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NOTA 9,0 Adaptação de clássico americano natalino aborda solidão e intolerância de forma a agradar crianças e adultos e ainda critica o comercialismo da época |
O Brasil ao longo dos anos até criou algumas tradições
natalinas no campo da culinária e quanto as formas de se presentear e até mesmo
comemorar, mas quanto a decoração não há como fugir das influências vindas do
exterior, principalmente dos EUA. Papai Noel, duendes, renas, trenós, floquinhos
de neve, meias decorativas dependuradas, enfim nada tem a ver com nosso clima
tropical. No entanto, quando se tenta fugir dos enfeites tradicionais o Natal
não é o mesmo, principalmente quando se tem ou vai receber crianças em casa,
uma excelente desculpa para adultos voltarem à infância. Geralmente montamos
uma árvore bem enfeitada e iluminada e espalhamos alguns enfeites pela casa,
principalmente na sala, mas quem nunca imaginou ter toda a residência preparada
para as festividades? Melhor ainda, viver o clima natalino absolutamente todos
os dias do ano! Nesses aspectos, O Grinch é seguramente a realização dos sonhos
de muitos com um visual de encher os olhos e até mesmo emocionar. Embora sua mensagem
de amor e solidariedade seja preservada como todo bom filme de Natal que se
preze, esta produção é acima da média por sua criatividade e sarcasmo, afinal
por trás de todo seu colorido está a amarga realidade de que o festejo perdeu
sua essência religiosa e se tornou puro comércio e interesse material. O enredo
é baseado no livro "Como o Grinch Roubou o Natal", de Theodore Seuss
Geisel, ou simplesmente o famoso Dr. Seuss. Lançada na década de 1950, a
publicação logo se tornou um clássico entre as crianças norte-americanas, mas
aos poucos sua fama rompeu fronteiras e passou a ser conhecida mundialmente,
inclusive por conta de um antigo desenho animado feito para a TV. Toda a ação acontece
dentro de um microscópico floco de neve onde fica o reino de Quemlândia, um
lugar tomado pelo clima de festejos natalinos todos os dias do ano. Todos tem
verdadeira adoração pela época do ano prolongada, menos a garotinha Cindy Lou (Taylor
Momsen) que passa a questionar qual o verdadeiro sentido das coisas,
principalmente compreender o fascínio que Papai Noel e tudo que possa lembrá-lo
exerce sobre os outros Quem (como são chamados os habitantes da terra mágica).
Se todos falam em confraternização e união, intriga muito a
garotinha o fato de um único Quem viver afastado nas montanhas geladas e até
mesmo seu nome ser evitado. Ela então passa a investigar sobre o Grinch (Jim
Carrey), uma criatura de aspecto medonho, toda verde e peluda, mal-humorada,
que sobrevive dos restos de lixo e estranhamente dotada de um coração duas
vezes menor que o de qualquer pessoa normal. Não a toa ele detesta o Natal e
faz de tudo para atrapalhar os festejos, no entanto, ele tem razões bem mais
plausíveis para ser o do contra, constrangimentos que viveu na infância, embora
desde bebezinho já apresentasse atitudes que denunciavam seu caráter rebelde.
Se antes seu prazer era apenas zombar das tradições natalinas e assustar quem
ousasse pisar em seu território, certa vez ele decidiu ir longe demais. Na
verdade, instigado por Cindy que tem a coragem de ir até sua morada para fazer
algumas perguntas, Grinch decide encarar seus medos e assumir seu lugar de
direito na sociedade, mas se depara com pessoas tão preconceituosas quanto as
que conheceu ainda criança e resolve se vingar roubando presentes, árvores,
enfeites e até a comida das ceias. Por alto, o enredo parece estritamente
infantil, mas ao conteúdo do livro foram acrescentadas algumas situações de
humor adulto e referências a alguns clichês do próprio cinema, ideias do
roteirista Jeffery Price, também autor do texto de Uma Cilada Para Roger
Rabbitt que já elevava o gênero do filme-família a um outro patamar. Claro que
o protagonista também ajudou a escrever o texto, ou ao menos é essa a impressão
que fica. Embora tenha embolsado um polpudo cachê, Carrey deixou a vaidade de
lado e fantasiado dos pés à cabeça , não aparecendo nem mesmo o branco de seus
olhos substituídos por lentes amareladas, parece ter tido liberdade para
improvisar do início ao fim usando e abusando de expressões corporais e faciais
lembrando os bons tempos de O Máskara. Diariamente, enquanto passava três horas
para a caracterização (recompensada com o Oscar da categoria), o comediante
aproveitava o tempo para bolar novas gags visuais e diálogos, chegando ao set
de filmagens com a corda toda para fazer seu show. Com uma interpretação
completamente teatralizada, seus habituais excessos tão condenáveis em outros
trabalhos aqui caem como uma luva ao estilo debochado do monstrengo, ou melhor,
do Quem diferente, afinal está claro que a mensagem principal do longa é que
nunca se deve julgar pelas aparências e que todos merecem respeito e
consideração.
O diretor Ron Howard vinha de um fracasso de público, Ed TV,
uma crítica aos reality shows e às celebridades instantâneas, mas com O Grinch fez
as pazes com o sucesso se tornando em poucas semanas uma das cinco maiores
bilheterias americanas do ano de seu lançamento. Com um polpudo orçamento em
mãos, o cineasta orquestrou uma produção equilibrada para agradar a todas as
idades e caprichou na direção de arte, figurinos e maquiagens para transportar
para as telonas uma cidade que transpira magia e habitada por criaturas que
apesar da estranheza visual e comportamental reproduzem características e
estereótipos humanos. Temos o personagem invejoso, o preconceituoso, a
sedutora, o bom pai, a menina curiosa... E é claro o protagonista que
representa o isolado e amargurado, aquela pessoa que nutre ódio por desejar e
não conseguir ser aceito pela sociedade. Pela crítica social e visual
multicolorido e criativo, a fita poderia ser facilmente confundida com um filme
do diretor Tim Burton que, diga-se de passagem, assinou O Estranho Mundo de
Jack, animação que misturava o Halloween com os festejos de Natal. A adaptação
da linguagem do livro, repleto de rimas e com cada passagem correspondendo a
uma estrofe de um poema, foi um desafio à parte. Linhas com pouco mais de dez
palavras no original foram transformadas em cenas de grande impacto visual e
criatividade narrativa. Os bastidores também foram complicados, ao menos quanto
a aquisição dos direitos autorais. Desde sua criação, a história do Grinch é
alvo dos estúdio de Hollywood, mas Seuss considerava impossível realizar a
transposição do papel para celulóide de seus personagens com fidelidade. Além
do visual do protagonista, quase um gorila customizado, os demais Quem tem um
visual estranho misturando formas humanas com as de animais, tendo como
principal característica os narizes longos e afinados. Com a morte do autor em
1991, a viúva achou que era hora das obras do marido ganharem as telas
aproveitando-se dos novos recursos tecnológicos, mas mesmo assim foi preciso
quase uma década para o conto natalino virar filme por conta dos herdeiros
perpetuarem a resistência do pai. Não seria exagero dizer que o pontapé inicial
para a produção foi dado pelo próprio Carrey que visitou pessoalmente a madame
Seuss e por um acaso do destino acabou lhe apresentando uma interpretação
intuitiva do que seria o personagem. Outros atores foram testados para o papel
e com caracterizações alternativas, mas não tinha jeito. O astro da comédia era
o único Grinch possível e não estranhe se ao final achar a criatura bem mais
interessante que o próprio Papai Noel.
Vencedor do Oscar de maquiagem
Comédia - 104 min - 2000
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