sexta-feira, 10 de junho de 2016

O REINO DOS GATOS

NOTA 8,0

Animação dirigida por pupilo
de Hayao Miyazaki preserva
características que consagraram
sua carreira e seu estilo de cinema
Desde que conquistou uma penca de prêmios por A Viagem de Chihiro, incluindo o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o Oscar de Melhor Filme de Animação, o nome Hayao Miyazaki se transformou em uma grife, uma marca que inspira confiabilidade, criatividade e credibilidade e por tabela os mesmos predicados se estendem ao seu estúdio de cinema, o Ghibli. Desde então cinéfilos aguardam com ansiedade cada trabalho novo do animador, embora já esteja com bastante idade, e ficam na expectativa de que suas obras antigas venham ainda a ser relançadas para novas gerações apreciarem. Com a boa receptividade de O Castelo Animado, mais um de seus projetos que ganhou projeção em parte por conta de mais uma indicação da Academia de Cinema, chegou a ser lançado diretamente em DVD no Brasil o simpático e agradável O Reino dos Gatos que contou com a publicidade de ser uma realização dos mesmos criadores do citado vencedor do Oscar. Todavia, Miyazaki neste caso cedeu o cargo de direção para um de seus pupilos, Hiroyuki Morita, um dos animadores que há anos colaborava com seu estúdio. Realmente as características do mestre da animação oriental estão em cada cena deste desenho, guardadas as devidas proporções obviamente, provando que seu estilo foi perpetuado e continuará encantando novas gerações através do talento e criatividade de novos profissionais. O roteiro de Reiko Yoshida é bastante simples, mas agregado ao estilo visual tradicional, praticamente uma novidade em tempos da febre dos desenhos digitais, o resultado final é delicioso e com potencial para agradar a todas as idades. Haru é uma garota que leva uma vida normal como qualquer outra da sua idade, porém, considera sua rotina um tanto monótona e parece não gostar muito da escola. As coisas mudam completamente a partir do dia que ela encontra na rua um lindo gato carregando uma caixinha de presente na boca. Distraído, ele quase é atropelado, mas a jovem o salva e como agradecimento ele fica de pé sustentado por suas duas patas traseiras e desanda a falar. Assustada ela foge, mas na mesma noite fatos estranhos passam a ocorrer, por exemplo, quando está indo dormir Haru escuta barulhos do lado de fora de sua casa, sons provocados por um cortejo felino que parece querer chamar sua atenção.

Os bichanos que repentinamente cercam a casa de Haru vieram diretamente do Reino dos Gatos e o próprio Rei dos felinos vem pessoalmente agradecê-la por ter salvo nada mais nada menos que a vida de seu filho, o Príncipe Lune. Como recompensa ela é avisada que a partir da manhã seguinte sua vida será diferente com novidades acontecendo a sua volta. Dito e feito. Ao acordar, o jardim de sua residência está repleto de plantas que lembram a rabos de gatos e no armário que usa na escola se surpreende ao encontrar felinos caçando ratos. Por onde quer que olhe estes animais estão cercando-a, o que a deixa levemente inquieta, mas seu humor muda quando é convidada para visitar o Reino dos Gatos pessoalmente, uma espécie de mundo paralelo, porém, marcado pela relação conturbada entre felinos representantes da elite e os plebeus que não confiam totalmente no caráter do Rei. Qualquer semelhança com constantes e antigos problemas da realidade dos humanos não é mera coincidência. Ao aceitar fazer a visita, Haru escuta uma voz dizendo que ela deve encontrar o gato branco que a levaria até o Barão. Sem dar muita importância ao aviso, quando menos espera um felino de pêlos claros como a neve cruza seu caminho e a leva até uma pequena casa onde vive o tal Barão, um bichano metido a esperto e bem vestido. É aí que a jovem percebe que o que acreditava ser uma grande brincadeira no fundo é um tanto sério. Ela foi atraída até aquelas terras porque o Rei deseja vê-la casada com seu filho e logo uma comitiva real chega para buscá-la. O fato de ser humana não é problema, pois aos poucos ela está se transformando em uma felina também podendo assim o matrimônio ser realizado, mas Barão e o gato branco farão o possível para impedir a união e devolvê-la ao mundo dos humanos. Como é de praxe nas animações da grife Ghibli, a personagem principal mais uma vez está envolvida em um conflito fantasioso e abandona sua realidade para conhecer um mundo a parte onde tudo parece possível e repleto de personagens bizarros. Por conta da curiosidade em seguir um gato branco e parar em uma terra desconhecida, há quem possa achar semelhanças entre esta obra e o clássico conto “Alice no País das Maravilhas”, mas na realidade a inspiração do projeto, cuja ideia inicial partiu de Miyazaki, surgiu de uma graphic-novel chamada “Baron, The Cat Baron”, de Aoi Hiragi, lembrando que os japoneses adoram gatos, animais considerados símbolos de felicidade e sorte.

Estreando na direção solo de longas-metragens, Morita foi bastante feliz com suas escolhas e o resultado que obteve. Embora não seja um dos principais títulos do estúdio Ghibli e sua repercussão seja consideravelmente bem inferior a que teve os premiados longas de Miyazaki já citados aqui, é certo que este passeio maluco por um mundo habitado por felinos vivendo situações que fazem metáforas ao comportamento humano possui uma narrativa muito mais acessível ao público infantil. Atrelado ao visual humilde que ostenta esta obra facilmente pode ser rotulada como um produto exclusivo para crianças pequenas, mas as coisas não são bem assim. A introdução simples e de fácil assimilação pode enganar, mas o que está por vir é uma aventura bem elaborada e com momentos de grande intensidade. Obviamente não espere sequências de pura adrenalina, embaladas por musiquinhas pop e entrecortadas por rápidas piadas, modelo que marca as animações computadorizadas. A simplicidade da proposta é refletida no estilo narrativo e até mesmo no abuso de tons pastéis em vários momentos, mas vale lembrar que visualmente há um interessante contraponto entre o mundo sem graça que Haru enxerga em sua realidade e o universo frenético que conhece quando está prestes a se tornar uma gata, pequenas sutilezas que fazem toda a diferença. A construção dos personagens também é ponto forte da obra, cada qual com características de fácil identificação e até a turma de “vilões”, se é que eles existem na trama, acabam parecendo simpáticos ao espectador devido a leveza do texto que conta com certo ar irônico, principalmente por no fundo tratar das relações que tentam ser estabelecida entre diferentes tipos de criaturas, não faltando nem mesmo a hierarquia de separar os nobres e os plebeus, os que mandam e aqueles que devem obedecer, ainda que neste segundo grupo exista um bom número rebeldes que são contra as ideias e atos do Rei. O Reino dos Gatos, no final das contas, acabou se tornando uma animação que infelizmente não achou seu público. As crianças podem erroneamente considerá-lo complexo demais e os adultos um produto infantilizado ao extremo, mas estes são pré-julgamentos que devem ser esquecidos. Quem gosta de boas histórias e acredita no potencial das animações em estilo mais convencional deve se entreter e se emocionar, ainda mais se prestar atenção na belíssima trilha sonora que, para não quebrar a tradição desse tipo de filme, trata de concluir a produção com uma belíssima canção. Ok, só quem entende japonês deve compreender a letra da música, mas ao menos a melodia tem o poder de ser universal e tocar corações.

Animação - 72 min - 2002

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