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NOTA 8,5 Longa segue viés original para contar a história de duas pessoas mal compreendidas pela sociedade que tiveram a sorte de se encontrar |
Cansado das histórias de amor
convencionais? Talvez então você possa gostar ou no mínimo achar original o
argumento e os caminhos traçados pelo romance com toques de humor e drama Secretária,
produção vencedora do prêmio especial do júri no Festival de Sundance em 2002 e
que fez ligeiro sucesso no circuito alternativo. A premissa pode vender a ideia
de que é uma obra que objetiva falar sobre o abuso sexual em ambiente de
trabalho, principalmente pelo título trazer a célebre figura que mexe com a
fantasia de muitos patrões, mas felizmente a obra não segue esta trilha tão
óbvia e preconceituosa. Conforme nos envolvemos com a trama vamos nos
surpreendendo com os rumos. Baseado no conto homônimo de Mary Gaitskill, o
roteiro de Erin Cressida Wilson gira em torno de Lee Holloway (Maggie
Gyllenhaal), uma moça masoquista que tem como grande hobby ferir seu próprio
corpo em busca de prazer. Após passar algum tempo em um hospital psiquiátrico,
ela volta para a casa dos pais e tem que se readaptar ao estilo de vida de uma
pessoa comum. Acostumada a horários regrados, o tempo livre agora poderia ser
um grande vilão, ainda mais o dispensando junto a sua família disfuncional, o
que poderia lhe deixar ainda mais fora de órbita. No entanto, ela decide
ocupá-lo trabalhando e mesmo não tendo experiência alguma como secretária,
apenas certa intimidade com a datilografia que lhe rendeu um prêmio regional,
ela tenta uma vaga de trabalho no escritório de E. Edward Gray (James Spader).
A primeira vista, o advogado é ríspido, exigente, mal humorado e excêntrico.
Sim! Para a surpresa da moça, seu possível chefe é tão maluquinho quanto ela e
deixa isso já em evidência logo na entrevista, já que dedicou boa parte do
tempo preocupando-se em fazer perguntas de cunho pessoal a candidata, inclusive
algumas questões de apelo sexual, algo improvável para a ocasião. Só por este
cartão de visitas, já seria difícil alguma garota em sã consciência aceitar o
trabalho, ainda mais se refletisse melhor quanto ao aviso de perigo implícito
que se encontra na porta do estabelecimento. A fuga das secretárias já se
tornou um problema tão comum na vida de Grey que ele já afixou um letreiro
luminoso na entrada solicitando funcionária, assim limitando-se a acender ou
apagar conforme a necessidade.
Para quem estava habituada com
excentricidades, a ponto de provocar pequenos cortes em áreas pouco visíveis do
próprio corpo como forma de exteriorizar seu sofrimento psicológico, não
significava nada um chefe querer saber onde sua irmã mora ou se ela andava
tendo relacionamentos sexuais com alguém. Respondendo tudo direitinho e dizendo
que sabe atender telefonemas, ela consegue o emprego na hora, mas é certo que a
visão de alguns talhos que fez em sua coxa e ficaram a mostra com seu figurino
ajudaram na contratação. Ao menos ela tem a consciência de que dificilmente
conseguiria outro emprego de maneira tão fácil, assim ela trata de se esforçar
para fazer o melhor que pode, embora suas tarefas sejam limitadas a redigir,
passar a limpo e arquivar documentos, além é claro de fazer e servir cafezinhos.
No entanto, a gaveta do Sr. Grey é lotada de canetas marca-texto vermelhas, uma
pista do nível de exigência do empregador. Ele lê todos os textos e cartas que
manda escrever com muita atenção e não deixa passar uma vírgula em lugar errado
ou ausente. Os erros são punidos com broncas severas, mas pouco a pouco elas
também são acompanhadas de atos violentos e sádicos, com direito a palmadas no
bumbum desnudo da moça. Então percebemos o porquê do escritório ainda manter a
arcaica máquina de escrever ao invés de um computador por mais vagabundo que
fosse. Se para ser feliz na profissão é preciso trabalhar com prazer, Grey leva
ao pé da letra tal consideração e faz questão que suas secretárias não consigam
evitar os erros de datilografia. Por mais que refaçam várias vezes os textos, o
cansaço evita a perfeição e sempre algum errinho acaba passando e ele tem a
oportunidade de satisfazer sua sede de sadomasoquismo deixando latente seu
transtorno bipolar. Entende-se que muitas moças sofreram estas tentativas de
assédio, mas o longa não se apega a questões jurídicas quanto a possíveis
processos, simplesmente nem toca no assunto. O foco é na estranha relação que
nasce entre Lee e seu chefe. Ao mesmo tempo em que estão trabalhando, também
estão vivenciando um caso de amor envolvendo dominação e submissão com papéis
bem definidos. A cena inicial, com a jovem algemada a uma barra de ferro
colocada atrás de sua cabeça e mesmo assim desempenhando suas tarefas de
escritório, já dá a entender o tipo de relacionamento deles. Grey domesticou
Lee criando a funcionária exemplar, para os seus padrões é claro. Para quem se
interessou pela pegada erótica do enredo fica o alerta de que nudez só tem em
uma única e poética cena e até o contato entre os protagonistas está longe de
excitar, salvo se você também for adepto da praia deles.

Romance - 111 min - 2002
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