terça-feira, 30 de novembro de 2021

MULHERES PERFEITAS


Nota 7 Proposta de suspense transformada em comédia perde consideravelmente seu teor crítico


É possível uma ideia que foi concebida para um gênero ser transformada para outro completamente oposto? Bem, um romance virar um drama ou vice-versa ou um policial ganhar doses de adrenalina e passar a ocupar uma vaga na categoria de ação dá certo, mas o que dizer de um suspense modificado para ser uma comédia? A tentativa do diretor Frank Oz mostra que não dá certo ou ao menos foi isso que os lucros e a repercussão de Mulheres Perfeitas acusaram. Muita gente torceu o nariz para a adaptação cômica do filme Esposas em Conflito, um suspense com toques futuristas datado da década de 1970. Inédita nos cinemas brasileiros, a produção foi muito mal relançada para aproveitar a onda do remake, uma pena visto que é uma raridade a qual pouca gente assistiu quando o título servia como tapa buraco na TV nas madrugadas. O intuito da antiga obra era discutir como os homens estavam encarando as conquistas das mulheres em um período de grandes transformações e fazer uma reflexão sobre como uma ação egoísta e ideologicamente retrógrada poderia acabar virando um pesadelo. A premissa é das mais interessantes e seria um prato cheio para cineastas criativos. Tim Burton estava cotado para dirigir a adaptação cômica, mas desistiu. Seu apreço pelo excêntrico certamente elevaria a qualidade da produção.

A premissa básica extraída do livro de Ira Levin, "As Esposas de Stepford", foi mantida, mas muitos elementos foram adicionados para deixar o projeto mais comercial e provocar um humor de fácil identificação, cheio de gags visuais e personagens estereotipados. Joanna Eberhart (Nicole Kidman) é uma mulher que conseguiu uma ascensão meteórica no mundo do entretenimento produzindo realities shows, porém, sua última criação não agradou, gerou muita confusão e ela acabou sendo demitida da emissora a qual se dedicou durante anos. Seu prestativo marido, o pacato Walter Kresby (Matthew Broderick), então tenta ser solidário ao máximo e pede demissão do cargo de vice-presidência da mesma empresa (pasmem!). O casal protagonista visualmente já denota uma certa relação de submissão. A produtora demonstra determinação e altivez não só por sua altura avantajada, mas também em suas vestes predominantemente escuras,  corte de cabelo rebelde e até em seu vocabulário um tanto desbocado. Já o marido é mais baixo e parece um tanto franzino, acentuando seu espírito bonachão através de suas roupas simplórias e feições inocentes. Fica no ar que seu cargo de chefia na emissora foi conquistado às custas do prestígio da esposa, assim não faria mesmo sentido ele continuar o ocupando. Sendo assim, nada melhor que uma mudança de endereço para recomeçar a vida.


O casal se muda com os filhos para Stepford, um condomínio que praticamente é uma cidadezinha dos sonhos e que aparentemente parou no tempo. Tudo por lá é lindo e perfeito assim como o ideal de vida que as famílias americanas buscavam expor na década de 1950. Das casas que dispensam muros para expor bem cuidados jardins a festas que reúnem toda a vizinhança, o que chama muito atenção é que em  pleno século 21 as mulheres que lá residem vestem roupas engomadas e não tem profissões, mostrando total contentamento ao executarem tarefas domésticas e participarem de reuniões pautadas por assuntos triviais como artesanato e dicas de beleza, embora isso não impeça o homossexual Roger (Roger Bart) de se sentir extremamente a vontade entre as senhoras. Joanna até se esforça para tentar ser como as demais damas do vilarejo a fim de agradar o marido, mas logo ela passa a desconfiar que exista algo de errado dentro do microcosmo administrado por Claire (Glenn Close) e Mike Wellington (Christopher Walken), uma espécie de casal anfitrião. Com a ajuda de sua amiga Bobby (Bette Midler), uma escritora despachada que também não concorda com o estilo de vida stepfordiano, a ex-executiva irá investigar e descobrir a fórmula para tanta perfeição na cidade. Tal qual antigamente as famílias viviam uma felicidade de fachada em prol da manutenção da famigerada beleza americana, Stepford revela-se uma utopia, uma armação muito bem manipulada para resgatar tempos dourados.

Resumidamente, o enredo até que funciona em tese para uma comédia, mas para que tem conhecimento das raízes do projeto fica um gosto amargo de decepção. Esposas em Conflito, assim como o livro no qual foi baseado, flerta com o surreal e o terror ao narrar uma bem bolada história que no fundo é até contraditória. Com medo de perderem a posição de superioridade, os homens que compactuam com as regras de Stepford desejam um retrocesso comportamental ao mesmo que tempo que apelam aos avanços tecnológicos para conseguirem domar suas esposas antes que sejam seduzidas por conceitos feministas. Oz, o mesmo que dirigiu a divertida versão original e britânica de Morte no Funeral, que depois também ganhou uma refilmagem rala em solo americano, tentou fazer com que a ideia do livro de Levin penetrasse entre as mais diversas plateias, mas o projeto com caráter extremamente comercial não fez sucesso, mesmo com um elenco repleto de nomes famosos. Todavia, não sendo extremamente crítico, é possível sim dar algumas boas risadas com a trama que logo nos créditos iniciais já deixa explícita sua proposta. Vídeos em preto e branco com imagens de mulheres sorridentes realizando tarefas domésticas e exibindo com orgulho seus eletrodomésticos de último tipo dão a tônica do que está por vir. A emblemática cena das donzelas sorridentes e impecavelmente vestidas e maquiadas circulando pelos corredores de um supermercado resume bem a proposta crítica do enredo.


Uma pena que toda a intriga envolvendo o perfeccionismo das mulheres de Stepford seja enterrada numa cena em que a personagem Bobby deixa bem explícito o segredo que mantém o pitoresco vilarejo. É aí que o filme perde a graça tentando convencer o espectador a respeito do mecanismo (literalmente) que atrai homens frustrados em busca de neutralizar ou até mesmo anular suas companheiras que ficam restritas a cuidar da casa e filhos e satisfazerem sexualmente seus maridos. Entretanto, o elenco masculino mostra-se de fato inferior, inclusive Broderick que com seu rosto juvenil não convence como chefe de família e tampouco como par romântico da estonteante Kidman, esta que tem seus bons momentos, mas não empolga. Já a veterana Close diverte com sua empolgação em manter suas amigas entretidas com ensaios de coral e ginásticas sem dispor de figurinos rebuscados, ainda que o papel não faça muito jus a seu talento, mas os momentos mais cômicos ficam com Bart, mesmo baseando-se no estereótipo do gay afetado e deslumbrado, e das piadas provocantes e debochadas que partem de Midler. Apesar dos furos sem respostas ou com explicações pouco convincentes, como as dadas para compreendermos como a Joanna durona e de cabelos curtos e escuros foi transformada numa submissa de cabeleira loira e dona de casa exemplar, ou até mesmo situações que escancaram qual é o segredo do enredo, Mulheres Perfeitas não é um desastre total, porém, de qualquer forma, ficamos na esperança de que o real conteúdo do livro ainda possa ganhar uma nova e mais fiel adaptação.

Comédia - 92 min - 2004 

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Um comentário:

Luís disse...

Acho o filme meio ruim, mas confesso que eu me divirto bastante com ele.