segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

EM MÁ COMPANHIA


Nota 5 Com a velha fórmula da dupla de policias de perfis opostos, longa carrega ar nostálgico


Dias após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, muitos produtores certamente já estavam impacientes para bancar filmes explorando a fértil temática, mas a comoção que o episódio causou poderia atrapalhar as bilheterias e a própria indústria de Hollywood em caráter respeitoso impôs um período de jejum para que os conflitos entre árabes e americanos ganhassem as telas com força total. Contudo, isso não impediu que fossem realizados trabalhos que tocassem de leve nessa guerra, como é o caso de Em Má Companhia, ação que explora um motivo mais plausível para alguém arquitetar um plano para atacar os EUA do que uma desculpa religiosa ou insana.  Sem optar pelo nacionalismo exagerado, o argumento é simples: bombas nucleares estão prestes a cair nas mãos de terroristas que pretendem detoná-las em solo americano, sem necessariamente um motivo claro a não ser a crueldade exagerada. Embora apostando em um tema quente para a época, quiçá até hoje, o roteiro de Michael Browning e Josn Richman reciclava a fórmula do gaiato que entrou no navio. Kevin Pope (Chris Rock) e o veterano Gaylord Oakes (Anthony Hopkins) há anos trabalharam juntos desmantelando quadrilhas, mas a parceria é desfeita quando o jovem agente da CIA é morto durante uma importante negociação envolvendo armas nucleares. 

A ideia era forjar a compra de uma potente e valiosa bomba para assim capturar Adrik Vass (Peter Stormare), um perigoso criminoso russo que só confia em Pope e prometeu entregar o artefato em nove dias. O negócio foi parcialmente fechado e agora o veterano Oakes terá que localizar o irmão gêmeo do falecido companheiro, Jack Hayes, e treiná-lo para a missão em tempo recorde. Detalhe: os irmãos gêmeos nunca souberam da existência um do outro, foram separados quando ainda eram bebês sendo que o agente foi adotado por uma família de posses e refinada. Hayes acabou sendo criado em um ambiente mais marginal, o que o tornou um típico malandro das ruas, mas de bom coração. O primeiro ato é dedicado a explorar a construção da imagem do agente, afinal os irmãos tinham personalidades completamente diferentes. Ele deverá se tornar um homem sofisticado, elegante, culto e aprender o idioma da República Tcheca, local onde a transação será concluída. Hayes engole o baque de saber que tinha um irmão gêmeo e encara a missão de interpretá-lo por conta da boa quantia de dinheiro que lhe ofereceram, assim se dedica a estudar os pormenores da vida de Pope para que a farsa seja totalmente crível, todavia, não contaram a ele o plano por completo. Na realidade ele terá que se passar por Michael Turner, um negociador de antiguidades, figura criada pelo falecido para escamotear sua real identidade durante esta operação já que estava na mira de pessoas barra pesada que ainda não sabem que ele realmente está morto. É esse personagem fictício em quem Vass confia, sem mesmo o conhecer pessoalmente. 


Quando toda a verdade do plano é revelada, Hayes aceita definitivamente o trabalho de espião e parte com Oakes para a cidade de Praga para finalmente se encontrar com o terrorista. Contudo, ser o refinado Turner tem suas vantagens como se hospedar em um hotel luxuoso, comer e beber do bom e do melhor e ter total atenção das pessoas que o julgam influente, mas a boa vida tem seu preço e não demora muito para sua real identidade ser descoberta por Dragan Adjanic (Matthew Marsh), terrorista da Iugoslávia procurado em todo o mundo por crimes contra a humanidade. Ele teria matado Pope, pois estava em busca da mesma arma química. Vass tem posse de produtos altamente inflamáveis que podem causar explosões de proporções catastróficas e as pessoas que sobrevivessem sofreriam com as consequências dos resíduos da fumaça. Para forçar que Hayes se afaste da negociação, a quadrilha de Adjanic sequestra Julie (Kerry Washington), namorada do rapaz, e só a libertará quando ele voltar para Nova York. No conjunto, esta produção pode ser dividida em dois atos, cada qual privilegiando um gênero específico, mas ambos mantendo a coerência e a cadência de eventos. Os conflitos entre o novato e seu mentor garantem o alívio cômico da fita que tem seus momentos de tensão e correria em grandes quantidades, marcas registradas do diretor Joel Schumacher, de Batman Eternamente, e de Jerry Bruckheimer, produtor de longas barulhentos e explosivos como Armageddon.

Aparentemente, a parceria entre Hopkins e Rock é improvável, mas no final das contas funciona justamente pelo próprio estilo dos atores contribuírem para demarcar bem a personalidade dos personagens. Um é sisudo, concentrado e um homem de poucas palavras enquanto o outro é falastrão, espontâneo e precisa fazer força para segurar o semblante de pessoa séria. Todavia, o veterano parece pouco a vontade nesta mescla de ação e humor e deixa o território livre para o parceiro brilhar e improvisar aproveitando-se de sua experiência cômica, chegando ao absurdo de no ápice da trama dizer que só conseguia lidar com números fazendo uma matemática pensando em peças de xadrez ou cadeiras de estádio. E isso bem na hora de desarmar a tal bomba. Pobre humanidade... Bem, ao saber que o longa é protagonizado por uma dupla de agentes secretos com diferenças gritantes, já era de se esperar que Em Má Companhia não seria nada mais que uma opção de entretenimento escapista mesmo com o engajamento político do enredo. Para não escancarar a problemática em evidência na época, é dito que os possíveis compradores da tal arma química podem ser de qualquer nacionalidade do Oriente Médio, apenas sutilmente é mencionado em uma cena que um criminoso no encalço de Hayes é afegão, ressaltando em seguida que essa é apenas uma possibilidade.


No final das contas, o longa parece um tanto nostálgico, cercando-se de elementos típicos dos filmes de ação que bombavam na década de 1980, principalmente pelo uso excessivo de tiradas de humor, que por vezes quebra o clima de adrenalina, e o perfil estereotipado dos vilões, praticamente escancarando seus caráteres duvidosos. Esse apelo ao que deu certo no passado, no entanto, não se configura um problema, pelo contrário, ajuda o espectador a embarcar na trama. Quantos filmes de ação atuais simplesmente não funcionam por justamente se levarem a sério demais quando na realidade não passam de um amontoado de clichês? A parceria Schumacher/ Bruckheimer funciona por assumir seus defeitos que acabam virando qualidades diante da sinceridade. Pelos dez minutos iniciais, ninguém pode dizer que esperava algo diferente que uma diversão ligeira e esquemática.

Ação - 116 min - 2002 

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