quinta-feira, 10 de setembro de 2020

O JOGO DA MORTE (2006)


Nota 7 Apesar de lento, suspense é claustrofóbico, intrigante e com conteúdo relevante até hoje


Após os atentados de 11 de setembro de 2001, muitos produtores começaram a caçar roteiros que trabalhassem com a temática do preconceito e o medo dos americanos em relação aos povos árabes, mas e o avesso desta situação seria possível? É esse o foco do diretor Laurence Malkin com o suspense O Jogo da Morte, título genérico que não vende bem o filme. Quem busca ação, tiros e sopapos certamente irá se decepcionar, pois na realidade o que impera é uma narrativa lenta e que alterna momentos de puro silêncio a outros de grandes diálogos que podem parecer confusos inicialmente, mas pouco a pouco vão envolvendo o espectador que certamente não espera a conclusão crítica oferecida pelo roteiro escrito pelo próprio cineasta em parceria com Chad Thumann. O filme é centralizado em um idealista holandês, Martijin (Ryan Philippe), que estava muito entusiasmado com sua viagem ao Marrocos com o objetivo de iniciar um fundo de caridade. O rapaz contrata os serviços de Gavin (Colm Meaney), um guia turístico que só conheceu pessoalmente já no aeroporto. Chegando ao destino, o ônibus que a dupla estava fora atacado por bandidos e quando eles se dão conta se encontram em uma espécie de galpão abandonado onde estão amarrados, um de costas para o outro, e com os olhos vendados. 

Imediatamente o holandês começa a acusar o guia de que tudo isso seria sua culpa, ainda mais depois que ficou sabendo que no passado ele trabalhava em uma empresa de produtos químicos que oferecia treinamentos antissequestros por conta dos perigos que alguns países ofereciam por serem contra tais atividades, provavelmente algo envolvendo exploração do trabalho. A discussão é observada de longe por Ahmat (Laurence Fishburne), líder de um grupo terrorista que não pensa duas vezes antes de assassinar Gavin. Todavia, seu maior problema era com Martijin que então é obrigado a jogar xadrez com seu algoz que passa a questioná-lo sobre sua verdadeira identidade e seus reais interesses em solo árabe. A cada resposta que não o agrade, uma tortura é aplicada ao prisioneiro, até mesmo a perda de alguns dedos caso julgue necessário. Entre conversas tolas a respeito de sexualidade, preconceitos e etnias, Ahmat consegue torturar psicologicamente Martijin demonstrando saber muito sobre sua vida, detalhes que vão desde o conhecimento do conteúdo de conversas particulares até a respeito de números de seus documentos. 


Em flashbacks, um pouco do passado de Martijin vai sendo revelado, deixando cada vez mais latente que o rapaz foi ao Marrocos em missão de paz, assim acentuando o perfil de vilão de Ahmat. Em certo momento, o sequestrado passa a ter os cuidados de Aicha (Gina Torres), uma mulher que se esconde embaixo de uma burca (vestimenta típica), mas parece ser do bem. Ela o informa que o chefão quer saber de onde veio o dinheiro que ele pretende destinar a caridade, mas ele desconversa e promete lhe dar metade da quantia caso ela o ajude a fugir. Acontece é que ela também está a serviço de Ahmat, mas o plano dela tentar arrancar alguma informação confidencial fracassa, porém, deixa o prisioneiro ainda mais contra a parede. Bancário, ele diz que o dinheiro para a campanha, que não teve divulgação alguma no Marrocos, foi desviado de sua própria empresa, mas se isso fosse verdade já estariam à caça do rapaz. Começam então a vir a tona suspeitas cada vez mais graves a respeito de sua índole e benevolência, questionamentos comuns por parte de americanos à estrangeiros, ainda mais de origem árabe, mas a produção subverte o contexto.

Justamente inverter posicionamentos no conflito e quebrar estereótipos é o que salva O Jogo da Morte da mesmice. Quem seria Martijin na realidade? Quais seus objetivos nesta viagem? Qual a origem do dinheiro que está em sua conta? E Ahmat é de fato um criminoso? O que o faz desconfiar de um branco disposto a realizar caridade? E mais, quando chegamos aos minutos finais, nos perguntamos o porquê de tanta crueldade por parte do marroquino neste interrogatório. No último ato, entra em cena uma discussão a respeito da participação de investigadores tentando se infiltrar em redes terroristas que ao que tudo indica possuem grupos de simpatizantes espalhados por todo o mundo. Como todo bom suspense que se preze, apesar do ritmo lento compensado pela curta duração e clima claustrofóbico, cada cena é essencial para compreendermos este jogo até chegarmos a seu clímax, uma impactante revelação que pode ser o pesadelo dos norte-americanos, quiçá da população mundial. 


O final bem amarrado e surpreendente, contudo, pode gerar controvérsias, mas eis o grande trunfo do filme: não ser um mero passatempo alicerçado no clichê do mocinho branco versus o vilão de pele escura, pois as aparências enganam. Produção de baixo orçamento e independente, o longa tinha poder de fogo para causar barulho na época de seu lançamento, mas acabou passando batido. Todavia, ainda é uma opção válida visto que os anos passam, mas a situação-problema continua e parece longe de um ponto final a perseguição aos povos árabes em geral. Capaz de mexer com os nervos do espectador, ao final a produção propõe discussões a respeito do valor da vida humana e a crueldade e a ganância de certos grupos que não medem esforços para colocar em prática seus planos de vingança sob a desculpa esfarrapada de atenderem a um propósito maior. 

Suspense - 86 min - 2006 

Leia também a crítica de:

Nenhum comentário: