terça-feira, 2 de novembro de 2021

OS OUTROS


Nota 10 Obra recicla clichês e conquista atenção com trama e ambientação envolventes e intrigantes


Um casarão localizado em uma região afastada onde seja dia ou noite a melancolia impera, uma névoa intensa trata de deixar o ambiente ainda mais angustiante e os sons provenientes do vento se chocando contra árvores e janelas podem deixar qualquer um com arrepios na espinha. Esses são velhos clichês dos filmes de terror, porém, quando bem utilizados podem ainda funcionar perfeitamente ou até mesmo superar expectativas. É em uma ambientação assustadora dessas que o diretor Alejandro Amenábar realizou Os Outros, uma das melhores produções de suspense ou horror do início do século 21. Se explicitar o que causa medo já não tem mais efeito, porque não tentar o contrário? Assim o cineasta e roteirista chileno fez muita gente roer as unhas apostando em ruídos, silêncios perturbadores, fatos inexplicáveis e no mais velho truque para causar temor: o escuro.  Às vezes uma sinopse batida rende muito mais que um enredo mirabolante. Eis a prova. A trama se passa na remota Ilha de Jersey, logo após a Segunda Guerra Mundial, onde Grace (Nicole Kidman), uma mulher religiosa e assustada com tudo o que aconteceu no período do conflito, vive em uma grande e isolada mansão junto com seus pequenos filhos, Anne (Alakina Mann) e o caçula Nicholas (James Bentley). Os três sonham com o dia em que Charles (Christopher Eccleston), o chefe da família, retornará da guerra. 

Mãe e filhos levam uma vida monótona e triste presos dentro de casa. A sensação de desolação é ainda maior porque a maioria dos ambientes da mansão está sempre com as janelas tapadas por cortinas escuras e apenas a luz de velas é utilizada. As crianças sofrem de uma rara doença e não podem ser expostas à luz solar, assim eles não tem amigos e são educados rigidamente por Grace dentro de casa, esta que dá ênfase ao conteúdo cristão em suas aulas. A rotina do trio irá mudar completamente com a inesperada chegada de novos serviçais. Bertha (Fionnula Flanagan), Sr. Turttle (Eric Sykes) e a jovem muda Lydia (Elaine Cassidy) parecem conhecer perfeitamente a casa e seus serviços agradam a proprietária, todavia, desde o primeiro dia em que os empregados colocam os pés naquele lugar muitas coisas estranhas passam a acontecer e colocam a vida das crianças em risco. Seguem-se então ruídos, portas que se abrem e fecham sozinhas, sons de passos e conversas e assim Grace começa a investigar qual a relação dos seus subordinados com os estranhos acontecimentos. Na conclusão, nos deparamos com uma inversão de valores. Sem esmiuçar demais, digamos que o que comumente consideramos causadores de pânico neste caso é a vítima da situação. 


Obviamente, hoje em dia a conclusão acachapante do longa já é de domínio público, mas mesmo assim não estraga o prazer de acompanhar a um excelente filme de terror à moda antiga. Também há muitas pessoas que ainda resistem a assistir ao menos uma vez por puro medo. Seja inédito ou repeteco, é certo que sempre vale a pena conferir este trabalho que consegue mesmo com cenários e elenco enxutos resultados impressionantes. Além de atuações perfeitas e de um roteiro que não subestima a inteligência do espectador, outro grande trunfo que Amenábar conseguiu foi criar uma atmosfera única e envolvente. É praticamente impossível não se sentir fazendo parte da história e viver intensamente as mesmas emoções e dúvidas dos personagens. Se o roteiro é bom isso já é o suficiente para captar nossa atenção e nos guiar por outros caminhos, mas esta produção vai além. Dá vontade de assistir várias vezes apenas para apreciar cada detalhe da residência ornamentada com objetos típicos do início do século 20 e cores escuras para acentuar o clima de tristeza e mistério do local. Poucas produções conseguiram captar a essência de uma casa mal assombrada com tanta veracidade e requinte. 

Amenábar também não deixa a peteca cair quando o assunto é a condução da trama e a direção dos atores. Claro que para muitos a premissa deste título não apresenta nenhuma novidade e até aponte para um final previsível, mas o interessante é observar como o cineasta orquestra seu suspense. O clima único que ele consegue estabelecer é de deixar qualquer um de olhos arregalados e com a aflição de que a qualquer momento algo inesperado poderá surgir, assim quando chegamos ao ápice da narrativa o que parecia óbvio ganha contornos de surpresa. O que também difere esta produção de tantas outras semelhantes é que o espectador não se encontra em meio a uma montanha russa de sustos gratuitos. O enredo é desenvolvido cuidadosamente dosando bem as sequências de arrepiar com outras cujos diálogos são essenciais para compreendermos o conjunto. Com auxílio da fotografia e edição minuciosamente trabalhados, a preocupação do cienasta é envolver ao máximo quem assiste de modo que seja possível sentir calafrios a cada nova sequência, mesmo que elas não tenham o objetivo de assustar. Merece atenção uma das raras passagens em ambiente com iluminação mais presente. É quando Grace descobre um sótão repleto de quinquilharias dos antigos moradores. Sem fazer estardalhaços, a cena aparentemente tranquila reserva dois sutis sustos de gelar a alma. É ver pra crer. 


Kidman na época vivia o esplendor de sua carreira. No mesmo ano em que colhia elogios por sua atuação no musical Moulin Rouge também dividia a opinião dos críticos que não sabiam em qual dos dois longas ela estava melhor. Neste suspense ela tem uma interpretação contida inicialmente, mas pouco a pouco as dúvidas e medos de sua personagem criam identificação com o espectador, seja pela fé posta a prova, o instinto de proteger a família ou as dificuldades para esconder seu próprio pânico. O restante do elenco também desempenha seus papeis de modo exemplar, merecendo destaque as crianças, mas principalmente a atuação da veterana Flanagan que consegue do início ao fim guardar o grande segredo da história. Seu tom comedido de falar e agir deixa o espectador na dúvida sobre o caráter da personagem, mas ainda assim enxergamos nela uma bondosa senhora, um trabalho apontado como digno de prêmios, algo que não se concretizou. Aliás, o Oscar ignorou completamente a produção não conferindo nem ao menos indicações pela excepcional parte técnica. Os Outros é um daqueles filmes que lidam com o sobrenatural que dificilmente encontram substitutos. Tinha tudo para ser apenas mais um trabalho banal sobre uma casa mal assombrada, mas consegue marcar a memória do espectador e instigá-lo a rever a obra várias vezes na busca de pontos-chaves para uma melhor compreensão.

Suspense - 101 min - 2001 

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2 comentários:

marcosp disse...

bom pra começo de conversa, tem a presença de Nicole Kidman, o filme é bom, msm se o roteiro for fraco, ela com sua beleza e atuação, torna o filme assistível, mas neste Os Outros, tudo é perfeito... e o final revelador, e podemos dizer que é até
verossímil... recomendo!

GustavoPeres99 disse...

Acabei de assistir esse filme e adorei a história, o clima de inverno, a casa e o final surpreendente muito bom.