NOTA 7,0 Apostando no casamento de uma narrativa nostálgica com visual moderno, longa diverte, mas sua trama tem defeitos |
Já fazia algum tempo que os filmes de ação e
aventura estavam dependentes da tecnologia para atrair público e cada vez mais
deficientes de trama para se sustentarem, mas eis que o estreante diretor e
roteirista Kerry Conran trouxe em 2004 uma proposta ousada e inovadora. Capitão
Sky e o Mundo de Amanhã tem visual de videogame, mas enredo que
homenageia o cinema de antigamente. O início do projeto foi extremamente
pessoal e sem recursos financeiros, apenas apostando na criatividade. O
cineasta levou aproximadamente quatro anos de trabalho para criar míseros seis
minutos de filme, uma pequena introdução que realizou em um simples computador
para apresentar o universo diferenciado desta aventura e então apresentar a
produtores e correr atrás de financiamento para levar a ideia adiante no
formato de longa-metragem. A surpresa é que quem resolveu comprar a ideia e
bancar o filme como um dos produtores foi o ator Jude Law que também se
prontificou a protagonizá-lo. Na realidade, o projeto não era tão ambicioso inicialmente.
O diretor apenas queria melhorar o que já tinha em mãos e lançar como um curta,
mas foi convencido de que seu trabalho, que mostrava gigantescos robôs atacando
uma Nova York nostálgica, inspirava uma projeção mais apurada. Até pouco tempo
antes deste lançamento, Conran era apenas um estudante de cinema que trabalhava
fazendo programação de computadores. Fã de quadrinhos e séries de TV antigas,
como passatempo ele bolou um roteiro que colava estas lembranças aliadas a uma
colcha de retalhos visuais, uma mistura de diversas técnicas que iam desde o
uso de simples fotografias, passando por reproduções de trechos de filmes até
chegar à animação computadorizada. O resultado retrô-futurista acabou
conquistando a confiança de investidores e um razoável orçamento foi liberado
ao cineasta de primeira viagem para investir naquela que podia ser uma obra
divisora de águas, mas que acabou não sendo um sucesso e abortou qualquer
possibilidade de se tornar uma franquia duradoura. Antes de falar sobre tal
frustração vamos ao enredo. Em Nova York no final dos anos 30, a jornalista
Polly Perkins (Gwyneth Paltrow) recebe um objeto de um homem misterioso que
está sendo perseguido. Ela então descobre que os cientistas mais famosos do
mundo estão desaparecendo sem deixar pistas, mas todos coincidentemente
envolvidos em um projeto secreto dos tempos da Primeira Guerra Mundial.
Simultaneamente a estes desaparecimentos, a cidade
também está sendo invadida por um grupo de robôs gigantescos que roubam
geradores de energia. Polly acredita que os dois eventos misteriosos estejam
ligados e quer investigar a fundo para escrever uma grande matéria e para isso
recorre a ajuda de um ex-namorado, o corajoso aviador Joe Sullivan (Law) que
sempre é chamado pelas autoridades quando surgem casos extraordinários. Os dois
ainda têm assuntos mal resolvidos e vivem trocando farpas e em meio ao fogo
cruzado está Dex (Giovanni Ribisi), fiel ajudante do aventureiro, e para
esquentar ainda mais os ânimos Franky Cook (Angelina Jolie), uma suposta
ex-amante de Sullivan, ressurge. O grupo precisa encontrar um cientista
inescrupuloso que está escondido em algum lugar do Nepal e planeja destruir o
mundo. Tal vilão, o Dr. Totenkopf, é vivido surpreendemente por Laurence
Olivier, astro da Era de Ouro de Hollywood que faleceu em 1989. Law tinha o
sonho de atuar com este ator e deu a sugestão a Conran, afinal para uma
produção com cenários 100% virtuais nada era impossível. Após autorização de
familiares, foram selecionadas imagens de arquivos de Olivier e contratado um
dublador com voz parecida e assim o famoso intérprete voltou à cena, ainda que
somando poucos minutos devido as dificuldades. Talvez tivesse sido mais fácil
