Nota 4 Plasticamente bela, obra é prejudicada por narrativa insossa e interpretações fracas
Produções de época costumam ter como cartão de visitas sua parte estética, principalmente quando a trama possibilita a exploração de ambientes luxuosos, mas é preciso tomar muito cuidado para que os filmes não acabem virando reféns desse artifício. É isso que aconteceu com Brideshead – Desejo e Poder, mais uma obra a abordar a decadência da aristocracia britânica. Roteirizada por Andrew Davies e Jeremy Brock, a trama se passa na Inglaterra pós Primeira Guerra Mundial, período marcado por transformações como o fato da nobreza não conseguir mais se sustentar como antes, mas ainda assim os burgueses falidos não abriam mão de suas convicções e tradições para manter as aparências e enganar inocentes como Charles Ryder (Matthew Goode), um jovem de classe média e aspirante a artista plástico para quem o contato com o mundo aristocrático era apenas uma fantasia. No entanto, ele consegue passe livre para este universo à parte quando se torna amigo de Sebastian Plyte (Ben Winshaw), com quem mais tarde passa a viver um relacionamento amoroso, diga-se de passagem, mostrado de maneira um tanto tímida. Eles se conheceram na universidade de Oxford e um dos primeiros diálogos da dupla já entrega os rumos da história.
Ryder teria que aprender a se vestir e falar melhor, adotar um novo comportamento e postura, enfim teria que moldar um personagem caso quisesse fazer parte da alta sociedade, ou seja, o rapaz de boa índole logo seria corrompido pela ganância, viveria intensamente tudo que o status poderia lhe proporcionar até chegar o momento de sua redenção. Em tese é isso mesmo que acontece, mas o problema é que essa transformação do protagonista não é bem construída, falta emoção a seus atos assim como para os demais personagens. Plyte parecia querer esconder sua família do namorado, mas eis que um dia decide levá-lo para Brideshead, a suntuosa propriedade de seu clã, mas o apresenta como um amigo para não afrontar a mãe, a Sra. Marchmain (Emma Thompson), uma católica fervorosa e autoritária que apesar de todos os seus esforços é frustrada por ver que dois de seus quatro filhos acabaram seguindo caminhos desvirtuados. Plyte adora uma farra e bebida, mas sua irmã Julia (Hayley Atwell) também não é nenhuma santa e logo começa a jogar charme para o novo hóspede. Embora Ryder se apresente com um ateu, não sendo motivado pela fé, ele logo conquista a confiança da matriarca que vê nele as chances de seu filho se redimir dos pecados. Ela não desconfia do caso que eles vivem, mas acredita que são grandes amigos e que a companhia de um rapaz decente pudesse endireitar Sebastian, contudo, as coisas só pioram depois que eles fazem uma viagem a Veneza para visitarem o Sr. Marchmain (Michael Gambon).
Julia mostra-se levemente revoltada com a fuga do pai para viver com uma amante italiana, Cara (Greta Scacchi), no entanto, tal gancho é desperdiçado, simplesmente justificado pelo fato do idoso não aguentar mais o ambiente sufocante de Brideshead, uma espécie de símbolo do auge da aristocracia que se negava a assumir seu declínio principalmente por conta dos esforços de sua ex-mulher. O patriarca volta nos minutos finais para explanar um pouco mais os dogmas religiosos que tanto crucificaram a vida das pessoas que passaram pelo casarão. Mas voltando a trama principal, é durante a visita a Itália que Julia e Ryder se aproximam, o que deixa Plyte deprimido e entregue ao alcoolismo. Observando o filho ainda mais distante dos princípios que lhe ensinou, sua mãe pede esclarecimentos ao pintor e, embora alienada, não deixa de perceber que existia algo a mais no relacionamento dos dois e tampouco que Julia também se envolveu com o rapaz, mas já deixa claro que até permitiria que a filha se unisse a alguém com nível de educação e posses financeiras levemente inferiores, mas jamais a alguém que renega os ensinamentos de Deus. Desse ponto em diante, o desajustado clã segue cada vez mais rumo ao abismo, sempre as voltas com problemas envolvendo a religião, seja sua prática exagerada ou a rejeição o que os tornariam indignos.
Caso concentra-se suas forças para contar uma história a respeito das consequências extremas do fanatismo religioso esta obra poderia ser muito envolvente, mas paralelo a estas questões o roteiro quer expor a contradição, pessoas infelizes vivendo em um ambiente de luxo. Tentando lidar com os dois assuntos, e ainda procurando desenvolver um triângulo amoroso, o diretor Julian Jarrold perde a mão e não consegue sucesso em nenhuma dessas linhas narrativas. É provável que o farto cardápio de opções a serem trabalhadas em torno da propriedade Brideshead o tenham deixado atordoado. Tal qual a oponente residência, o cineasta pretendia fazer da sua obra algo majestoso, baseando-se no romance "Memórias de Brideshead", do escritor inglês Arthur Evelyn Waugh. Certamente havia material para ser desenvolvido, mas Jarrold deve ter se deslumbrado com os aspectos técnicos da produção e esqueceu-se de polir a obra. Sua câmera parece mais preocupada em captar belas imagens ao invés das ideias e sentimentos que os personagens querem expressar, assim passeia e se perde em meio aos luxuosos cenários. A frieza de boa parte das imagens combina bem com a premissa da obra, no entanto, também atesta o vazio do conjunto.
Todo o envolvimento de Ryder com os moradores de Brideshead é narrado pelas memórias do próprio que inicia a trama no período da Segunda Guerra Mundial como um oficial do exército refletindo sobre tudo que viveu, sentenciando que naquele momento ele tinha poucos pertences: apenas seu nome e a culpa que carregava. Tudo o que viveu na alta sociedade foi uma mentira, emoções do homem que ele desejava ser e jamais conseguiu. O cinema já apresentou muitas histórias sobre pessoas que fizeram de tudo para serem aceitas em determinados grupos, o que acabou tornando o argumento e seus possíveis desenvolvimentos um tanto clichês, mas Brideshead – Desejo e Poder é um dos raros exemplos do tipo que podemos dizer que o envolvimento emocional do espectador é mínimo ou totalmente nulo. É comum que exista uma identificação do público com os personagens que buscam a ascensão, mesmo sabendo que a decepção não tarda. Talvez seja justamente a redenção que aguardamos para nos conformar com os rumos de nossas próprias vidas. No filme até existe uma lição de moral, mas de pouco efeito diante do distanciamento que se estabelece entre plateia e personagens, ainda mais quando dois deles simplesmente desaparecem e coadjuvantes passam a dominar as atenções em cenas esporádicas.
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