Nota 6 Bom argumento se transforma em emaranhado de situações com pouco humor ou aventura
Qual criança em um acesso de fúria já desejou poder ter outros pais, de preferência um casal que possa ela própria escolher? Tal devaneio é o ponto de partida da produção infantil O Anjo da Guarda que pode ser antiga, mas sua premissa ainda é muito atual acerca do sentimento de abandono proporcionado por pais despreparados. Pena que o tema seja tratado de forma superficial e estereotipado. Embora o ritmo clipado (muitas situações para pouco tempo de arte) da produção possa não agradar, mesmo às pessoas acostumadas com a hiperatividade dos filmes de hoje em dia, o nome de Elijah Wood nos créditos pode funcionar como chamariz para aqueles que idolatram a franquia O Senhor dos Anéis. Aqui ele aparece muito pequeno, em início de carreira, dando vida a North, um garotinho que não recebia praticamente atenção dos pais (Jason Alexander e Julia Louis-Dreyfus) que viviam brigando por motivos banais.
O descaso da família sufocava North a tal ponto que afetava sua vida em vários aspectos, inclusive na escola, assim seu futuro poderia ser comprometido. Certo dia, acompanhando os pais no shopping, para variar North é esquecido e se aconchega em uma poltrona para refletir, ou melhor, sonhar como sua vida poderia ser diferente. Eis que surge um homem vestido de coelho que estava fazendo promoção em uma loja e escuta com atenção os lamentos do garoto, lembrando-o que grandes homens da História mundial viveram problemas parecidos na infância. Nesse momento, North tem a ideia de que considerando-se um filho dedicado e amoroso não faltariam candidatos a serem seus pais substitutos. Com a ajuda de um de seus colegas de escola, o metidinho Winchell (Matthew McCurley), e do advogado canastrão Arthur Belt (Jon Lovitz), o garoto leva o caso aos tribunais e abre um processo contra os próprios pais que nesse momento se encontram em estado de choque e sem chances de se defenderem.
Perante o ineditismo do caso, o juiz Buckle (Alan Arkin) decide dar dois meses para North procurar os pais que julga ideais, caso contrário teria que voltar a morar com os biológicos ou até mesmo ir parar em um orfanato. Muito decidido, o menino aceita as condições e sua peregrinação pelo mundo começa no sugestivo feriado de 04 de julho, dia em que os EUA comemora sua independência. Do árido Texas ao exuberante Havaí e do congelante Alaska à tradicional Inglaterra, o garoto viaja por todo o mundo e tem a possibilidade de conhecer muitos pais que em um primeiro momento lhe agradam, mas a convivência mostra que a perfeição é difícil de ser encontrada. Todos os candidatos têm alguma peculiaridade que não agrada ao garoto e coincidentemente a cada nova família e região que o acolhe ele encontra o tal homem que conheceu vestido de coelhinho da páscoa.
Bruce Willis dá vida, ou melhor, vidas a esse anjo que se apresenta em cada situação de uma maneira diferente. Vaqueiro, surfista, condutor de trenó ou até mesmo como comediante, não importa qual o disfarce ele sempre está a postos a ajudar seu protegido que faltando apenas três dias para o término do prazo finalmente parece ter encontrado a família ideal, mas ainda assim o menino não se dava por satisfeito, pois seus pensamentos ainda estavam voltados aos pais verdadeiros, mesmo acreditando que eles nem deram bola para sua partida. Enquanto isso, em Nova York, Winchell e Belt tem se aproveitado da situação. O caso de North não só chamou a atenção da mídia em peso como também despertou a curiosidade de outras crianças que passaram a se rebelar contra os pais, assim a dupla de vigaristas passou a liderar manifestações que influenciavam os pequenos a controlarem as decisões dos mais velhos, sonhando inclusive com a possibilidade de em um futuro próximo Belt ser eleito presidente facilmente. Assim, o mini carrasco passa a bolar planos para evitar a volta de North ou reverter seu retorno a favor de sua causa.
Baseado em um conto de Alan Zweibel, que dividiu os créditos do roteiro com Andrew Scheinman, O Anjo da Guarda é um misto de aventura e comédia que no fundo apresenta pouco dos dois gêneros e talvez por isso não tenha agradado, tanto que não virou clássico infanto-juvenil. A curta duração impede o desenvolvimento dos personagens e compromete o envolvimento do espectador com a trama, não ficamos nem mesmo sabendo qual o real motivo do descaso dos pais com o protagonista, o que pode justificar suas seis indicações ao Framboesa de Ouro. Em comparação com os títulos que figuram na lista desta premiação as avessas (os piores vencem) nos últimos anos, esta obra assinada pelo diretor Rob Reiner, de produções bem mais apuradas como A Princesa Prometida, talvez não merecesse tanto desprezo. Desligando o senso crítico, pode garantir um tempinho de relax, mas se for ficar procurando defeitos... Melhor pular para outra opção.
Comédia - 88 min - 1994
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