terça-feira, 10 de novembro de 2020

O CHEIRO DO PAPAIA VERDE


Nota 10,0 Longa mostra o amadurecimento de uma jovem sem nunca perder sua inocência


O cinema oriental nos últimos anos conseguiu extrapolar as barreiras do circuito alternativo e chegar ao grande público graças a grande projeção de obras como O Tigre e o Dragão, Herói, O Clã das Adagas Voadoras, Memórias de Uma Gueixa, entre tantos outros títulos que chamaram a atenção da crítica que ajudou a fomentar o desejo popular de conhecer novas culturas cinematográficas. Contudo, hoje é possível observar um leve retrocesso na procura de filmes asiáticos por parte dos espectadores, sendo que a maior parte das obras do tipo fica restrita a poucas salas de exibição, serviços de streaming ou relegadas a restritas apresentações em festivais. O vencedor do Oscar Parasita é uma exceção por razões óbvias. No passado, muitas distribuidoras se especializaram em trazer raridades do cinema mundial e foi assim que alguns cinéfilos tomaram contato com a cultura dos povos dos olhinhos puxados. Entre alguns títulos de sucesso lançados na década de 1990 encontramos algo inusitado, O Cheiro do Papaia Verde, um filme poético passado no Vietnã. Sim, o país eternamente associado à imagem das atrocidades de uma guerra também faz cinema, aliás, com conteúdo bastante emotivo e imagens deslumbrantes. 

Na realidade esta é uma produção franco-vietnamita escrita e dirigida por Tran Anh Hung. Dividindo os elogios entre a França e o Vietnã, a obra participou de festivais e ganhou alguns poucos prêmios, mas o suficiente para transformá-lo em um título cultuado, ainda mais após a indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A obra segue a receita das grandes produções de estilo oriental. A estética, o texto e o ritmo parecem ser comandados por uma única pessoa de tão perfeita que é a harmonia entre eles. Trilha sonora tranquila, cores sutis, fotografia impecável e interpretações que nos fazem acreditar realmente que uma imagem vale mais que mil palavras. No mesmo estilo de seu contemporâneo Como Água Para Chocolate, aqui a comida é um adorno essencial para falar de relacionamentos, o que explica o seu curioso título. Ficamos com vontade de experimentar o sabor e o cheiro da tal papaia verde, mas para o cinéfilo que gosta de penetrar na obra com sua imaginação digamos que essas sensações são quase plenamente satisfeitas graças ao eficiente e cuidadoso trabalho do cineasta e de toda sua equipe técnica e artística, todos preocupados com o minimalismo da obra. 


A história se passa no Vietnã dos anos 1950. Com apenas dez anos de idade, Mùi (Lu Man San), uma pequena camponesa, deixa sua aldeia e vai trabalhar como empregada na casa de uma família burguesa em Saigon. O clã já teve seus tempos de luxo e fartura, mas agora sofre os efeitos da crise econômica pela qual passa o país e das regulares ausências do dono da casa (Tran Ngoc Trung) que, sem razão aparente, desaparece por algum tempo levando dinheiro. Sem o marido, sua esposa (Truong Thi Loc) é quem controla as contas da casa e comercializa tecidos para sustentar seus três filhos e assim manter alguma dignidade. Na casa, mora ainda a avó paterna (Vo Thi Hai) que não abandona seu quarto no andar superior por nada, isso desde a morte de sua neta que teria a mesma idade de Mùi se ainda fosse viva. Com a ajuda de Ti (Nguyen Anh Hoa), uma empregada já idosa, a garota vai se adaptando aos trabalhos domésticos. Conforme o tempo passa, a situação econômica da família piora e a rotina da casa é abalada com a morte do pai. A essa altura, Mùi (nesta fase vivida por Tran Nu Yên-Khê) já é uma moça, mas não tem mais possibilidades de trabalhar naquela casa e é enviada para a residência de Khuyen (Vuong Hoa Hoi), um amigo da família que a jovem já conhecia desde a infância.

O novo patrão é um homem sofisticado, pianista clássico, fala com fluência o francês e tem uma amante, a dispendiosa Thu (Vantha Talisman). Aos poucos, a jovem empregada dá sinais de que está apaixonada pelo rapaz, mas ele a princípio não nota. Porém, quando percebe, Khuyen fica balançado e repensa sua relação com ela. Com uma história singela e romântica em destaque, o filme também nos apresenta como pano de fundo importantes aspectos históricos e sociais. Aqui vemos uma sociedade passando por mudanças culturais e econômicas antes da tão comentada e triste Guerra do Vietnã. Nesse cenário, a protagonista representa milhares de mulheres que viveram sob a condição de serva durante anos, às vezes até a morte, seja trabalhando para uma família ou atendendo as vontades do marido. Obviamente, a obra é intimista e conta com um ritmo lento, enaltecido pelas belíssimas imagens e cenários, o que deve afugentar os mais impacientes. Porém, essa estética e estilo narrativo são essenciais para a boa condução da trama que conta com poucos diálogos, principalmente quando o final se aproxima. 


É interessante que o diretor não explora dramaticamente a infância da protagonista, mas procura lançar um olhar voyeurista na forma como mostra a integração da menina com sua casa nova e seus habitantes, assim até o simples observar de uma formiga oferece contornos expressivos, ganhando interpretações diversas dependendo do olhar do espectador. Estaria ela se sentindo deslocada com sua “nova família” ou a introspecção é de sua natureza? Os citados insetos inclusive servem como metáfora. Assim como eles podem a qualquer momento serem pisoteados, Mùi luta diariamente por sua sobrevivência. O Cheiro do Papaia Verde é dos tempos das fitas VHS, por isso hoje é mais que uma raridade. Para quem ficou curioso para conhecer o delicado trabalho do cineasta Tran Ahn Ang, é um pouco mais fácil achar As Luzes de Um Verão, mais um trabalho que nos faz esquecer a imagem triste e ferida que temos do Vietnã graças as inúmeras produções a respeito do conflito no país.

Drama - 104 min - 1993 

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