quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A GUERRA DE HART


Nota 4 Longa descarta clichês de conflitos armados e se assume como um drama de tribunal


Costumamos reclamar sobre a repetição de temas em comédias românticas, mas o que dizer dos dramas de guerra? Está certo que conflitos como os da Segunda Guerra Mundial oferecem inúmeras possibilidade e um mesmo recorte do período pode sugerir mais de uma visão dos fatos. Apesar de ter público cativo, é certo que produções do tipo fazem sucesso, a não ser quando amparadas por indicações a prêmios. De qualquer forma, sempre há a esperança de sobrevida como material de apoio à estudantes e professores. A Guerra de Hart foi lançado já sem muita pompa, até porque foi um mega fracasso nos EUA, e o tempo passou e nem nas aulas de História conseguiu ser um título de prestígio. Realmente não é nada de excepcional, mas visualmente transmite bem a frieza do episódio que retrata excluindo até mesmo qualquer participação feminina para evitar dar alguma cor ao longa. Com  uma ambientação física em tons sóbrios, visualmente a obra é tão fria quanto seu enredo.

No ano de 1944, Tommy Hart (Colin Farrell) é um estudante de direito que se alista no exército para lutar pelos Aliados, mas acaba sendo capturado em uma emboscada e enviado a um campo de concentração onde encontra diversas dificuldades de adaptação, entre elas as desconfianças e inimizade do coronel William McNamara (Bruce Willis), também americano e encarcerado pelos nazistas. Os conflitos entre os confinados se agravam quando os alemães capturam dois pilotos negros, Lamar Archer (Vicellous Reon Shannon) e  Lincoln Scott (Terrence Howard), gerando revolta de alguns brancos que não aceitam compartilhar seu espaço com pessoas de outras raças, mesmo que eles exibam alguma patente. O primeiro é vítima de uma cilada e executado e pouco tempo depois Scott é acusado de matar o suposto assassino do amigo quando pego em flagrante na cena do crime. Apesar dos indícios, tal situação também poderia ser uma armadilha dos demais confinados por puro preconceito, mas o coronel Werner Vissel (Marcel Iures), quem realmente dita as ordens no campo, ordena a execução do negro imediatamente.


Para os brancos não sofrerem pressão por ferir os direitos humanos, McNamara convence o coronel a organizar a toque de caixa um julgamento com o júri formado pela tropa alemã, assim atendendo o que foi estabelecido na Convenção de Genebra, um tratado internacional que criou regras quanto ao tratamento dispensado aos prisioneiros de guerra. Hart então é designado a defender Scott, no entanto, todos sabem, inclusive o próprio réu, que o tribunal é apenas uma encenação. McNamara claramente impede que o jovem advogado interfira a ponto de mudar a decisão já pré-estabelecida, obviamente desfavorável ao acuado. E enquanto são colhidas pistas e depoimentos o coronel americano se aproveita da movimentação para colocar em prática um plano de fuga. Contudo, chama a atenção que Vissel não parece disposto a atrapalhar as investigações de Hart, muito pelo contrário, até lhe presenteia com um livro de direito que o ajudará para o desfecho do caso. Existe um relacionamento bastante amigável entre o rapaz americano e o coronel alemão talvez porque o jovem o faça lembrar de seu filho morto em combate, pode ser a identificação por ele também ter formação em direito na mesma universidade nos EUA, o fato do aspirante a advogado ser filho de um senador ianque ou ainda uma possibilidade de atração sexual, mas o roteiro de Billy Ray nunca deixa claro quais as verdadeiras razões para tal empatia. 

Baseado no romance homônimo de John Katzenbach, além de relembrar experiências de seu próprio pai, um ex-prisioneiro de guerra, o autor inspirou-se também do filme A Grande Ilusão, clássico que marcou a carreira do cineasta francês Jean Renoir. O longa tinha como pano de fundo a Primeira Guerra Mundial e abordava não só as diferenças entre as nações, mas também dentro de uma mesma pátria. Com direção de Gregory Hoblit, a adaptação aborda o racismo em um campo de concentração, mesmo sendo todos norte-americanos capturados por nazistas. Todavia, os negros eram minoria absoluta e qualquer incidente fatalmente seriam apontados como responsáveis. O longa então se diferencia por não apresentar soldados em combate corpo-a-corpo e sim em conflito envolvendo preconceito, ética e ideais. Hart vai aprender que a guerra não se limita as demarcações feitas com arame farpado. Embora carregue um sobrenome de peso e sua graduação lhe traga certo prestígio, no campo de batalha isso não significa nada e não o poupa de sofrer preconceito quanto a sua origem aristocrática. McNamara, por sua vez, consegue ser razoavelmente respeitado pelos alemães graças a sua alta patente e experiência, mesmo também sendo um prisioneiro. Com seu jeito enérgico e lábia, ele inspira aos muitos jovens americanos que sonham em sair do confinamento de cabeça erguida.


Apesar do final edificante e com mensagem redentora, A Guerra de Hart foge de alguns estereótipos dos filmes de guerra, a começar pelo herói que é praticamente um homem comum, alguém que até então nunca tinha tido contato com os horrores de uma guerrilha e tampouco exercia a advocacia de fato. De uma hora para a outra é obrigado a participar de um interrogatório e a guerra do título se refere muito mais a um embate consigo mesmo para não permitir ser um fantoche nas mãos dos alemães. Aliás, embora ainda sejam apontados como vilões, os nazistas aqui não são representados como carrascos desalmados como de costume. Vissel, por exemplo, até houve jazz as escondidas, na época um ritmo popular entre os negros, e o campo de concentração passa longe da ideia de uma terra sem lei, até sentimos falta de brigas e mortes, talvez um dos maiores problema da direção de Hoblit. Seu campo de concentração está longe de retratar um lugar de pesadelos e mesmo a questão do julgamento de um possível assassino não acirra discussões como esperado. 

Drama - 125 min - 2002

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