segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O TERNO DE 2 BILHÕES DE DÓLARES


Nota 5 Tirando uma onda de James Bond, mescla de aventura e comédia não favorece Jackie Chan


Há quem despreze os filmes de Jackie Chan rotulando-os como grandes bobagens e dotados de humor raso. Mesclas de ação e comédia, não importa o enredo, sempre serão as produções do chinesinho com cara de paspalho e que voa nas cenas de lutas. O ator sempre deixou bem claro que trabalha exclusivamente para entreter o público e, de quebra, ele próprio se divertir a beça. Sua cara de criança feliz e curiosa deixa explícito seu constante alto astral. Chan é o cara boa praça que todos queriam como amigo nos momentos difíceis, aquele que consegue animar até velório. De olho em sua popularidade na China e no sucesso de suas obras em outros países, Hollywood não perdeu tempo e o seduziu com contratos milionários, pena que o desejo de uma conta bancária mais robusta viria a descaracterizar seu trabalho. Bem, pelo menos a grande maioria concorda que em O Terno de 2 Bilhões de Dólares o verdadeiro Chan não está em cena. Ele interpreta Jimmy Tong, um simples chofer de táxi que de uma hora para a outra é contratado para ser o motorista particular do espião Clark Devlin (Jason Isaacs), um homem cheio de segredos, astuto e repleto de habilidades para luta, seu modo de defesa, quanto para dança, sua arma de sedução. Todavia, não são exatamente méritos próprios e sim qualidades proporcionadas por um smoking que usa, uma peça exclusiva e dotada de recursos tecnológicos. 

Quem veste o tal terno pode realizar as mais diversas peripécias e é claro que Tong terá o privilégio de usá-lo, mas sem consciência de todos os poderes do traje. Tal gancho abre caminho para os roteiristas Michael J. Wilson, Michael Leeson, Matt Manfredi e Phil Hay satirizarem a vontade os filmes de James Bond. Chan ganha até uma bela parceira de aventuras tal qual o agente 007. Jennifer Love Hewitt interpreta Del Blaine, uma agente que o ajudará no caso de um assassinato cujo principal suspeito é Dietrich Banning (Ritchi Coster), dono de uma grande distribuidora de água em vasilhames que planeja envenenar as fontes naturais de todo o mundo e assim dominar o mercado sendo o único a oferecer o insumo de forma potável, porém, alterado por uma substância capa de aumentar a sede. Monopólio mais necessidade é igual a lucro e sucesso, porém, Tong vai fazer jus a confiança que Devlin lhe depositou. O agente sofreu um atentado, acabou gravemente ferido e ele próprio incentivou o motorista a assumir seu lugar temporariamente. Só faltou lhe avisar que vestindo o smoking especial ele passaria a ter todos os seus movimentos controlados pelo traje, tudo ajustado as necessidades de cada situação. 


De um simples saque de isqueiro quando alguém empunha um cigarro, passando por passos de dança literalmente conforme a música, até complicadíssimos movimentos de luta, tudo é obra da tal roupa do título que curiosamente em nenhum momento há a confirmação de que ela vale uma fortuna. Aliás, nem é um terno de verdade, e sim um smoking. Fizeram um bem bolado de palavras para criar um título nacional mais impactante, algo que ligasse a ideia de filmes de espionagens. Dos males esses são os menores. O grande problema desta comédia fica por conta das cenas de ação, justamente o que espera seu público-alvo. Como já dito, Chan está em cena com seu carisma e entusiasmo, mas ao mesmo tempo não está. A principal característica de sua carreira até então era abrir mão de dublês e ele próprio encarar as cenas de luta e quebra-quebra. O resultado eram dezenas de fraturas a cada novo filme, mas compensados pelo orgulho de realizar cenas incríveis com o máximo de realismo, tanto que o encerramento com a coletânea de erros de gravação eram marcas registradas de suas produções. 

Importado para os EUA  a peso de ouro, Chan já não pode se dar ao luxo de dispensar dublês. Um acidente grave que pudesse comprometer seu estado físico poderia significar milhões de dólares em contratos perdidos. Conforme os anos passam e o ator envelhece, cada vez menos poderá se expor ao perigo. Assim, boa parte de seus filmes perdem a graça por apresentar o astro de forma um tanto engessada, apenas um corpo servindo como referência para inserção dos mais variados tipos de efeitos especiais. Dessa forma até os citados erros de gravação no final perdem a graça e forçosamente são substituídos por falsos deslizes, falas erradas e armações. Se não era para colocar o chinesinho para lutar de verdade, poderiam ter dado o papel para qualquer outro oriental ou até mesmo ocidental, mas o poder do nome de Chan falou mais alto. Já famoso por A Hora do Rush e Bater ou Correr, o ator então já era um produto da indústria cinematográfica e sabemos bem o que acontece quando se está no auge e também quando o prazo de validade expira. Se para quem procura ação o longa decepciona, quem busca gargalhadas também fica com um sorriso amarelo no rosto. Infelizmente o roteiro não prende a atenção e por ser uma comédia fica a dever e muito quanto a diversão. 


O momento mais inspirado tem como chamariz a rápida participação do saudoso cantor James Brown interpretando a si mesmo. Antes de uma apresentação, o artista acaba sendo nocauteado por Tong, ou melhor, por mais um dos movimentos em falso de seu terno. Para tentar remediar a situação, ele então assume o microfone e sobe ao palco para cantar o hit "Sex Machine". Qual comédia sessão da tarde que se preze abre mão de uma musiquinha chiclete, não é? Com direção de Kevin Donovan, O Terno de 2 Bilhões de Dólares cumpre sua missão de ser apenas um passatempo ligeiro e para quem não acompanha a carreira de Chan certamente irá se divertir, não perceberá suas amarras. Se o longa investisse mais na sátira a James Bond e aos clichês dos filmes de espionagem, certamente o resultado seria mais interessante, mas escolheram o caminho mais fácil, as gags visuais. Para que fazer algo complexo se podemos explorar ao máximo o jeito bobão (no bom sentido) do astro principal?

Comédia - 95 min - 2002

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