quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O PEQUENO NARIGUDO


Nota 8 Desenho russo resgata a simplicidade dos contos clássicos e da animação tradicional


Fundo do mar recriado com perfeição, brinquedos e robôs que agem como humanos, roedores com talento para a cozinha e até um ogro fazendo as vezes de mocinho das histórias. O campo da animação evoluiu muito nos últimos anos tanto em termos visuais quanto narrativos. Visando agradar crianças e adultos, os estúdios cada vez mais passaram a investir em animações com personagens e situações que flertam com o realismo, sendo possível sentir os pelos do corpo de um monstrinho ou até mesmo se imaginar pilotando um carro de corrida em alta velocidade durante uma competição. Em meio a tantos atrativos mais antenados com a era tecnológica do século 21, ainda existe espaço para contos clássicos e animação tradicional? Bem, se um produto do tipo é oferecido pela Disney, por exemplo, é quase certo que a recusa será inevitável, mas quando tais produções vêm carimbadas com passaportes de países que não os EUA a aceitação pode ser mais fácil, o fator novidade ou raridade influenciam na receptividade. É uma pena que O Pequeno Narigudo não caiu nem mesmo no gosto do público adepto de obras alternativas. 

O enredo é bastante tradicional. Em meados da Era Medieval, uma bruxa planeja conquistar o mundo, mas para tanto precisa da ajuda do garoto Jacob. Ele, filho de um humilde sapateiro, se recusa a ajudá-la quando ela surge em seu caminho. Irritada, a feiticeira lança uma maldição sobre o garoto transformando-o em um rapaz corcunda, feio e com um enorme nariz, além de deixá-lo preso em seu castelo por sete anos. Quando finalmente consegue sair da clausura, Jacob retorna à sua casa, mas descobre que a vida que tinha mudou drasticamente. Seu pai morrera de tristeza e sua mãe não o reconhecia mais. Sua existência volta a fazer sentido no dia em que ele salva um ganso e descobre que na verdade ajudou uma garota que também foi enfeitiçada. Ela é a Princesa Greta que foi sequestrada pela bruxa no momento em que fora flagrada roubando o segredo de uma poção mágica do castelo do rei. Eles então se unem para desfazer os feitiços que os afligem e dar um jeito de barrar os planos da feiticeira.


Após 40 anos sem investir em animações, a Rússia voltava a focar suas atenções no público infantil lançando em circuito comercial este simpático desenho que bebe na fonte de um singelo conto infantil alemão, "Nariz Anão", de autoria de Wilhelm Hauff e datado do ano de 1826. A história é bem simples e usa uma fórmula já manjada dos contos infantis: a de seres encantados que precisam correr contra o tempo para se livrarem de alguma maldição e consequentemente do vilão que os enfeitiçou. Mesmo com o final feliz garantido, a graça em acompanhar uma história do tipo está na maneira de como a narrar e aproveitar os personagens, incluindo os secundários, como o comparsa da bruxa que ao invés de assustar faz as vezes de bobo da corte, um personagem um tanto clichê, mas ainda funcional. Os destemidos protagonistas também cativam pela ternura e a bonita amizade que surge entres eles enquanto o perfil maquiavélico da feiticeira poderia ser mais bem explorado e ter mais tempo em cena.

Se a Disney, outrora a grande fábrica de adaptações animadas de contos de fadas, na época não queria mais usar esse tipo de material o caminho então estava livre para outras produtoras espalhadas pelo mundo aproveitarem para adaptar histórias clássicas e assim suprir as necessidades do mercado, mesmo que fosse para consumo apenas doméstico, sem passar pelos cinemas. Infelizmente esse tipo de trabalho acaba não ganhando a devida atenção de investidores e distribuidores e assim o filme do diretor Ilya Maximov acabou sendo exibido no Brasil em um tradicional festival de animações e depois lançado discretamente em homevideo. Claro que o estilo simplório dos traços do desenho e o roteiro ingênuo escrito por Alexander Boyarsky não teriam chances de competir de igual para igual com trabalhos de produtoras como a Pixar ou Dreamworks, por exemplo, mas faz bem assistir algo do tipo para relaxar do bombardeio de cores, piadas, citações e seres hiperativos que recheiam as animações atuais computadorizadas. 


O Pequeno Narigudo segue a tradição do estilo daquelas tantas fitas de pequenas distribuidoras que enchiam as prateleiras das locadoras e que brigavam por seu espaço com outros mega lançamentos, mas para ver sem grandes pretensões pode se tornar uma excelente opção. As crianças devem se divertir, as menores gostarem ainda mais por causa da semelhança da narrativa com textos clássicos de outras animações, e os pais, se forem persistentes, podem curtir o clima nostálgico do longa que conta com o diferencial de ser oferecido um pequeno contato com a cultura pouco difundida de um país diferente, algo que sem dúvida enriquece a obra. Mesmo previsível e ingênuo, como toda boa fábula deve ser, é bom saber que existe um mercado de animação ativo em todos os cantos do mundo, ainda que ele seja tímido, mas com um grande potencial de expansão.

Animação - 82 min - 2003 

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