quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

OS INTRUSOS


Nota 7  Criminosos e vítimas invertem papeis em mais um filme a explorar o tema invasões de casas


O "home invasion" deixou de ser apenas um argumento para se tornar um subgênero do suspense/horror. A premissa é sempre a mesma. Proprietários ou visitantes de residências em lugares remotos acabam se tornando alvos de invasores que torturam ao máximo suas vítimas e sem nenhum arrependimento as matam quando julgam o melhor momento. Choca que geralmente tais episódios não acontecem por causa de roubos e sim por pura maldade de criminosos insanos. Temos Vagas, Os Estranhos, Violência Gratuita... A lista de títulos a explorar o filão é grande e engrossada pelos serviços de streaming que viram na seara uma forma barata de ampliar seus catálogos visto que são produções com elenco enxuto e quase sempre desenvolvidas em um único cenário. Nem sempre as vítimas conseguem sobreviver, o que gera revoltas de alguns espectadores mais tradicionais que torcem pela punição ou redenção dos vilões, mas para sacudir ainda mais as expectativas existem exemplares que apostam na inversão da temática colocando os criminosos em apuros ao mexerem com as pessoas erradas como Doce Vingança, Você é o Próximo e Os Intrusos.

Vagamente baseado na graphic novel "Une Nuit de Pleine lune", do artista belga Hermann Huppen, a trama começa mostrando um grupo de amigos planejando invadir uma casa no interior da Inglaterra em busca de uma suposta fortuna guardada em um cofre secreto. Nathan (Ian Kenny), é o líder da gangue, Terry (Andrew Ellis) compactua ainda que receoso e Gaz (Jake Curran) demonstra índole psicopata. Por estar no lugar e na hora errados, Mary (Maisie Williams), a namorada de Nathan, acaba por tabela sendo envolvida na ação que, teoricamente, parecia muito simples. Era só aproveitar a ausência dos donos da casa para invadi-la e pegar o que almejavam, mas claro que eles não perdem a oportunidade de deliberadamente explorar e destruir a construção. Com essa perda de tempo, as coisas saem do controle com o retorno inesperado do casal de proprietários, o médico Richard Huggins (Sylvester McCoy)  e sua esposa mentalmente doente Ellen (Rita Tushingham). Mesmo assim, por serem idosos, a gangue acreditava que seria fácil amedrontá-los e conseguir roubar a fortuna que buscavam. Ledo engano. Em questão de minutos os jovens passam de algozes para a posição de vítimas do casal que não medem esforços para tocar o terror.


O roteiro de Mathieu Gompel, Geoff Cox e do francês Julius Berg, este também assinando a direção, oferece um jogo de gato e rato bastante intrigante, marcado por boas cenas de tensão e embalado por uma trilha sonora nervosa que raramente permite que a adrenalina do público diminua, tampouco as expectativas quanto a cenas de violências explícitas. No fundo, o longa não traz novidades e apenas parece fruto da junção dos argumentos de O Homem nas Trevas (criminosos tornando-se vítimas) com A Visita (idosos estranhos e perversos), mas nem por isso deixa de causar tensão e manter o público desequilibrado quanto ao que pode acontecer, mostrando que você nunca estará totalmente preparado para a próxima revelação. Por exemplo, Terry, cuja mãe trabalha para os Huggins, faz referências enigmáticas ocasionais a Kate, a filha falecida do casal. O enredo enveredaria para o caminho do sobrenatural? Tal dúvida potencializa a sensação de que seremos surpreendidos a qualquer momento, só não sabemos quando  e se de fato pelo que estamos aguardando.

À medida que a narrativa avança, temos informações mais profundas das relações entre os personagens delinquentes. Embora pareçam ter envolvimentos sólidos uns com os outros, ao mesmo tempo revelam ironicamente o quão pouco sabem sobre cada um. Por ter entrado de gaiata nessa ação desastrosa, Mary acaba roubando o protagonismo para si, a figura central do enredo. Enquanto seus amigos vão sendo desarmados um a um, ela se mantém firme no propósito de sobreviver ao pesadelo proposto pelo casal de idosos. Aliás, na verdade, eles são os verdadeiros protagonistas visto que são os perfis mais desenvolvidos e complexos. O comportamento perturbadoramente calmo do Dr. Huggins e os rompantes de fúria de sua esposa fundamentam o filme ao mesmo tempo que o torna incrivelmente cheio de suspense. Junte a isso uma boa dose de humor-negro e temos uma obra divertida e insana (no melhor sentido da palavra), que só perde pontos devido a algumas decisões esdrúxulas que o diretor toma aqui e acolá.


No estranhamento e no inusitado, Os Intrusos encontra subsídios  para se colocar como algo que merece certa atenção, destacando-se a ambientação isolada e soturna, os bizarros vilões e até mesmo a fotografia propositalmente envelhecida. Os minutos finais são um delicioso pesadelo prolongado, finalmente respondendo às dúvidas dos espectadores e revelando o terror que se esconde por trás daquilo tudo. Ainda assim, é perceptível que o longa poderia render mais se Berg não optasse por resoluções óbvias que ressaltam a sensação de repetição, haja visto a grande quantidade de narrativas com temáticas acerca de invasões que, diga-se de passagem, cada vez exploram menos o lado de suspense das propostas preferindo focar na violência explícita. Quanto mais sadismo empregado melhor, eis a regra que parece prevalecer e gerando produções cada vez mais desprovidas de identidade própria e que apenas reciclam argumentos previsíveis. 

Suspense - 92 min - 2020

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