quarta-feira, 13 de abril de 2016

AS AVENTURAS DE MOLIÈRE

NOTA 8,5

Com requinte visual, longa é uma
leve viagem por certo período
da vida do famoso artista francês,
mas com algumas liberdades
A vida de muitos pintores, poetas, músicos, escritores e tantos outros artistas das mais variadas áreas já instigaram cineastas a retratar suas vidas ou ao menos partes delas no cinema, principalmente aqueles que conseguiram levar seus nomes para fora de seus países de origem através de suas obras ou que tiveram trajetórias marcadas por tragédias, superações ou excentricidades. A comédia francesa As Aventuras de Molière traz a tona um episódio em particular da vida de Jean-Baptiste Poquelot, mais conhecido simplesmente como Molière, famoso dramaturgo que viveu no século 17 e que desde os primórdios da sétima arte já foi personagem de diversos filmes ou ao menos teve seu nome citado, tanto em dramas quanto em comédias, e ainda inspirou a construção de outros tipos de gênios das artes e/ou sedutores que marcaram presença nas telonas e nas telinhas. Com direção de Laurent Tirard, de A Noiva Perfeita, que também assina o roteiro em pareceria com Grégoire Vigneron, esta produção não se trata de uma biografia, mas sim de um relato de determinado período da vida do artista, diga-se de passagem, de suma importância para sua trajetória profissional, misturando fatos reais e toques fantasiosos acerca de casos amorosos. O desnecessário subtítulo dado no Brasil à fita, “um irreverente e adorável sedutor”, já denuncia o que podemos esperar: uma comédia romântica rica no visual e com história razoavelmente envolvente, mas que não quer inovar, apenas ser boa o suficiente para entreter por duas horas. O resultado divide opiniões, mas é inegável que com muita disposição o ator Romain Duris dá vida à Molière, jovem diretor, escritor e ator de textos teatrais que costumava zombar da nobreza em suas peças populares apresentadas em praças e tavernas animando as classes mais baixas. Diariamente, ele e sua trupe se tonavam mais famosos, mas eis que um dia a popularidade do rapaz chega ao palácio real e então é descoberto que ele devia ao governo muito dinheiro em impostos obrigatórios para manter seu grupo em atividade. Levado para prisão, pela primeira vez em muitos anos Molière acreditava que sua vida estava prestes a chegar ao fim, mas eis que seus débitos foram quitados por Monsieur Jourdain (Fabrice Luchini), um ridículo milionário que em troca do favor deseja a ajuda do artista para redigir e interpretar uma cena para cortejar uma bela moça da corte, Célimène (Ludivine Sagnier).

Jourdain é casado e pai de duas filhas, assim o segredo deve ser mantido e Molière é recebido em sua casa como um amigo religioso que vai passar alguns dias. Enquanto passa por uma de suas maiores provações em termos de interpretação, bancar o amigo de alguém pertencente a classe que ele tanto ridicularizava, o artista terá de escapar de vários empecilhos que podem atrapalhar sua carreira, principalmente a tentação de se envolver com Elmire (Laura Montante), a esposa infeliz de seu empregador. Se ele está de olho em outra mulher, qual o problema em cortejar a futura traída da corte? Muitos, principalmente porque tal situação passa a mudar os rumos de toda a família de Jourdain. Tal acordo entre um nobre e um plebeu acabou rendendo uma história de amor totalmente fora dos padrões da época, mas o episódio foi muito importante para Molière que assim teve a oportunidade para observar detalhadamente o cotidiano dos mais abastados e futuramente retratar em suas obras de forma mais fidedigna a rotina vazia e fútil dos aristocratas. Tal fato serviu de inspiração, por exemplo, para a escrita de “Tartufo”, hoje um clássico teatral, mas na época de seu lançamento, por volta de 1664, foi recebido com repulsa, considerado um verdadeiro escândalo por apresentar um retrato sarcástico da hipocrisia existente na alta sociedade, sobrando farpas para todos os lados. Mas voltando à obra de Tirard, como já dito, nem tudo que é mostrado aqui foi realidade, mas algumas coisas foram imaginadas pelos autores para justificar a longa e misteriosa ausência de Molière da vida pública por volta dos 22 anos de idade como muitas de suas biografias mencionam. Apesar do enredo simples o início pode dar um nó na cabeça do espectador despreparado. Para uma comédia, é estranho ver o protagonista sofrendo crises existencial e criativa, mas ele se cansou de escrever textos farsescos e cômicos e estava disposto a explorar novos horizontes, mas encontra resistência dos nobres que desejam divertimento fácil para ocupar o vasto tempo de ócio que possuem. Frustrado, Molière se entrega a bebida, mas o efeito acachapante passa rapidamente quando no dia seguinte recebe uma carta de uma garotinha cuja mãe está a beira da morte e deseja receber sua visita. Quem ela é? Para descobrir sua identidade, o que não é muito difícil pelo exposto aqui, a trama recua 13 anos, justamente o período de amizade por interesse entre Molière e Jourdain e o que desperta mais controversas entre historiadores. O filme não se aprofunda nos problemas que o autor conquistou por conta de suas ousadias, mas apresenta um texto bem estruturado que alterna drama e pitadas de humor, levando a um encerramento original.