recriá-lo como um personagem totalmente digital. Para não estragar a matinê, a atriz
chinesa Bai Ling entra em cena como agente do vilão e tocando o terror como uma
verdadeira máquina de matar. Para todos os atores envolvidos, este filme
significou um exercício e tanto para se aperfeiçoarem na profissão. O recurso
do chroma key, a técnica de filmar os atores em frente a fundos falsos
(geralmente verdes ou azuis) que depois são apagados para serem inseridos
cenários previamente gravados, já é um truque velho da sétima arte, mas aqui a
diferença é que todas as ambientações já estavam prontas no computador quando
os atores começaram a filmar suas cenas, assim só foram feitos alguns reajustes
na pós-produção como retoques de iluminação e inserção ou retirada de alguns
detalhes cênicos. Os atores podiam analisar as locações das cenas previamente
no computador e assim ter uma noção melhor de como agir sem ter interações com
objetos. O contato era apenas entre os próprios intérpretes e seus figurinos,
mas nem todos os seus esforços conseguiram sobrepor os personagens à sedução da
tecnologia. Infelizmente os perfis não causam a identificação esperada com o
espectador, o que acaba comprometendo o andamento da narrativa.
Curiosamente, Conran não chegou a ir a Nova York
durante o processo de filmagens, aliás, nunca visitou a cidade, preferindo se
basear em fotos antigas da metrópole para ser o mais fiel possível ao estilo
que predominava em 1939. O ano é identificado pelo fato de uma cena destacar
que estava em cartaz em um cinema local o clássico O Mágico de Oz. Outras referências cinematográficas tornam esta
experiência especial, como descobrir com um pouco de sorte a silhueta do
gorilão de King Kong escalando um
edifício, referência a uma das cenas mais clássicas do cinema, e o visual dos
robôs gigantes lembram aos usados em Metrópolis,
ícone do expressionismo alemão. Também é possível reconhecer o estilo de filmes
noir, afinal algumas cenas chegam a um colorido quase em preto-e-branco, há
muito uso de sombras e a trama principal no fundo é um suspense policial
adornado por perseguições e firulas de ficção científica. A sensação agradável
de nostalgia é intensificada pelo uso de um efeito esfumaçante nas cenas que
parece dotar os personagens de uma espécie de aura iluminada, além de tentar
disfarçar a colagem dos atores reais sobre os cenários virtuais. Capitão
Sky e o Mundo de Amanhã era um projeto aguardado com grandes
expectativas pelos profissionais de cinema, pois em tempos de crise ele trazia
a novidade de se criar filmes sem a necessidade da construção de ambientações
ou locações reais, o que barateia muito uma produção. Existia ainda a promessa
do perfeito casamento entre o passado e o futuro, uma narrativa clássica, com
direito a todos os clichês possíveis, mas oferecida com visual inovador e com
liberdades artísticas por parte do diretor, como a criação de hologramas, algo
impensável para a época da trama. Realmente Conran corresponde a tais
expectativas, porém, o longa não foi o estouro esperado entre o público.
Poderíamos culpar o fato de o protagonista ser um herói criado com referência a
tantos outros, mas não ter saído realmente das páginas de um gibi ou de um
seriado de TV, assim o Capitão Sullivan não poderia contar com uma platéia de
espera tal qual o Batman ou o Homem-Aranha, por exemplo. Todavia, é
perfeitamente possível se familiarizar com seu universo e embarcar em suas
aventuras. O problema é que passado o impacto da aparência diferenciada, a
trama não consegue envolver perfeitamente o espectador, ficando a dever
principalmente nas cenas de ação que não chegam a empolgar. De qualquer forma,
este filme merece uma revisão mais branda por parte dos espectadores com a
perspectiva desta ser uma tentativa de se fazer cinema de forma alternativa.
Aventura - 107 min - 2004
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