sexta-feira, 26 de novembro de 2021

REFÚGIO DO MEDO


Nota 7 Embora revele seu grande trunfo precocemente, longa mantém bom clima de suspense


Escolher um título é uma tarefa tão importante e complicada quanto realizar um filme em si. Muitas boas produções acabam não atingindo o merecido reconhecimento por conta de uma única ou simples junção de palavras que podem colocar tudo a perder. Esse é o caso de Refúgio do Medo que pode criar certas expectativas e não correspondê-las. Ainda bem! O longa dirigido por Brad Anderson, do elogiado O Operário, é muito melhor e mais surpreendente que o terror barato que o título recebido no Brasil vende. A trama se passa em 1899 quando o jovem psiquiatra Edward Newgate (Jim Sturgees) acaba de se formar na universidade e é recrutado para trabalhar em um manicômio no meio do nada. Lá ele conhece o doutor Silas Lamb (Ben Kingsley), o mantenedor da instituição que descarta os métodos de violência tão comuns à época para tratar de seus pacientes, e também a jovem Eliza Graves (Kate Backinsale), uma das internas por quem se apaixona perdidamente. 

Com o passar do tempo, Newgate começa a notar um comportamento estranho dos funcionários do local, inclusive do próprio diretor que parece incentivar e participar de algumas das psicoses dos internos. Contudo, nada o surpreenderá mais que a descoberta nos subterrâneos do hospício de vários prisioneiros que alegam ser pessoas em sã consciência, funcionários do local que foram dominados pelos próprios doentes liderados por Lamb que esconde sua faceta de loucura. Os pacientes de fato dominaram a instituição ou são espertos o bastante para enganar o jovem médico para conseguirem a liberdade? Nota-se que a trama tem certos resquícios de A Ilha do Medo, mas nada que suscite comparações ferrenhas. Inspirado no conto "O Sistema do Doutor Alcatrão e do Professor Pena", de Edgar Alan Poe, o roteiro de Joseph Gangemi não busca surpreender o espectador com momentos ou revelações arrebatadoras, tanto que o que poderia ser spoiler neste texto é revelado no próprio filme até com certa precocidade. A questão é não temer enfrentar o desconhecido e sim saber como lidar com um fato comprovado e aparentemente irremediável.


A introdução envolta em mistério até o ato em que Eliza e Newgate se apaixonam, em paralelo com as investigações e descobertas do rapaz, prendem bastante a atenção, mas o filme se estende um pouco mais que o necessário fazendo o espectador chegar ao final cansado e com atenção dispersa. De qualquer forma, nada que desfavoreça a obra acima da média para o gênero e que se destaca entre tantas outras produções que abordam o tema loucura, fugindo de exageros e tratando o problema com seriedade. O casal protagonista tem uma boa química e defende bem os seus papéis, mas para variar quem rouba a cena é Kingsley com um personagem dúbio e que deixa o espectador na dúvida se ele é de fato um médico excêntrico ou seria mesmo um dos internos do manicômio que liderou um movimento de rebeldia. O ator domina os truques para revelar aos poucos as reais intenções e crenças de sua criação, embora a condução da trama já o posicione como um vilão desde o início. 

Todavia, o grande trunfo de Refúgio do Medo é sua impecável parte técnica que investe na criação de um ambiente gótico e soturno. Explorando detalhadamente os requintados cenários e decoração da mansão que abriga a instituição, o espectador sente-se inserido neste universo da virada para o século 20 e pode experimentar a sensação de claustrofobia e tensão de estar preso em um lugar enorme, mas ao mesmo tempo pequeno quando alguém se sente acuado. A excelente montagem também ajuda a manter o suspense da narrativa em alta, tanto que foi finalista ao prêmio do sindicato da categoria, e vale prestar atenção na participação do veterano Michael Caine vivendo o Dr. Salt, o antigo diretor do hospício que alega ter sido aprisionado no auge da loucura de Lamb, então seu paciente. A tentativa de Newgate escapar desta prisão junto a sua amada é mera desculpa para debater um outro tipo de fuga: a da realidade. 


O que é loucura? E a normalidade? A conclusão depende muito dos argumentos de cada um para defender seu ponto de vista. Lamb tem sua verdade a defender e o jovem médico tem seus ideais para contra-atacar. É nesse embate que o filme se sustenta e coloca o espectador na dúvida quanto a insanidade do acusado ou se ele de fato está sendo vítima de uma injustiça. O conto original, datado de 1845, criticava a aristocracia da época, que escondia seus familiares em manicômios, muitas vezes por simplesmente não terem um comportamento padrão na sociedade. Já o filme explora mais o contexto de hierarquia, que em qualquer relação humana deve haver soberania e submissão, o que leva a sempre haver conflitos. No caso os supostos internos, cansados do tratamento desumano, porém, então legitimado pela medicina da época, estariam se rebelando com o objetivo de castigar aqueles que os subestimavam numa clara inversão de poder. Nesse contexto, Lamb, como a cabeça do grupo, talvez se encontre num estágio de loucura ainda não muito avançado. É conferir para tirar suas próprias conclusões.

Suspense - 112 min - 2014

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