sábado, 11 de novembro de 2023

POSSESSÃO (2012)


Nota 6 Com elemento da cultura judaica, longa vai bem até que resolve dar forma física a entidade


Goste você ou não de filmes a respeito de exorcismos, o fato é que eles têm um público cativo desde meados da década de 1970 quando foi lançado O Exorcista que segue até hoje aterrorizando muita gente. Mesmo com o público sendo renovado, o filão segue angariando fãs e engrossando a lista de títulos. Possessão guarda como elemento em comum ao citado clássico a particularidade de ter uma trama baseada em fatos reais, mas não chegou nem perto do frisson que o outro filme causara. Pelo título genérico isso já era de se esperar. Ainda assim, sua trama é intrigante e segura a audiência tendo como ponto de partida o insólito caso vivido por um americano que comprou pela internet uma caixa de vinho judaico para presentear sua mãe, no entanto, não havia garrafa de bebida alguma e sim mechas de cabelos e dentes. Desde então uma série de problemas acometeram a família e eis que depois de algumas pesquisas chegaram a uma delirante conclusão: alguém mal intencionado enviou uma caixa dibbuk, conhecida do folclore judaico, que serve para aprisionar espíritos malignos, temática também trabalhada, por exemplo, em Alma Perdida e Oferenda ao Demônio. Os roteiristas Juliet Snowden e Stiles White viram potencial nesse insólito episódio para realizar um grande filme de terror, mas talvez as liberdades criativas que tomaram atrapalharam. 

Acompanhamos o calvário vivido pela jovem Emily (Natasha Calis), uma jovem que fica obcecada por uma velha caixa de madeira encontrada em uma feira doméstica de quinquilharias, muito popular entre os americanos. Por ter se separado da esposa a pouco tempo, Clyde (Jeffrey Dean Morgan), seu pai, acredita que ela mudou repentinamente seu comportamento, alternando momentos de introspecção e outros de rompantes de fúria, por causa do sentimento de revolta que lhe toma conta, ao contrário da irmã mais velha Hannah (Madison Davenport) que já compreende e lida melhor com a situação. Todavia, não demora muito a lhe cair a ficha que essa transformação de conduta está ligada ao misterioso objeto que é guardado pela garota como um verdadeiro tesouro. Na hora da compra, Emily simplesmente se encantou pela caixa, embora totalmente desprovida de atrativos visuais, mas sem saber que estava levando para casa uma entidade maligna aprisionada. Quando a caixa é aberta, de imediato começa a possessão da garota que gradativamente vai ficando mais agressiva ao passo que estranhos acontecimentos também surgem.


A dinâmica familiar é introduzida sem didatismos, com leveza e paciência pelo diretor Ole Bornedal, que tem no primeiro ato o melhor a oferecer. Para dar uma carga dramática extra a trama, Emily não só reluta para aceitar a separação dos pais, como também tem sua relação com Stephanie (Kyra Sedgwik), sua mãe, estremecida por conta do novo namorado dela, Bret (Grant Show), que a visita com frequência, assim substituindo gradativamente Clyde no papel de chefe da família. Aliás, o patriarca também demonstra não ter superado o divórcio totalmente para dar apoio as filhas, preferindo usar como válvula de escape seu trabalho como treinador de um time de basquete juvenil. O roteiro não traz inovação alguma, todavia, é eficiente e não faltam bons sustos. Com efeitos especiais bem interessantes, algumas cenas são visualmente fortes e de arrepiar, com câmera e tecnologia operando em perfeita sinergia. Vale também destacar o trabalho da equipe de edição. Em algumas sequências específicas, a transição entre uma e outra se dá por meio de breves momentos de tela preta com o som de uma nota grave de piano. Dessa forma, além de antecipar a tensão acerca do que está por vir, ainda aumenta consideravelmente o nível de importância da cena anterior.

Mesmo que apele para soluções repetidas, como a câmera lenta enquanto o personagem se olha no espelho ou o pesado som de garfos e pés ritmados para criar uma crescente tensão, as escolhas são certeiras e capazes de criar medo e expectativa quando deseja. Até mesmo ao esconder o rosto do tal espírito maligno o cineasta realiza a manobra com competência, distorcendo sua imagem por trás de copos e jarros de vidro apostando em um excelente jogo de câmeras. A direção de se mantém bem coesa quase até o final, mas eis que derrapa feio com a virada proposta no derradeiro ato.  Todo o esmero para tratar o sobrenatural com certo respeito é anulado quando Bornedal opta por dar forma e rosto a entidade maligna, esta que se apresenta como uma espécie de parasita biológico. O que pode ter sido idealizado como a grande surpresa de Possessão acaba se revelando seu calcanhar de Aquiles. Todo a tensão e clima de horror conquistados nos primeiros atos é aniquilado na reta final. E é claro que a a última sequência deixa uma ponta solta mostrando que o demônio é forte o bastante para sobreviver a qualquer tipo de ataque, uma deixa que felizmente não gerou continuações.


O argumento de fazer um terror de cunho judaico é, sem dúvidas, um bom ponto de partida. Por ser uma cultura milenar e tradicionalmente restrita, é interessante poder ver os mistérios propostos sob um ponto de vista diferenciado, livre dos clichês da religião cristã ocidental, fugindo do óbvio ao ser apresentado às explicações atípicas que, afinal, são partes integrantes da sua religião, como o Dybbuk. No entanto, é preciso de algo a mais para que o filme funcione por completo, algo que lance o espectador para dentro desse universo misterioso. Para tanto é adicionada uma rápida cena com uma montagem que mistura imagens reais, encontradas com facilidade na internet, ao universo fictício. A partir desse ponto, por mais absurdas que as situações do filme possam parecer, elas são justificadas e aceitas pelo simples fato de já ter acontecido com alguém, mesmo que guardadas poucas semelhanças. Como transparece o célebre pensamento de William Shakespeare, há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar. 

Terror - 92 min - 2012

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