sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

JOGOS MORTAIS

NOTA 7,0

Marco do terror, longa aposta em
violência gráfica, estética suja e
vilão que não mata, apenas provoca
e assiste com prazer suicídios
Toda geração merece um grande filme de terror para marcá-la. Quem não tem um exemplar do gênero como uma recordação da juventude, seja pelas noites de insônia que ele lhe causou, a terapia forçada que exigiu, a zoeira com os amigos ou a desculpa para poder dar uma namoradinha? A turminha dos anos 2000 estava fadada a não ter essa lembrança em meio a tantas produções fracas, sequências desnecessárias e muitas refilmagens, mas eis que em 2004 um diretor estreante tomou de assalto o mundo todo com Jogos Mortais, um verdadeiro fenômeno do cinema em diversos sentidos, a começar por suas raízes.  Recém-formados no curso de cinema, o diretor James Wan que assina o roteiro em parceria com seu colega de faculdade Leigh Wahnnell, também ator, rodaram uma única cena do filme e com ela buscaram o apoio de um estúdio para financiar o projeto. Recepcionados com reticências na maioria das visitas, eles conseguiram alcançar seus objetivos, mas o longa inicialmente seria lançado diretamente em DVD, porém, exibições-teste comprovaram o potencial do material. De trabalho amador desacreditado o filme acabou ganhando a honra de encerrar o Festival de Toronto e faturou muito mais que seu baixo orçamento que foi consumido em inacreditáveis 18 dias de filmagens. Essa é a prova que dinheiro não é tudo no cinema. Criatividade ainda vem em primeiro lugar e abusando de uma trilha sonora pesada, estética suja, câmera tremida e violência gráfica Wan praticamente fez um projeto amador com pompa para se tornar inspiração para outros cineastas, o que de fato aconteceu, embora projetos com repercussão bem menor. A história é das mais claustrofóbicas possíveis, coisa que a muito não se via no cinema de horror. Dois estranhos, Dr. Lawrence Gordon (Cary Elwes) e o fotógrafo Adam (Wahnnell), despertam atordoados dentro de uma banheiro imundo e cheio de sangue por todos os lados, ambos acorrentados e sem a menor ideia de onde estão e do que aconteceu. Esta cena não é o ápice do longa, pelo contrário, é só a primeira sequência torturante entre tantas outras que virão a seguir. Cada personagem está de um lado do banheiro preso a canos das paredes, o que limita bastante seus movimentos, e entre eles existe o cadáver de um homem que aparentemente atirou contra sua própria cabeça e junto do corpo existe um gravador e em seu bolso uma fita cassete na qual existem instruções para um macabro jogo de tensão psicológica. Conforme as horas passam e suas verdadeiras personalidades e segredos são revelados, a dupla descobre a automutilação como forma de tentar saírem com vida de lá, porém, apenas um restaria para contar história. Esta é uma obra que parece ter sido concebida a partir de sua conclusão. Tendo o fim já delineado em suas mentes, Wahnnell e Wan foram construindo um quebra-cabeça engenhoso capaz de fazer o espectador ter vontade de rever imediatamente o filme a fim de juntar as peças mais cautelosamente após o primeiro impacto.

Hoje é óbvio que muitos já passaram adiante os detalhes da narrativa, mas para aqueles que ainda não viram fica a grata surpresa de se sentir fazendo parte do filme já que ele começa sem grandes explicações. O espectador vai se familiarizando com a trama conforme os personagens vão trocando e recebendo informações, pistas que precisam ser recolhidas para uma compreensão melhor do final, diga-se de passagem, um desfecho que agrada e desagrada o público em proporções semelhantes.  Mas afinal quem é o responsável por prender estes dois desconhecidos e quais suas intenções? Quem comanda os tais jogos mortais é o assassino Jigsaw (Tobin Bell), apelido que significa enigma. Ele é chamado assim por causa de uma cicatriz em forma de quebra-cabeças que deixa na pele de suas vítimas, a quem obriga cometer verdadeiras atrocidades não só nos corpos dos outros, mas também em seus próprios. Todavia, o assassino em questão não é essencialmente um homicida ou em outras palavras não é ele quem põe a mão na massa. Fugindo da linha mais tradicional de seriais killers, Jigsaw teoricamente não mata ninguém. Ele aprisiona alguns “felizardos” para vivenciarem seus sádicos jogos, os coloca em situações limítrofes e usa todo seu poder de persuasão para os instigarem a matar alguém ou até mesmo se automutilarem em busca da libertação. O resultado é que a maioria acaba se suicidando. Diferentemente dos seriais killers mais populares, a obsessão pela morte e pelo masoquismo de Jigsaw não provém de traumas da infância ou problemáticas sexuais e ironicamente seus atos têm um quê de benevolência. Suas vítimas ao que tudo indica são pessoas que vivem de maneira torpe e que precisam aprender a dar mais valor a vida e é justamente isso que suas bizarras armadilhas tentam ensinar. Ele as coloca em uma situação limite onde podem escolher morrer ou causar muito sofrimento ou até mesmo a morte de outra pessoa para sobreviverem, um jogo egoísta e perturbador. Só como aperitivo, imagine uma garota com uma armadilha de ferro presa em sua cabeça trancada por um cadeado. Se ela não achar a chave no tempo determinado, se ela tiver sorte ainda, viverá por anos e anos fazendo plásticas para refazer sua face que será dilacerada em segundos. Ela já sabe onde está a chave, mas o problema é que para recuperá-la deverá abrir a barriga de seu namorado e retirá-la de seu estômago, com o detalhe que ela pensa que ele já está morto, mas na realidade só está dopado. Uma vida em troca da outra, a velha lei do olho por olho. Apesar de toda a inovação na narrativa e no visual, o longa não escapa do clichê do criminoso mascarado, mas ainda assim surpreende. Ele conduz seus jogos através de uma televisão e aparece como um sinistro boneco com voz disfarçada que assiste com prazer uma espécie de sádico reality show.

