Longa faz paródia de conto clássico colocando a Rainha Má como personagem principal
A maioria dos contos de fadas são histórias criadas há
séculos atrás que sofreram diversas modificações com o passar dos anos e
através de suas inúmeras versões literárias, teatrais, televisivas e
cinematográficas. Comumente, mas erroneamente, consideramos as tramas originais
aquelas adaptadas pelos estúdios Disney e como lendas europeias, mas na verdade
atualmente pouco sabemos sobre as reais origens desses textos clássicos e
encantadores. Muitos dizem até que tais contos podiam ter desfechos de arrepiar
e macabros. Assim, reinventar estas histórias ou tentar apresentá-las o mais
próximo possível da maneira como foram concebidas se tornaram um campo fértil
para o cinema. Depois de Alice no País das Maravilhas e A Garota
da Capa Vermelha, projetos que foram duramente criticados, praticamente na
mesma época duas produtoras resolveram resgatar o conto “Branca de Neve e os
Sete Anões”, cada uma com uma abordagem diferente. Um destes trabalhos é Espelho,
Espelho Meu. O diretor indiano Tarsem Singh, do psicodélico A
Cela e da batalha épica Imortais, tratou de dar um enfoque diferente
a versão tradicional que conhecemos do conto e deixou nos cenários e figurinos
extravagantes sua marca registrada. O enredo criado por Mellissa Wallack e
Jason Keller começa nos moldes de Encantada com uma animação
revelando o início de vida de Branca de Neve através da narração sarcástica em
off da Rainha Má. Após esta breve introdução os atores de carne e osso entram
em cena. Lily Collins assume o posto de mocinha e Julia Roberts o de vilã. Aos
18 anos de idade, Branca de neve vive enclausurada no castelo de seu falecido
pai, mas está sob os cuidados de sua malvada e vaidosa madrasta que deseja se
casar com o príncipe Andrew (Armie Hammer) e salvar as finanças do reino. Estes
personagens, assim como outros, têm perfis diferentes dos que estamos
acostumados. A jovem donzela de pele clara e cabelos escuros não é indefesa.
Corajosa e espevitada, é ela quem salva o príncipe em uma de suas escapadas do
castelo. Tão belo quanto desastroso, ele foi assaltado por um grupo de sete
anões saqueadores montados em pernas-de-pau. Depois disso ele é apresentado à
rainha que imediatamente o elege como a sua tábua de salvação para poder
continuar vivendo de luxos. Todavia, os planos da rainha vão por água abaixo quando ela
descobre que Andrew está apaixonado por sua enteada. Para tirá-la do caminho,
ela ordena que Brighton (Natan Lane), um de seus mais fiéis e pegajosos
súditos, dê cabo da vida de Branca de Neve. Porém, o rapaz é muito agradecido
ao antigo rei e decide poupar a princesa. A garota então foge para a floresta e
se une ao bando de anão-ladrões que na verdade formam um grupo de revoltados
que rouba dos ricos para dar aos pobres. Já que a ideia é brincar com várias
referências, é claro que citações a problemas contemporâneos não faltam. Os
roteiristas, por exemplo, adicionaram uma sequência em que a rainha exige
impostos mais caros do povo simplesmente para realizar o capricho de oferecer
uma festa ao príncipe. Os cidadãos comuns, por sua vez, se organizam para lutar
contra os abusos do governo. De qualquer forma ninguém deve esperar que esta
comédia seja algo na linha “escracho sem noção” de Deu a Louca em
Hollywood ou sátira inteligente no estilo Shrek. A reinvenção do
conto da Branca de Neve no geral é inocente e previsível, o que explica a sua
fraca repercussão nas bilheterias, críticas e no boca-a-boca do povo.
Esperava-se mais desta produção que poderia ser a pedra no sapato de Branca
de Neve e o Caçador, o segundo filme do ano a beber na fonte do famoso conto de
fadas e estrelado por Kristen Stewart (que também não causou o frisson que
prometia). Falando em elenco, a Branca de Neve de Lily Collins não é das
princesas mais cativantes que o cinema já nos apresentou. A ideia do longa
seria mesmo inverter as ordens das coisas e deixar a jovem em segundo plano e
trazer a madrasta para o centro das atenções, mas a certa altura, como não
poderia deixar de ser, a heroína é requisitada para ocupar o posto principal
mesmo sendo tarde demais para ela conquistar a simpatia do espectador.
Julia Roberts rouba a cena em papel atípico em seu currículo
e que certamente a coloca em contato com uma nova geração de fãs que manterão
seu nome em evidência no futuro. Outrora queridinha de Hollywood, a atriz há
anos não tem um grande papel e se aqui não encontra algo nesse patamar, no
mínimo ela consegue provar que não está amarrada a um ou dois tipos de
personagens. Deixando o semblante de moça boazinha e romântica de lado, ela
exala vitalidade como uma rainha excêntrica e capaz de verdadeiras loucuras,
ainda que algumas situações sejam um tanto forçadas como se submeter a um
tratamento estético bizarro. Seu bom desempenho e, obviamente, sua fama
acabaram tornando-se o carro-chefe da campanha de marketing do longa. Realmente
realizar mudanças em contos clássicos cada vez mais se torna uma opção de
risco. Tudo que hoje possa ser criado pode parecer ultrapassado ou ter povoado
a mente de qualquer criancinha, lembrando que há poucos anos também foi lançada
a animação Deu a Louca na Branca de Neve. É certo que este trabalho de
Singh acabou sendo avaliado por boa parte da crítica como uma diversão
inofensiva, aquele típico produto a ser figurinha fácil nos repetecos da TV
futuramente. Já outros não pouparam farpas contra o diretor, principalmente
pela adoção do estilo kitsch para o visual da produção, mas se esqueceram de
ressaltar que ele soube respeitar os próprios limites de sua criação. Talvez as
especulações da imprensa e dos cinéfilos ligados nas redes sociais tenham dado
à Espelho, Espelho Meu uma dimensão muito maior do que o projeto
era desde o início e assim a decepção é inevitável. De qualquer forma, para
quem quer um momento de relax é uma ótima pedida. Ah, preste atenção nos
créditos finais. Além de mostrar os desfechos dos anões fora-da-lei, também há
um número musical na melhor tradição de Bollywood (como é chamada a indústria
de cinema indiana).
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