Há quem compare a obra ao premiado Shakespeare Apaixonado pela semelhança de em ambos os casos um recorte da vida do homenageado ser enfocado e em cima dele serem criadas situações que de qualquer forma justificam suas ações futuras. É como se fosse um filme cujo final você gosta, mas o caminho para chegar até ele você pudesse reimaginar. É até espantoso como uma obra cinematográfica consegue dialogar tão bem com o mundo teatral. Não é apenas por ter algumas cenas com foco em um palco, mas os diálogos e interpretações como um todo nos remetem ao clima de um espetáculo teatral com a diferença que aqui temos o requinte cenográfico e da fotografia para emoldurar esta pequena obra de arte do cinema francês. Muitos podem dizer que o valor desta produção está apenas em seus aspectos visuais, mas isso é um erro. Quem gosta de um bom cinema certamente repara na química existente entre Duris, Luchini e Morante, o triângulo amoroso que quando completo em cena forma uma verdadeira briga de gigantes. É difícil dizer quem se sai melhor. Molière, o responsável por transformar a comédia em uma arte de valor, é apresentado com um homem espirituoso, inteligente e ao mesmo tempo com um quê acentuado de conquistador, afinal Tirard não tinha intenção de filmar uma aula de História sisuda, mas sim divertir e instigar o público a conhecer por fora mais sobre o protagonista e o período em que viveu. Todavia, tal posto de destaque de Duris é ameaçado pela afetada e engraçadíssima interpretação de Luchini, a encarnação perfeita da caricatura da burguesia, pessoas muito ricas em dinheiro, mas pobres em cultura. Não é a toa que o ator ganhou o prêmio de coadjuvante no Festival Internacional de Cinema de Moscou onde o filme também foi agraciado pelo voto do público. Fechando o time de estrelas temos a bela Laura Morante que empresta seu natural porte elegante para dar vida a uma nobre mal amada, mas que fica indecisa entre o amor e a pobreza ou o luxo acompanhado do desprezo. Além do jogo duplo de Molière, se fazendo de amigo de Jourdain e ao mesmo tempo cortejando sua esposa, ainda há uma trama paralela envolvendo personagens mais novos e casamentos arranjados que afetará diretamente no final do ricaço iludido com a ideia de que dinheiro compra tudo, inclusive que pode convencer como ator por conta de sua influência. As Aventuras de Molière foi indicado a quatro prêmios César, o Oscar da França, e embora não tenha vencido nenhuma das categorias conseguiu atrair mais de um milhão de franceses aos cinemas, mas, infelizmente, nem tal publicidade extra ajudou na sua repercussão no Brasil sendo lançado como um produto qualquer. Leve, envolvente e um colírio para os olhos, a obra merece reconhecimento, ainda que tardio. Para quem conhece a fundo a vida e obra do homenageado o longa pode ser apenas um passatempo esquecível, mas para quem ainda é iniciante pode ser um programa delicioso e rico em conteúdo.

Comédia - 120 min - 2007 

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