NOTA 5,5 Com premissa razoável, infelizmente longa não tarda a se tornar refém de cenas violentas e efeitos especiais |
Muitos filmes de terror não se levam a sério, isso é
fato, e parecem fazer questão de efeitos especiais precários, mortes
estupidamente divertidas ou bizarras e litros de sangue falso percebidos a
olhos nus. Já outras produções do gênero realmente se esmeram em tentar fazer o
espectador roer as unhas e suar frio, o problema é quando o perfeccionismo
acaba causando o efeito inverso ao desejado. É justamente isso que acontece com
O Último Trem, longa com premissa interessante, bem feitinho
tecnicamente, mas que peca pelos excessos de computação gráfica que tiram
qualquer sensação de asco ou comoção quando alguém é morto por um assassino mal
encarado que ataca nas madrugadas no metrô. Adaptado da obra “Livro de Sangue”,
mais especificamente do conto “O Trem de Carne da Meia-Noite” de Clive Barker,
o responsável pela publicação que deu origem ao cultuado Hellraiser –
Renascido do Inferno, o roteiro de Jeff Buhler conta a história de Leon
Kaufman (Bradley Cooper) um fotógrafo acostumado a captar com sua câmera fatos
cotidianos, até mesmo os mais banais, porém, ele deseja ser um profissional
conceituado. Graças ao amigo Jurgis (Roger Bart) ele conhece Susan Hoff (Brooke
Shields), uma conceituada organizadora de exposições, mas infelizmente ela
esnoba seu trabalho aconselhando-o a ser mais ousado. Perdendo o sono por conta
do comentário, certa noite o rapaz decide sair para fotografar Nova York sob
uma nova ótica, a do submundo marcado pela criminalidade e comportamentos fora
dos padrões, e no metrô acaba salvando uma jovem prestes a ser estuprada por
uma gangue, não perdendo a oportunidade de registrar as imagens do episódio
obviamente. Todavia, logo que a moça embarca no trem da meia-noite seu fatídico
fim está traçado e no dia seguinte Kaufman vê a foto dela no jornal.
Identificada como Erika (Nora), uma modelo, ela estaria desaparecida e quando o
fotógrafo revela seus filmes encontra um importante indício: a imagem de um
misterioso homem. Intrigado, ele decide voltar ao metrô na noite seguinte e
novamente vê o tal figurão. Ele é Mahogany (Vinnie Jones), um grandalhão que
está sempre bem vestido e segurando uma maleta, mas com cara de poucos amigos.
Obcecado em desvendar o caso da modelo e para desespero de sua namorada Maya
(Leslie Bibb), Kaufman transforma em hábito rotineiro as visitas noturnas ao
metrô e diariamente encontra o suspeito sozinho ocupando o último vagão da
condução.
A obsessão do fotógrafo aumenta ainda mais quando ele
fica sabendo de outros estranhos desparecimentos envolvendo pessoas que
costumavam usar o metrô a noite, inclusive casos registrados anos antes, e
assim ele passa a seguir Mahogany e a se envolver em situações perigosas,
contudo, mais que revelar que existe um serial killer a solta Kaufman quer
conseguir closes de cenas chocantes capazes de vir a turbinar sua carreira,
assim a qualquer momento ele próprio pode se tornar a próxima vítima. Em uma
dessas caçadas, o rapaz vai parar em um frigorífico onde encontra seu alvo
trabalhando, o que explica seu talento para fatiar corpos, mas quando sua
presença é notada passa a ser perseguido. A cena em que o investigador amador é
caçado por Mahogany em meio as carcaças de animais dependuradas em uma câmara
refrigeradora nos remete a sequências do remake de O Massacre da Serra
Elétrica, mas este trabalho não é totalmente calcado em clichês. O diretor
japonês Ryuhei Kitamura optou em realizar este trabalho por dois motivos. Além
de considerar um vagão de trem um ambiente claustrofóbico e que naturalmente
desperta tensão por conta de que cada viagem é única e não se sabe o que pode
acontecer, ele também se identificou com o protagonista, um homem aparentemente
frágil, mas que demonstra coragem e determinação para conseguir o que quer.
