Nota 8 Thriller nacional tem estilo próximo de filmes americanos quanto a agilidade e narrativa
O cinema nacional já deixou há muito tempo de ser sinônimo de filmes bobos ou de conteúdo duvidoso e cada vez mais está conseguindo se destacar em diversos gêneros. Algumas pessoas reclamam da repetição de temas como miséria e violência expostos em cenários de periferia ou tendo a aridez nordestina ou a paisagem rural como fundo. Bem, realmente vira e mexe as nossas produções enfocam personagens que retratam as pessoas marginalizadas que vivem em áreas com condições de vida precária, sejam elas de boa ou má índole. Grandes sucessos já surgiram a partir dessas temáticas, como Central do Brasil e Cidade de Deus, mas é muito maior o número de fracassos de público que surgiram visto que alguns cineastas enveredam pelo caminho da violência e da sexualidade exageradas em busca de reconhecimento da crítica sem se preocupar se realmente é isso que os espectadores esperam. Esses profissionais tendem a criticar aqueles que trabalham com um cinema mais comercial e cuja estética até se aproxime do que se espera de uma produção estilo Hollywood, guardada as devidas proporções obviamente. O fato é que existem diversos filmes muito bons em nossa filmografia que acabaram sendo prejudicados pela overdose de títulos com temas semelhantes e é claro que o preconceito com o cinema brasileiro ainda existe e continua causando impactos negativos. Verônica é uma vítima disso.
Mesmo trazendo à tona um enredo que toca no tema violência e pobreza, tudo é tratado de forma menos chocante, porém, sem perder o foca na realidade. Fazendo denúncia social, a história é centrada em uma mulher do povão que vive em um pequeno apartamento do subúrbio, tem um jeitão de valentona e fala o que lhe vem a cabeça. Professora frustrada, de repente ela se vê em meio a uma intriga envolvendo um menor de idade e perigosos bandidos. Por estas poucas palavras já dá para sentir a inspiração nos filmes policiais americanos. Por que quando os ianques reciclam a fórmula pela centésima vez ainda tem pessoas prestigiando e na vez do Brasil tentar fazer sua versão o público apedreja? Verônica (Andréa Beltrão) é uma professora da rede municipal que enfrenta no dia a dia um cotidiano barra pesada com assaltos, tráfico de drogas e homicídios. Após muitos anos no cargo, ela já está cansada e sem paciência com os alunos, porém sua vida sem graça vai ganhar uma injeção de adrenalina. Um dia, ao sair do colégio, ela percebe que ninguém veio buscar o pequeno Leandro (Matheus de Sá) e decide levá-lo até em casa. O garoto mora em uma favela que está cercada pela polícia. Justamente os pais de Leandro, que tinham ligação com marginais e atividades criminosas, foram assassinados naquele dia.
O menino então também está jurado de morte e Verônica decide levá-lo para sua casa para escondê-lo, mas eles passam a ser perseguidos por bandidos e por policiais envolvidos nos assassinatos. Começa assim uma corrida pela sobrevivência e a professora acaba redescobrindo sentimentos que há muito tempo não sentia ou que jamais sentiu, como o instinto maternal. Reunindo todos os ingredientes necessários para conquistar a atenção do espectador do início ao fim, o filme é um thriller com roteiro competente e enxuto, sem palavrões em excesso e tampouco uma única cena de nudez sequer, o que já são pontos bastante positivos para quebrar a imagem negativa que alguns ainda perpetuam sobre o cinema brasileiro. O diretor Maurício Farias, casado na vida real com a protagonista e responsável por filmes como O Coronel e o Lobisomem, imprimiu ao longa um ritmo televisivo e sem firulas de cineasta deslumbrado. Dizer que essa produção é ruim é o mesmo que assumir preconceito com nosso cinema. Muitos dizem que a ideia central é idêntica a do filme americano Glória, de John Cassavetes, que já foi refilmado por lá, mas não há problema nisso. Se esperarmos criatividade, o cinema mundial praticamente já estaria extinto, pois ele é movido pela repetição de temas.
Beltrão, mais reconhecida por suas atuações em projetos de humor, é o grande centro das atenções, provando que sabe fazer muito bem papeis dramáticos. A imagem de humorista é totalmente sucumbida por sua interpretação de mulher amargurada e ranzinza que aos poucos amolece o coração. Seu modo particular de demonstrar afeto pelo garoto que acolhe é o ponto-chave para tornar crível a personagem, acentuando o caráter realista da obra. Ela não é má e também não é totalmente um exemplo a ser seguido, simplesmente é um tipo comum que precisa conquistar sua dignidade e manter sua honra diariamente. Mal vestida e com cabelos desgrenhados, diariamente ela enfrenta uma turma de alunos que só consegue comandar na base do berro e da imposição da autoridade e nem assim tem sucesso. Está sofrendo com a doença da mãe que depende do ineficiente sistema público de saúde (um gancho infelizmente mal explorado) e sua única diversão é comer vez ou outra uma pizza na companhia de sua televisão. Verônica representa milhares de pessoas que vivem em situações difíceis e que estão espalhadas por todo o Brasil, mas governantes e empresas dos mais diversos bens de consumo não estão nem aí para elas, aumentando dia após dia a desigualdade social por meio de impostos, produtos e tantas outras formas de cobranças.
É preciso desatrelar a ideia de que filme nacional bom tem que ter Selton Mello ou Wagner Moura no elenco. Aqui uma mulher assume as rédeas da situação e conduz uma produção que é mais um registro atemporal que poderia perfeitamente acontecer com qualquer um e nos leva a perguntar onde estão as leis e a justiça quando realmente precisamos. A ambientação e situações mostradas seriam perfeitamente cabíveis em uma trama que se passasse há trinta anos ou, pelo andar da carruagem, continuará atual pelos próximos anos. Sem grandes pretensões devido aos poucos recursos financeiros para investir, Verônica passou rapidamente pelos cinemas sem causar frisson, mas é um dos melhores produtos comerciais da safra nacional sem precisar apelar para sexo, xingamentos a cada cinco minutos ou violência explícita. Um aviso: o final não é convencional e deixa para o espectador tirar suas próprias conclusões e refletir sobre todo o conteúdo exposto.
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