quarta-feira, 23 de março de 2022

NA TRILHA DO ASSASSINO


Nota 4 Mescla de drama e suspense peca pelo ritmo arrastado e personagens que não cativam


Quem se interessaria por um filme com o título simplesmente resumido na palavra ternura? Possivelmente os amantes de dramas água-com-açúcar e o público feminino se animariam, ainda mais tendo Russell Crowe encabeçando o elenco, no entanto, a mudança de título da adaptação do livro "Tenderness" no Brasil foi providencial. Apesar de assumir a genérica alcunha de Na Trilha do Assassino, a opção combina melhor com o conteúdo, mas certamente deverá decepcionar aqueles que ficam na expectativa de perseguições e tiroteios repletos de tensão e adrenalina. Na realidade, este é um drama que traz uma galeria de personagens infelizes imersos em um universo deprimente. A trama escrita por Emil Stern gira em torno de três personagens principais. O tenente Cristofuoro (Crowe) está praticamente se aposentando da polícia da cidade de Buffalo, no Estado de Nova York, e sofre com a situação da esposa que está em coma há um bom tempo. Devido a estas situações, nos seus últimos dias de trabalho na corporação ele tem recebido apenas alguns casos menores para resolver. No entanto, seu passado conta com a solução de crimes de grande relevância. 

Três anos antes, Cristofuoro investigou os assassinatos de um pastor e sua esposa e mandou para a cadeia Eric Poole (Jon Foster), o próprio filho do casal então com apenas 15 anos de idade. Quando a ação começa, o jovem já está para completar 18 anos e prestes a ser libertado do centro de detenção. Por sofrer de problemas mentais e ser dependente de antidepressivos, escapou de uma punição mais severa e foi julgado dentro das leis estabelecidas a menores infratores, assim podendo levar uma vida normal assim que atingisse a maioridade. Contudo, Cristofuoro não está convencido que Eric agiu em um rompante de loucura. Visitou-o regularmente enquanto estava preso, mas não conseguiu provas concretas que justifiquem suas desconfianças de que o jovem é um psicopata. O tenente acredita que ele tenha assassinado ao menos duas jovens e matou os pais por eles terem descoberto estes segredos. Como está com tempo de sobra, por sua conta e risco, o policial passa a seguir os passos do ex-detento em liberdade ciente de que mais cedo ou mais tarde ele voltará a matar. Sua obsessão será pegá-lo em flagrante.


A terceira personagem principal, com histórico tão trágico quanto os outros, é a garota Lorelei Jane Cranston (Sophie Traub), ou simplesmente Lori, o estereótipo da adolescente criada sem cuidados familiares. Com problemas de relacionamento com a mãe, que ironiza rotulando-a como um chamariz de homens mau-caráter, e abusada pelos vários padrastos que já teve, ela poderia ser apenas uma rebelde que extravasa sua raiva através da delinquência, mas no seu caso ainda existe o agravante de que ela tem distúrbios psiquiátricos. Aos 16 anos, fugindo de casa para escapar das vistas de mais um novo namorado da mãe, a moça acaba se escondendo dentro do carro de Eric, mas isso não foi obra do acaso. Ela afirma ter certa ligação com o rapaz por conta de um rápido episódio do passado e desde então tem verdadeira fixação por tudo que envolva seu nome, inclusive coleciona notícias a seu respeito publicadas nos jornais. O ex-detento, por sua vez, em um primeiro momento não se recorda de já tê-la visto e parecia disposto a dar um novo rumo a sua vida, mas com a garota na sua cola as coisas mudam completamente. No início o rapaz tenta se esquivar dos avanços dela, mas chega a um ponto que não tem mais como esconder sua natureza e dá sinais de que realmente pode ser um assassino, no entanto, parece que quanto mais perversa sua personalidade mais apaixonada Lori fica. 

Literalmente viajando com o inimigo, a moça parece se fazer de cega para a tragédia anunciada, mas conforme a narrativa libera mais informações sobre sua trajetória e personalidade acontece uma inversão de expectativas. Chega a um ponto que não sabemos quem é mais insano, Eric ou Lori? Seria o rapaz realmente inocente quanto as outras mortes que o acusam? Diante desse quadro, será que a garota, sem querer ou cumprindo ordens, estaria preparando uma armadilha para ele ser preso novamente? Que bom seria se pudéssemos até o último minuto sustentar tais suspeitas, mas o fato é que depois de uma meia hora de projeção minuto a minuto sentimos a trama se tornar mais arrastada. É até interessante a ideia de criar um clima de tensão crescente entre o jovem casal distribuindo pistas em diálogos travados naturalmente, sem a necessidade de alterações do tom de voz ou trilha sonora acentuada denunciando que algo importante será revelado. No entanto, há algo estranho nestas conversas sendo que em alguns momentos Lori parece aquelas adolescentes chatas de comédias românticas que tentam conquistar seu alvo com papinhos furados até vencê-los pelo cansaço. A reação quase inerte de Eric inicialmente reforça essa sensação, como aqueles tipos manjados de rapazes que procuram se esquivar das garotas excêntricas para tardiamente descobrirem suas qualidades. 


Diante de personagens tão complexos, ainda que não explorados ao máximo, é normal que a atuação de Crowe pareça tímida, ainda mais levando em consideração que o ator é famoso por seu temperamento explosivo e por papéis que lhe exigem mais atitude e esforços físicos. Contudo, sua interpretação é o que de longe há de melhor em Na Trilha do Assassino. Com voz e gestos contidos, ele consegue passar com fidelidade a imagem de um homem amargurado com sua desvalorização no trabalho e a solidão. A frustração que sente por ver a mulher em estado vegetativo é seu ponto fraco e Eric até usa tal argumento para desarmá-lo toda vez que o policial vem ameaçá-lo que ainda o colocará de novo atrás das grades. Dessa forma, também é possível se questionar se a implicância de Cristofuoro tem fundamentos ou simplesmente ele estaria transferindo para o jovem sua amargura como forma de compensação. Baseado no romance do Robert Cormier, cuja literatura gira predominantemente em torno de assuntos depressivos e pesados e apostando em finais realistas, o diretor John Polson desenvolve seu trabalho adotando o estilo alternativo como guia, assim a violência enraizada do texto acaba sendo diluída, mais sugerida do que realmente apresentada, culminando em um desfecho triste e tocante que pode aplacar um pouco as críticas negativas quando ao ritmo lento da obra. 

Suspense - 101 min - 2009 

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