NOTA 6,0 Investindo em piadas previsíveis e deixando o elenco infantil a vontade, comédia é rara opção para família toda sem constranger |
A vida moderna exige que
homens e mulheres cada vez mais abandonem o desejo de formar famílias,
preferindo a liberdade da solteirice ou no máximo a confiança que deve ser
compartilhada em uma relação a dois. Agora quando entre um terceiro e pequeno
elemento nessa união as coisas complicam. Um casal pode ser feliz só se
encontrando a noite e/ou fins de semana, mas os filhos não podem ser
prejudicados pela ausência dos pais devido a compromissos de trabalho ou com
estudos. É um verdadeiro dilema. A solução nesses casos é colocar as crianças
em escolas ou creches onde seriam cuidadas por profissionais especializados e
ainda vivenciariam atividades educativas e recreativas, além de tomarem contato
com outras pessoas da mesma idade aprendendo no dia-a-dia noções de educação,
disciplina e tolerância. Parece perfeito, isso se os pimpolhos não forem
matriculados em uma instituição amadora como a que serve de cenário para A
Creche do Papai. Bem, pelo menos inicialmente o local não é nenhum
exemplo arrebatador, servindo mesmo apenas aos pais desesperados que veem o
lugar como última solução. A trama roteirizada por Geoff Rodkey mostra como
dois homens com carreiras promissoras se viram de uma hora para a outra numa
pior, mas deram a volta por cima aos trancos e barrancos. Charlie (Eddie
Murphy) e Phil (Jeff Garlin) trabalhavam na área de publicidade de uma grande
empresa alimentícia e tinham pouco tempo para passar com seus filhos, mas após
falharem em uma campanha para divulgar um cereal à base de vegetais os dois são
demitidos. Agora, enquanto suas esposas saem para trabalhar, eles são obrigados
a cuidarem de suas crianças, mas não levam o menor jeito para a coisa. Eles decidem
colocá-los em uma creche para poderem se dedicar a busca de um novo emprego,
mas na região em que vivem a única disponível é a metódica e rígida instituição
Chapman Academy comandada com punhos de ferro pela Srta. Gwyneth Harridan
(Anjelica Huston). O modelo de educação opressor é dos males o menor. O preço é
o real problema. Cada mês equivale ao pagamento de um ano de uma creche comum.
O jeito então é os pais se virarem como podem, embora Ben (Khamani Griffin),
filho de Charlie, seja até bastante quietinho, contentando-se com as inúmeras
vezes que seu pai brinca com ele de “foguetinho”, ingenuamente acreditando
estar cuidando bem do garoto.
Os dias passam e Charlie está
convencido de que está se saindo bem nas funções de babá tanto quanto o
desajeitado e gordinho Phil. Se eles estão dando conta de uma criança cada, que
mal faria se eles se unissem para cuidar de mais umas oito ou dez se isso
gerasse algum tipo de lucro? E é com esse avoado pensamento que eles decidem
abrir a tal “Creche do Papai” e rapidamente preparam alguns panfletos para
distribuir na região, afinal de contas o essencial para cuidar dos pequenos
eles já tinham em casa: doces e brinquedos. Muitos pais se decepcionam ao
descobrirem que são homens que cuidarão das crianças, mas outros não dão a
mínima e deixam claro que qualquer um que ficar com seus anjinhos por algumas
horas estarão lhes fazendo um favor e tanto. O dia-a-dia mostra que as coisas
não são fáceis como pareciam. Cada criança tem uma personalidade diferente e
choros, brigas e muita bagunça esperam pela dupla responsável pela creche a
cada novo nascer do Sol, isso sem falar nos imprevistos envolvendo necessárias e
urgentes idas ao banheiro (comendo tanto besteira já dá para imaginar a piada
clichê que vem por aí). Contudo, a liberdade que eles dão aos pequenos cativa a
todos eles que certamente elogiam a instituição aos pais e estes tratam de
fazer um boca-a-boca favorável, de modo que logo o número de pimpolhos
matriculados passa a aumentar significativamente, inclusive levando alunos da
Chapman Academy trocarem de escola. Ao ver suas salas de aula quase entregues
às moscas, a Srta. Harridan resolve tomar providências, mesmo que precise
lançar mão de meios ilegais para acabar com a concorrência assim como fez no
passado com outras pedras em seu caminho. Enquanto isso, a casa de Charlie é o
paraíso dos menores indisciplinados, não parecendo existir limites para a
diversão. É óbvio que para atender seu público-alvo esta comédia investe na
zoeira da gurizada, no jeito naturalmente patético de Garlin e nas caretas e
espontaneidade de Murphy, este beneficiado pela direção de Steve Carr com quem
já havia trabalhado em Dr. Dolittle 2. Aliás,
o projeto parece ter sido idealizado exclusivamente para o ator que na época
estava com a carreira em crise. Outrora garantia de sucesso para tudo que
levasse seu nome, ele acumulava no início dos anos 2000 como único trabalho
relevante a dublagem do personagem Burro de Shrek
e suas continuações. Contudo, o humor de seu parceiro se sobressai neste caso.
Com esta comédia que marcou
a volta de Murphy às grandes bilheterias, também ressurgiu a esperança de que
um humor mais recatado e familiar ainda tinha espaço. Apesar de piadas fáceis,
previsíveis e algumas escatológicas, tudo é aceito com maior facilidade por
estarmos diante da inocência infantil. A maioria das situações de humor, que
vão desde imaginar-se sendo um famoso super-herói a realizar literalmente uma
merda no banheiro, passam pelo crivo dos adultos que compreendem que as ações
são feitas para entreter e se comunicar com o público infantil, pessoas que
assim como as estrelinhas da fita ainda não tem o discernimento do que é certo
e errado, mas isso não quer dizer que os maiores de idade não vão se divertir,
podendo inclusive lembrar-se vagamente de clássicos antigos estilo sessão da
tarde como Um Tira no Jardim de Infância
no qual o grandalhão Arnold Schwarzenegger tenta domar um turminha endiabrada.
Em meio a tanta algazarra, tendo obviamente seu ápice em meio a um dia
ensolarado no parque, situação providencial para a vilã da trama dar o bote
final, é alinhavado paralelamente um entrecho mais dramático envolvendo a união
de Charlie e Phil a seus filhos, mas o ponto forte acaba sendo a entrada de um
terceiro funcionário na creche. Um fiscal faz uma vista surpresa para avaliar
as instalações e o trabalho dos papais e diz que pelo número de matriculados um
outro cuidador seria necessário. Coincidentemente neste dia eles recebem a
visita de Marvin (Steve Zahn), um amigo da dupla que parece ter a mentalidade e
o espírito infantil aflorado, e imediatamente ele é nomeado para trabalhar,
diga-se de passagem, quem realmente fará as vezes de educador talvez sem
perceber. Com referências à cultura pop e humor sadio que pouco afronta a
inteligência do espectador (isso se ele levar de boas a produção sem deixar o
seu lado crítico falar mais alto), A Creche do Papai é um exemplo raro
neste início de século de comédia que pode ser vista em família sem pudores, um
trabalho simplório, mas agradável, eficiente e que dentro da irregular
filmografia de Murphy é quase um tesouro. A conclusão feliz já é conhecida de
antemão, mas o grande senão da obra é o destino dado a personagem da talentosa
Anjelica Huston, uma cena improvável para uma atriz de seu porte.
Comédia - 93 min - 2002
Nenhum comentário:
Postar um comentário