Até que ponto um indivíduo pode chegar para garantir sua sobrevivência? Por trás de todo o sangue e violência, este longa de horror busca colocar em discussão tal temática, mas não espere um material para uma tese. Na mente psicótica de Jigsaw, se uma vítima consegue escapar de uma de suas mirabolantes armadilhas ela é uma vitoriosa e começa a ver as coisas com outros olhos, mas não necessariamente de forma positiva. Em outras palavras, o sobrevivente fica tão cheio de ódio dentro de si que passa a perpetuar a onda de violência, mas é óbvio que tais atos tão cruéis estão chamando a atenção da polícia. O tenente Tapp (Danny Glover) é o escolhido para conduzir as investigações e rastrear os imprevisíveis passos do assassino, porém, sua tarefa acaba virando também sua obsessão já que Jigsaw é o responsável pela morte de seu fiel parceiro de trabalho em uma situação que estavam prestes a capturá-lo. O espectador acompanha a trama ora em tempo real ora em flashbacks, momentos importantes para compreender detalhes como o envolvimento do policial no caso, o motivo de Gordon e Adam estarem presos no banheiro e se aprofundar na mente insana do assassino, personagem que certamente já figura entre os maiores vilões da História do cinema e criado com o intuito de saciar a sede de sangue dos adeptos dos filmes de terror que não aguentavam mais o catchup expelido por adolescentes bobocas sendo massacrados por sádicos mascarados. Aqui o lance não é saber quem será a próxima vítima necessariamente, mas sim saber de que forma mirabolante ela irá morrer ou sofrer horrores. Com muita criatividade Wan consegue deixar quem assiste roendo as unhas e suando frio de tanta tensão graças aos seus caprichados takes escatológicos e que capturam com perfeição o sofrimento dos torturados, ainda que o diretor tenha precisado cortar ou atenuar algumas sequências para conseguir uma censura mais branda nos EUA, o que ajudou a provocar certo burburinho. Os filmes de terror não gozam de grande prestígio junto a crítica, salvo algumas produções isoladas, mas não se pode negar que esta carnificina em ambiente claustrofóbico merece destaque. Jogos Mortais é uma grande marca para o gênero na primeira década do século 21. Levou multidões aos cinemas, fez sucesso em DVD e se não foi super elogiado pelos críticos ao menos não foi massacrado ao extremo. Todavia, como quase tudo na vida, o excesso faz mal. O que começou bem acabou se tornando um caça-níquel frenético. De 2005 até 2010, foram lançados nada menos que mais seis sequências. Tamanha rapidez se deve ao modelo econômico da produção. Elenco reduzido, poucos cenários, trucagens de câmera, edição rápida e a exploração da violência nos extremos da loucura, esta é a receita de sucesso. Por enquanto, a cinessérie se dá por encerrada no sétimo capítulo, mas no cinema tudo pode ter uma nova chance. Quando o cofre fica vazio não tem jeito e os produtores têm que reciclar o que já deu certo um dia. Seja como for, a intrigante história de dois desconhecidos lutando para sobreviver nas mãos de um sádico dificilmente será superada, vide a qualidade das demais torturas de Jigsaw e seus seguidores. Declínio a olhos nus. 

Terror - 104 min - 2004

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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