Nota 8 Longa desconstrói clichês do terror e reverencia ícones e estereótipos do gênero
Um grupo de jovens decide passar um final de semana em uma isolada cabana no meio de uma floresta, uma viagem movida a bebidas, drogas, sexo e.... Mortes! Tal argumento caberia como uma luva para centenas de títulos, assim como se encaixa perfeitamente para O Segredo da Cabana, mas não se engane com a alcunha genérica. Este não é um terror convencional, mas uma produção ímpar que ao mesmo tempo reverencia, desconstrói e também parodia (não no sentido pejorativo) chavões do gênero tendo como referência óbvia Uma Noite Alucinante – A Morte do Demônio. Quando Sam Raimi realizou esta obra ainda era apenas um aspirante a cineasta, mas transbordava criatividade e paixão por fazer cinema. Provavelmente não lhe passava pela cabeça de que o filme que realizou aos trancos e barrancos e na base de trucagens caseiras viria a se tornar um modelo para tantos outros diretores, ainda que os trabalhos dos pupilos por acaso inevitavelmente deixassem transparecer certa deficiência de personalidade. Não é o caso do longa em questão. Basicamente deitando e rolando sobre os principais clichês do cinema de horror, nem de longe lembra o estilo tosco e debochado da série Todo Mundo em Pânico graças ao tom de homenagem adotado pelo diretor Drew Goddard que pôde literalmente exorcizar seus monstros.
A metalinguagem se faz presente do início ao fim revelando os mecanismos que sustentam as produções de terror. A aguardada viagem que os estudantes planejavam a meses na realidade é uma armação da equipe de um macabro reality show onde cada um deles tem um personagem definido de acordo com suas personalidades para fins de estudos de psicologia ou algo assim. Dana (Kristen Connoly) é a puritana e certinha do grupo; Jules (Anna Hutchinson) é garota sexy e burra; Curt (Chris Hemsworth) é o esportista metido a valentão; Holden (Jesse Williams) faz as vezes do nerd sedutor; e, por fim, Marty (Fran Kranz) é o chapadão da galera, porém, com inteligência acima da media e o único a sacar os clichês dos filmes de terror que passam a atrapalhar a viagem. Nunca pare em um posto de gasolina aparentemente abandonado, se ouvir um barulho tarde da noite finja que nada aconteceu e durma e nem pensar em dar uma voltinha pela floresta em plena madrugada com a desculpa que está sem sono. Parecem situações óbvias, mas são elas que sustentam o gênero há décadas. É claro que nossos tolos personagens vão fazer tudo o que não deviam nesta viagem, como um casal que resolve transar no meio do mato e na escuridão para que ninguém os veja. E seguindo as regras impostas pelo lendário Michael Meyers de Halloween - A Noite do Terror e companhia bela, os libertinos morrem primeiro.
Curiosos e metidos a valentes, são os próprios jovens que provocam seu calvário ao lerem as inscrições de um macabro livro que acaba por despertar zumbis loucos por devorar corpinhos talhados em academia. Todavia, sempre que algo de impactante está para acontecer na cabana há uma inversão de expectativas com propositais cortes para a central que monitora o programa, onde pessoas como Sitterson (Richard Jenkins) e Hadley (Bradley Whitford) se divertem brincando de diretores e fazendo apostas para ver quem vai escapar com vida. Roteirizada pelo próprio Goddard em parceria com Joss Whedon, a trama não se limita à ação dentro da cabana. Assim que passam a ser caçados por mortos-vivos, com sequências para os amantes de gore se deliciarem, aqueles que sobrevivem ao primeiro round vão parar em uma espécie de bastidores do reality show onde vão descobrir que o pior ainda estava por vir. Neste último ato o filme surpreende com um inimaginável encontro de vilões, aberrações e monstros de diversas fitas de horror de várias épocas, um deleite para os cinéfilos de plantão. Referências óbvias à O Lobisomem, IT - O Palhaço Assassino, O Iluminado e A Bruma Assassina se misturam a criaturas genéricas como gárgulas, espectros, serpentes gigantes, médicos loucos e até uma versão estilizada do vilão de Hellraiser bate ponto. É como se ao conseguirem ultrapassar os limites do massacre inicial proposto pelo tal programa de TV os sobreviventes abrissem a caixa de pandora do terror e de fato precisassem provar merecer o direito à vida.
O insano clímax usa e abusa de referências e da violência cartunesca, sem se importar com qualquer lógica. Praticamente tudo que o cinema já apresentou com o intuito de suscitar medos é jogado na tela. O visual de algumas criaturas e o banho de sangue descaradamente falso pode incomodar os espectadores mais exigentes, mas o exagero e o trash casam perfeitamente com a proposta da produção. Assim, também é absolutamente compreensível a atuação propositalmente canastrona do elenco, afinal a ideia é de fato mostrar que o macho alfa só tem beleza, a loira burra de fato é uma biscate e por aí vai. Todos os perfis seguem uma ordem específica para serem limados pagando assim pelo terror que evocaram, segundo a explicação da diretora do programa dentro do filme interpretada em um ponta especial de Sigourney Weaver, uma homenagem não explícita ao clássico Alien - O Oitavo Passageiro, reiterando que a apreciação do filme não é a mesma por verdadeiros amantes de cinema e por aqueles que só querem diversão escapista. Pena que o desfecho não trabalha muito bem o gancho didático de explicar como se desconstrói os alicerces do horror, parecendo que Goddard não sabia muito bem como finalizar uma obra com propósito tão grandioso. Não que seja uma novidade brincar com tais clichês. Pânico já havia feito isso muito bem anos antes limitando-se ao universo dos seriais killers, um perigo mais real.
O Segredo da Cabana veio para homenagear e parodiar o que amedronta o subconsciente coletivo, as criaturas que o cinema ajudou a idealizar e que perturbam nosso sono. É interessante que no fim a tensão é quase nula já que a narrativa se divide em duas tramas simultâneas. Ao mesmo tempo que acompanhamos a noite alucinante dos jovens na cabana e seus arredores, também presenciamos a manipulação dos acontecimentos por meio de uma equipe técnica e de cientistas que direcionam o grupo a cometer todas as falhas possíveis em um ambiente que exala perigo, como subir a temperatura para forçar a piriguete a ficar seminua e assim merecer sua morte. Assim, de quebra, o longa acaba fazendo também uma crítica à mídia em uma época de boom dos realities shows, programas que de realidade não tem nada e sobrevivem de acordo com os interesses de seus realizadores. Para quem gosta de um filme diferenciado é um prato cheio e obrigatório aos cinéfilos, amantes ou não de terror.
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