Aliás, Cooper, pouco antes de ganhar fama com a comédia Se Beber Não case,
está muito bem e convence na pele de um pacato cidadão que pouco a pouca vai
perdendo a sanidade, uma transformação gradual que acaba sendo a grande força
do enredo visto que parte do mistério é revelada precocemente. O vilão de
Jones, mesmo sem falar uma única palavra durante todo o filme, causa arrepios e
sem dúvidas é um dos mais cruéis que o cinema já viu, tensão ampliada por
aparentemente ele matar simplesmente para ter o prazer de esquartejar e
destrinchar corpos guardando as partes que julga serem interessantes para sua
bizarra coleção de vísceras e afins. Ok, mocinho que enlouquece e assassino
colecionador de estranhos souvenires não são novidades, mas a forma como eles
são apresentados faz toda a diferença neste caso. O protagonista não difere
muito de outros protótipos de heróis desse tipo de produção, mas só por evitar
frases de efeito e piadinhas fora de hora já merece um pouco mais de
consideração. Agora quem segura mesmo a atenção é o cara do mal, frio e
violento ao extremo. Mesmo tendo sua identidade revelada ainda faltando muito
filme para rolar, sua personalidade é intrigante afinal ele age com o rosto
totalmente exposto e não esboça reação alguma de impacto quando é pego em
flagrante curtindo sua carnificina. O mistério que o leva a prática de atos tão
cruéis é que instiga o espectador a ir até o fim, embora a certa altura o filme
se torne refém das cenas explícitas de violência, maneira encontrada para
contornar o mirrado roteiro visto que o conto original se resume a algumas
poucas páginas, além é claro de não faltar a intervenção da polícia.
Quem procura um filme como esse geralmente não quer
saber de muita conversa e quer logo ver ação, ou em outras palavras muito
sangue e perversão. Kitamura dosa bem a quantidade de cenas “limpas” para tentar
não transformar seu trabalho em um show de violência gratuita, mas capricha
quando a palavra de ordem é detonar. As cenas de mortes são um tanto
impactantes, para o bem e para o mal. Elas são explícitas e o diretor investe
em mutilações e angulações de câmeras pouco vistas no gênero, mas para tanto
acaba precisando lançar mão de efeitos digitais que dividiram opiniões. Algumas
pessoas gostaram de ver profunda e detalhadamente corpos sendo estraçalhados
(na base de marteladas, facadas, machadadas e tudo o mais que possa ferir
profundamente até fazer saltar os olhos e o cérebro de um pobre coitado), mas a
maioria reprovou o resultado afirmando que as cenas ficaram artificiais,
principalmente o aspecto do sangue. Por outro lado, não é sempre que vemos a
agressão pela ótica da vítima e tampouco corpos em carne viva dependurados. Destaque
para a cena em que Mahogany se distrai com o corpo de um adolescente com a
câmera capturando os detalhes mais escabrosos e doentios possíveis como corte
de cabelo, retirada de unhas, dentes e até dos olhos, transformando a vítima
literalmente em uma carcaça como a de um animal abatido. O espectador mais
corajoso a essa altura está sentindo um misto de nojo, angústia e curiosidade,
pois é perceptível o deleite do vilão realizando tal tarefa. Para os sedentos
por gore, logo na introdução já temos uma ideia do que virá a seguir. Um rapaz
sozinho em um vagão de trem é violentamente alvejado por um objeto estranho e
tal sequência terá importância para compreendermos o final. Falando nisso, a
conclusão da história é outro ponto que suscita discussões. Embora
compreensível encarando a trama como pura fantasia, não deixa de gerar ao menos
uma pontinha de frustração visto que o desfecho teria subsídios suficientes
para justificar tanta violência pelo viés psicológico e/ou social. Os minutos
finais confirmam a vocação de filme B de O Último Trem, mas até que esta obra
não é das piores. Argumento interessante, desenvolvimento do roteiro
satisfatório, atuações convincentes e mortes não gratuitas ajudam a elevá-la de
patamar, porém, o emprego de tecnologia sofisticada e efeitos de edição pouco convencionais
para o gênero de horror foram usados em excesso e não estamos nem na metade da
projeção quando eles acabam se tornando a verdadeira razão de ser do produto. A
história já não importa mais, o clima de suspense que já não era dos melhores
desmorona completamente e resta aos que tiverem estômago forte seguir adiante e
ver até onde esta doentia trama chegará. Após ver a citada “cena-fetiche” da
sádica e bizarra dilaceração de um adolescente, o que mais se pode esperar da
mente de Kitamura?
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