terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

PENÉLOPE


Nota 7 Com chavões de contos-de-fadas, comédia faz críticas à mídia e a ditadura da beleza


Os contos de fadas servem de inspiração para o cinema desde seus primórdios e as paródias protagonizadas por princesas, bruxas, elfos e outros seres fantásticos formam praticamente um subgênero do campo da fantasia. Adaptada da obra da escritora Marilyn Kaye, a comédia romântica Penélope não é uma versão modernizada de uma história em específico, mas podemos perceber aqui e ali referências que estão enraizadas no imaginário popular. A talentosa Christina Ricci dá vida à moça do título, que assim como Aurora, a Bela Adormecida, logo que nasceu foi amaldiçoada, ou melhor, a maldição já estava em sua família, mas até então nunca manifestada. Filha do milionário e famoso casal Jessica (Catherine O’Hara) e Franklin Wilhern (Richard E. Grant), a garota sofreu por um deslize de um parente de muitas gerações anteriores. O assanhado Ralph (Nicholas Prideaux) viveu um romance com uma empregada de sua casa, mas acabou se casando com outra mulher de mesmo nível social por pressão da família. Grávida e desiludida, a jovem se suicidou e sua mãe quis se vingar. Revelando-se uma poderosa bruxa, lançou um feitiço: a primeira herdeira mulher do clã seria castigada e teria que aprender a viver com um focinho de porco no lugar do nariz, trazendo vergonha aos que a cercam e que tanto davam valor a vaidade. Ralph acabou tendo um filho homem, que por sua vez também teve um herdeiro do sexo masculino e assim por várias gerações até o nascimento de Penélope que passou sua infância e juventude trancada dentro de casa, como no conto de Rapunzel, muito mais pelo excesso de zelo de Jessica que não queria virar chacota da alta sociedade. 

O encanto só seria quebrado caso algum rapaz também de família nobre se apaixonasse pela garota, o que levou seus pais a uma busca desenfreada para arranjar um pretendente assim que ela completou a maioridade. O problema é que não bastava marcar os encontros, mas também convencer os modernos príncipes que bastava um beijo de amor verdadeiro para o patinho virar cisne, ou melhor, a porquinha virar uma bela mulher. Todavia, assim que eles a viam, os rapazes fugiam histéricos. O mordomo Jack (Richard Leaf) até ganhou um par de tênis que em nada combinavam com seu uniforme para ajudá-lo a correr atrás dos noivos fugitivos. Um dos últimos a visitar a garota foi Edward (Simon Woods), que ficou traumatizado com o que viu, mas ninguém acredita em seus relatos. Pudera, ele fez um retrato-falado de Penélope a descrevendo como um cruzamento de um lobisomem com a garota de O Exorcista! Puro exagero, mas sua convicção envolve o jornalista Lemon (Peter Dinklage) que fica obcecado pela ideia de ter uma foto da tal aberração estampando a primeira página de seu jornal. Por ironia ele próprio está fora dos padrões ditos como normais pela sociedade por ser um anão, mas ainda assim ficará no encalço de Penélope e para facilitar as coisas arma um plano com Johnny (James McAvoy), um jovem viciado em jogos de azar que está devendo até a alma. Como os primeiros encontros são sempre feitos com um espelho falso escondendo a moça, sua missão é conquistar a confiança dela, superar o trauma de ver seu rosto revelado e convencê-la a deixar tirar uma foto. 


Apresentando-se como Max, um apaixonado por música e que demonstra não ter o menor receio pelos boatos que ouviu, o falso pretendente consegue rapidamente conhecer Penélope, mas as coisas não saem como ele esperava. Arrependido de tê-la enganado, o rapaz desiste da farsa, mas a essa altura a moça resolve mudar de vida radicalmente decidindo enfrentar o mundo. Ela própria vende sua fotografia para o jornal para ter como sobreviver na selva de pedras que rodeava sua mansão. Ela tentou esconder ao máximo seu defeito, mas um acidente revelou seu segredo e, para sua surpresa, de uma hora para a outra passou a ser adorada por desconhecidos. A mídia viu na excêntrica história de vida da garota uma mina de ouro e explorou à exaustão e logo ela vira uma celebridade com direito a fã clube para desespero de sua mãe que não se conforma que a filha tenha aceitado ser diferente dos outros e tirar proveito disso. O roteiro de Leslie Caveny faz uma razoável crítica à ditadura da beleza, hipocrisia social e a força e manipulação dos meios de comunicação, mas como é um trabalho voltado ao público infanto-juvenil ou uma simples diversão familiar os temas não são aprofundados. De qualquer forma, o que está na tela já serve para trazer à tona importantes discussões, além de reforçar as boas e velhas lições de moral sobre respeitar o próximo, amar a si mesmo antes de cobrar a atenção dos outros e valorizar a beleza interior de cada um, temas um tanto clichês, mas ainda necessários para combater preconceitos.

Apesar de assumidamente água-com-açúcar, a estreia do diretor Mark Palansky é acima da média e demonstra um apuro técnico invejável. A direção de arte nos remete com perfeição aos cenários de histórias de princesas, criando um interessante contraste visto que o casarão onde vive a protagonista tem arquitetura no melhor estilo medieval e está encrustado em meio à Londres contemporânea. É possível sentir o clima bucólico da residência, apesar da movimentação dos pretendentes à príncipe, e essa característica fica mais evidente quando conhecemos o quarto de Penélope, praticamente um mundo à parte, extremamente colorido, com direito a uma árvore com balanço, mas sem televisão ou computador, tudo meticulosamente pensado para a jovem se entreter sozinha e não pensar em sair de casa. Contudo, mesmo com toda superproteção, mais cedo ou mais tarde a fuga seria inevitável. Munida de um charmoso cachecol para esconder seu focinho, o que lhe permite andarilhar pela cidade à vontade com a desculpa de uma plástica frustrada, é certo que Palansky poderia ter se estendido nas experiências da moça no mundo real, porém, ele prefere revelar seu segredo prematuramente o que acaba prejudicando um pouco o clímax. O interesse só não decai por conta do carisma de Ricci que consegue equilibrar a doçura e ingenuidade típicas de princesas e a coragem e obstinação que marcam o perfil de uma heroína. Sua parceria com McAvoy não chega a ser memorável já que o personagem do rapaz é desperdiçado. Com duas identidades diferentes para defender, o ator poderia render muito mais, porém, acaba apagadinho e seus repentinos sentimentos amorosos não convencem a ponto de justificar o inerente final feliz do casal. 


Apesar da pouca exposição do longa, é possível se especular que seu lançamento se deve muito a presença do elenco de McAvoy que na época colhia elogios por O Último Rei da Escócia e Desejo e Reparação. Após o término das filmagens foram quase dois anos de pós-produção e certamente a carona no sucesso do rapaz ajudou a chamar a atenção de distribuidores interessados. Por outro lado, havia também o chamariz Reese Witherspoon, produtora do filme e que faz uma ponta como a despachada Annie, uma grande amiga que a protagonista conquista em suas aventuras londrinas. Chega a ser contraditório uma produção que critica os exageros da mídia e o culto por celebridades precisar de pelo menos um nome em evidência para conseguir ser lançada. Apesar de uma longa carreira e a eterna lembrança como a estranha e sádica garotinha de A Família Addams, Ricci não é o tipo de atriz que leva multidões ao cinema ou apontada como exemplo de beleza e Penélope seria a sua grande de chance de provar que poderia segurar um filme comercial. Seria ela vítima de algum tipo de maldição de Hollywood?

Comédia Romântica - 101 min - 2007

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