quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

SIMPLES COMO AMAR


Nota 7 Drama aborda deficiência mental de modo mais realista, mas não totalmente livre de clichês


Abordar a temática da deficiência mental não é uma tarefa fácil. Se a proposta é fazer um drama, o lugar comum é cair no dramalhão que leva o público rapidamente a lacrimejar. Se a ideia é fazer humor, o caminho mais simples, porém, um tanto desonesto e preconceituoso, geralmente é colocar tais pessoas em situações ridículas e falando abobrinhas a todo instante. O diretor e roteirista Garry Marshall, famoso por Uma Linda Mulher, quis agregar romance, drama e humor em uma mesma obra, mas com o desafio de ter como protagonista uma deficiente mental que fugisse da caricatura e tocasse o emocional do público. Injustamente, Simples Como Amar foi pouco visto e não agradou a crítica, mas é preciso ressaltar que ele atinge com perfeição seu objetivo: mostrar que uma pessoa aparentemente dependente dos outros pode e deve ser incentivada a levar uma vida normal como a de qualquer outro indivíduo. A mensagem é um estímulo para trabalharmos a tolerância quanto as diferenças e minorias e até mesmo para pensarmos duas vezes antes de reclamarmos por problemas supérfluos.
 
Carla Tate (Juliette Lewis), após passar alguns anos em uma escola especial, é considerada apta a voltar para casa de seus pais em São Francisco. Apesar de ser intelectualmente limitada, a jovem está cheia de planos para essa nova etapa de sua vida. Planeja morar sozinha, fazer um curso em uma escola normal e também se libertar da constante vigilância da mãe, Elizabeth (Diane Keaton), que a cobre de mimos de forma sufocante. Ela quer que a garota se enquadre ao padrão de vida da família, diga-se de passagem, um tanto requintado, mas encobrindo uma série de conflitos cotidianos. O desejo de ter vida própria aumenta quando a moça conhece Danny McMann (Giovanni Ribisi), um jovem que sofre com problemas mentais semelhantes, mas trabalha e mora sozinho. A situação em comum acaba os aproximando e eles passam a namorar, para desespero da super protetora Elizabeth. Já Radley (Tom Skerritt), o pai de Carla, vê com bons olhos a situação e a chance de sua filha provar que pode sim ter uma vida normal, assim incentivando-a e se colocando contra os ideais da esposa.


Todos as pessoas são diferentes uma das outras e procuram se completar nas relações que estabelecem. Carla e McMann não são exceções e, mais que compartilhar gostos em comum, encontram o equilíbrio entre a alegria de viver dela e a melancolia do rapaz. Lewis ganhava aqui o seu primeiro papel em cinema após um período de recesso para se tratar da dependência química, mas se mostra um pouco exagerada em alguns momentos, ao contrário de seu companheiro de cena. Ribisi se destaca mesmo com uma interpretação mais contida e eficiente, ao passo que a veterana Keaton mais uma vez se repete no papel da mulher tagarela e que quer comandar a vida de todos a sua volta. A mãe se martiriza por ter afastado a filha por tanto tempo do convívio familiar, talvez até para evitar comentários maldosos ao clã, mas agora insiste em adequá-la às convenções da alta sociedade. Tentando histericamente proteger Carla dos males do mundo, a personagem torna-se uma presença insuportável não só para a garota, mas também para o espectador. Sua compulsão é tamanha que Elizabeth até se esquece que tem outras filhas, todas sempre prontas para defender a irmã contra a rigidez da matriarca.

Inspirado em fatos reais, a pieguice habitual é substituída por generosas doses de humor sutil e romantismo que resultam em um longa açucarado que deve agradar ao público feminino e aos adeptos de obras mais sensíveis e que tratam de relações humanas. Certamente, apesar de algumas dificuldades serem mostradas, a vida em conjunto de dois deficientes é mostrada de forma superficial e romantizada, mas não estraga o filme já que a proposta é realmente apresentar uma história de amor leve entre duas pessoas comumente excluídas da sociedade. Eles entram em uma jornada de autoconhecimento e tentam resolver seus problemas sozinhos. Para a protagonista, mostrar para a família que é independente vira um objetivo de vida, mas justamente das pessoas que ela deveria receber auxílio a moça sente que só tem críticas e poderia ser um fardo. O título original, "A Outra Irmã", remete mais a essa ideia de se sentir rejeitada ou isolada. O nacional também é bonito e eficiente, mas muito genérico o que também acaba colaborando para a minguada fama que o longa alimenta desde seu lançamento. 


Quanto ao roteiro, escrito em parceria do diretor com Alexandra Rose, Blair Richwood e Bob Brunner, merece destaque por excelentes passagens e oferecer uma boa noção ao espectador das dificuldades que os deficientes encontram para conviver com os familiares, a sociedade e até mesmo sozinhos, mas carrega um pouco ao explorar muito o assunto sexo. São constantes as dúvidas e vontades que o casal de deficientes expõe, o que acaba se tornando repetitivo e pode gerar interpretações erradas, embora falar livremente sobre o assunto seja uma característica da doença, afinal eles não têm discernimento por completo do que é certo ou errado, livre ou proibido. Pode-se dizer que Simples Como Amar é puro clichê, mas um daqueles que são irresistíveis e emocionantes e que leva o espectador a refletir um pouco. Mais que abordar o autismo, o filme trata de questões corriqueiras na vida de qualquer ser humano, como preconceito, dificuldades nas relações entre pais e filhos, superproteção da família, de sexualidade, de diferenças... Somos sim todos diferentes e a singularidade de cada indivíduo é que o torna especial.

Drama - 129 min - 1999 

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3 comentários:

renatocinema disse...

Nada como um site que nos de opções e conhecimento.

Não sabia sobre a ideia do filme. Me atraiu.

marcosp disse...

esse filme é tão fofo, a maioria de nós pensamos que as pessoas deficientes não sentem desejo sexual, mas sentem sim e de maneiras diversas, esse filme quebra esse tabu e a gente fica torcendo pelo casal... vale a pena assistir...

Gilberto Carlos disse...

Adoro Juliette Lewis, bem como este filme triste que vi quando passou no SBT...