domingo, 9 de agosto de 2020

TENTÁCULOS (1998)


Nota 5,0 Com pinta de filme dos anos 1980, produção transforma os defeitos em suas qualidades


A ameaça de animais gigantescos e perigosos sempre foram fantasias que serviram para pautar filmes de ação, suspense e terror. Com efeitos especiais na maioria das vezes mal feitos e elenco canastrão, as tramas geralmente giram em torno de um grupo sendo perseguido por criaturas assustadoras e um a um vai sendo eliminado, mas pouco nos importamos com quem sobreviverá. O que interessa é a diversão envolvida nessas cenas de mortes que deveriam ser cruéis, mas involuntariamente acabam causando mais risos que tensão. A partir da década de 1980 tal seara ganhou impulso com as videolocadoras que precisavam semanalmente de novidades para abastecer as prateleiras e se privilegiavam pelo fato de ser um comércio sem muita censura, assim a carnificina tinha passe livre. Já no final da década seguinte tais produções entraram em decadência. Ou não? Com a tecnologia cada vez mais avançada, o público passou a ser mais exigente com efeitos especiais, assim, eliminando quase totalmente o uso de bonecos de borracha e apostando mais nos recursos de computação, surgiram pérolas trash como Tentáculos, fracasso de bilheteria e malhado pela crítica, mas com o passar dos anos acabou somando uma legião de fãs. 

A trama se passa dentro de um luxuoso transatlântico que é alvo de um bando de ladrões de jóias que dispõem de um grande aparato de armas, até mesmo mísseis. A trupe é ajudada pelo próprio capitão da embarcação, o mercenário John Finnegan (Treat Williams), contudo, ao invadirem o navio são surpreendidos com o local vazio e um clima estranho pairando no ar. Um grande desastre já tinha ocorrido e sobreviveram alguns poucos tripulantes, estragando os planos da estelionatária Trillian James (Famke Janssem). Agora, mocinhos e bandidos precisam se unir para enfrentar algo inimaginável: uma espécie de polvo gigante que consegue deslizar pelo interior da embarcação e cujos tentáculos parecem ter vida própria, com bocarras que capturam as vítimas, devoram suas carnes e depois expelem seus ossos. Os personagens então seguem a cartilha dos filmes-catástrofes. Desbravam o interior do transatlântico com muito corre-corre e tiroteio e as situações vão ficando cada vez mais absurdas, culminando até numa fuga com jet-ski! Todavia, nada que decepcione o espectador, afinal quem compra a ideia e deseja ver um filme de animal selvagem perseguindo humanos sabe muito bem a diversão descerebrada que o espera e se empolga a cada lance maluco que surge na tela. 


Com reminiscências dos filmes da franquia Alien e premissa a la O Destino do Poseidon, o filme mantém adrenalina constante, investe em muito barulho e não perde a oportunidade de se autossabotar inserindo piadas aqui e ali assumindo que nem os próprios envolvidos desejavam levar a sério o projeto. Não por acaso, a certa altura, em uma cena de elevador começa a tocar o clássico brasileiro "Garota de Ipanema" na hora menos apropriada possível e mais tarde um personagem continua a cantarolá-la dizendo que a música não sai de sua cabeça. Por que justamente uma canção da nossa cultura? Implicitamente queriam caçoar do Brasil? Ninguém sabe, mas o fato é que a escolha acentua o deboche da fita dirigida por  Stephen Sommers que um ano depois viria a faturar alto com A Múmia e acumular ainda mais cifras com sua continuação, assim conseguindo apagar a memória coletiva deste fracasso em águas turbulentas que embora tenha custado uma ninharia não conseguiu nem mesmo cobrir seus gastos. O bacana é que a produção não tem vergonha alguma de assumir seu lado trash, a começar pelo transatlântico palco de toda a ação. Seu exterior nitidamente fake é uma vergonha para um filme que por alguns meses competiu por bilheterias com o oscarizado Titanic, ainda que ele tenha servido de "inspiração" para o roteiro de Sommers em parceria com Howard Atherton e Joseph A. Porro que incluem a brilhante ideia de situar a tragédia marítima justamente na viagem inaugural da embarcação.
 
E o que dizer da tal criatura? A maior parte do tempo ela até convence apesar de seu aspecto gelatinoso. Como uma gosma que desliza entre as tubulações do navio, cada tentáculo parece ser um monstro individual que surge como o desabrochar de uma planta carnívora. O problema é quando o monstro é apresentado em toda sua plenitude no clímax, um design mal elaborado e extremamente artificial que colabora para passar a impressão de o filme ser ainda mais velho e datado. É uma pena que o diretor ofereça um tratamento tão pueril a um argumento com raízes das mais interessantes. Há muitos séculos existem lendas sobre bestas marinhas gigantescas, como moluscos superdesenvolvidos, indícios que instigam a curiosidade quanto a um possível ecossistema escondido nas profundezas dos oceanos. Até hoje, vez ou outra, pesquisadores encontram espécies que desafiam a ciência quanto a seus tamanhos ou estimativas de tempo de vida, mas Sommers não tem o menor interesse em trabalhar com algo de cunho científico. Seu lema é diversão sem limites.


Curiosamente, o projeto já fazia parte dos planos do diretor cerca  de dez anos antes e para quem tinha pretensão de ter Harrison Ford como protagonista, com a recusa do astro poderiam ter aproveitado o cachê economizado e caprichado mais nos efeitos especiais. Além da concepção tosca da criatura, as mortes podem decepcionar aos que esperam muito sangue e escatologia com a maioria se resumindo aos corpos das vítimas sendo sugados pela ameaça. Entrando e saindo de cena sem fazer diferença alguma, não há como torcer pela sobrevivência dos personagens, pois nenhum desperta a menor empatia, salvo Williams que parece se divertir à beça correndo, caindo e vivendo situações inverossímeis. Homônimo a uma fita italiana de 1977, diga-se de passagem, com argumento bem mais interessante, Tentáculos é um filme B legítimo que, embora tenha envelhecido consideravelmente, ainda garante uma boa sessão pipoca com o bônus da aura saudosista.

Aventura - 106 min - 1998

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