazer sua obra-prima da maneira que bem entendesse. Por estas últimas palavras,
ao menos podemos perceber que o mercado cinematográfico evoluiu positivamente
em alguns aspectos. Burton também podia ser um profissional frustrado, mas
desde o início da carreira imprimiu seu estilo e driblou os mandos e desmandos
de chefões, chegando a bater de frente até mesmo com o império Disney.
Conseguindo a façanha de realizar um projeto declaradamente de âmbito pessoal e
quase uma auto-homenagem, Burton aqui propaga mais uma vez o amor pelo cinema
que Wood certa época também demonstrou e este, com certeza, deve aplaudi-lo
onde quer que esteja mesmo tantos anos após o lançamento do longa.
Vencedor do Oscar de ator coadjuvante (Martin Landau) e maquiagem
Drama - 127 min -1994
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