sexta-feira, 16 de outubro de 2020

OLHOS FAMINTOS


Nota 8 Terror flerta com o trash, mas prende atenção com boa ambientação e vilão diferenciado


Uma estrada deserta, um carro velho como único meio de locomoção e proteção e um vilão incansável na sua cola a bordo de um sinistro caminhão. Estes poucos elementos já foram utilizados para contar diversas histórias de arrepiar, sejam do além ou de ameaças de carne e osso, mas Olhos Famintos flerta com ambos os tipos de pavores. Contudo, o resultado pode ser tanto assustador quanto também engraçadíssimo. Tudo depende do estado de espírito de quem topar encarar uma longa viagem de carro junto com os irmãos Darry (Justin Long) e Trish (Gina Philips) que vão atravessar o interior dos EUA para passarem as férias da universidade na casa dos pais. No meio do nada, parecia que só eles trafegavam por um estrada deserta quando de repente surge uma velha e barulhenta caminhonete em alta velocidade e fazendo algumas manobras com a clara intenção de provocar os jovens. Algum tempo depois, ao passarem por uma igreja abandonada, eles reconhecem o automóvel estacionado e o motorista, uma estranha figura totalmente coberta por uma roupa preta e rosto tapado pela sombra de um chapéu. Ele retira grandes embrulhos de dentro do furgão e os joga em uma espécie de poço. A cena chama a atenção dos irmãos que acabam sendo percebidos e assim uma intensa perseguição à dupla se inicia. 

Curioso, ao conseguirem escapar, Darry insiste em voltar à igreja e acaba encontrando dezenas de corpos mutilados pregados no teto e nas paredes do subsolo. Os irmãos então buscam ajuda, mas estão na mira não de um simples psicopata. Até este ponto, o longa dirigido e roteirizado por Victor Salva realmente faz o espectador roer as unhas de tensão e foge dos clichês dos filmes de terror voltados aos adolescentes. Notável a adição de elementos típicos de filmes B e característicos do gênero na década de 1970 evocando lembranças de obras como O Massacre da Serra Elétrica, Quadrilha de Sádicos e também de Encurralado, o primeiro filme dirigido por Steven Spielberg. Todos eles contam histórias de pessoas comuns perseguidas sem motivo aparente por sádicos ou psicopatas em ambientes desérticos e hostis. Com toda uma mitologia própria, Creeper (Jonathan Breck) é a criatura que se esconde sob as vestes negras, uma espécie de ser animalesco em decomposição e de origem secular que a cada 23 anos retorna à vida e tem um curto período para saciar sua fome de carne humana. Ele escolhe suas vítimas farejando o cheiro do medo que exala dos corpos que lhe interessa  e deles rouba o fígado, o coração, os olhos ou qualquer outra parte que possa devorar como se fosse motivado pela esperança de recompor seu corpo decrépito e manter-se vivo e enquanto não consegue o que quer não descansa.


Sua perseguição aos irmãos não é pelo fato deles o terem flagrado em atitudes suspeitas, mas sim porque farejou algo em Darry que deseja fervorosamente e mesmo que mate outras pessoas enquanto está no encalço do rapaz ele despreza os corpos por não terem o que ele quer. Indestrutível, assim como os lendários Freddy Krueger, Michael Myers e Jason Voorhees, Salva certamente gostaria que seu vilão se juntasse a essas figuras tão emblemáticas no imaginário popular, mas apesar de protagonizar mais duas continuações o personagem não foi um grande estouro. Lançado em uma época em que ainda se sentia reminiscências dos efeitos do sucesso de Pânico, não seria exagero dizer que o longa carrega certo ar de renovação dentro do universo dos slashers movies. É o mesmo jogo de pega-pega de sempre, mas com certa dose de criatividade ou ao menos força de vontade para tentar entregar um filme levemente diferenciado. Não temos em cena adolescentes promíscuos, o trivial cenário de uma universidade é trocado pela claustrofobia vivida ironicamente em uma locação a céu aberto, vingança não motiva as ações do assassino e, mesmo economizando no sangue e nas mortes, a tensão está garantida pelo clima de insegurança constante desde a introdução quando ainda nem vimos a sombra do tal caminhão ou de seu motorista. 

O roteiro é instigante ao dispensar a tradicional abertura que costuma apresentar ou ao menos dar pistas sobre como o vilão se apresenta e seus métodos de ataque. O espectador vai descobrindo tudo aos poucos junto com os protagonistas, ainda que fiquem várias perguntas no ar mesmo com o surgimento a certa altura de Jezelle (Patricia Belcher), uma vidente aparentemente sem muito crédito nas redondezas que explica o básico sobre o monstro, mas levanta outras dúvidas. Não há explicações detalhadas sobre a origem ou linhagem da criatura e o porquê dela hibernar, digamos assim, de tempos e tempos. É certo que quando o visual de Creeper é revelado por completo sentimos um misto de pavor e deboche. Seu rosto é aterrador sem dúvidas, mas seu par de asas gigantescos e seu cabelo, ou o que sobrou dele, sendo revelado numa cena a contraluz, involuntariamente causam risos. Todavia, nada que atenue o impacto que temos na sequência em que ele se faz passar por um espantalho e ataca uma velha senhora (Eileen Brennan) dentro de sua isolada e escura residência, um bloco bem idealizado e digno de causar calafrios caso você venha a passear por algum lugar do interior e passe por uma propriedade semelhante altas horas da noite. 


O filme também fica devendo um explicação sobre a relação do vilão com a canção "Jeepers Creeper" que intitula originalmente o filme. Composta na década de 1930, ela toca em sua versão original no primeiro contato de Jezelle, via telefone e dando a impressão de ser um personagem onipresente que tudo vê, e depois em uma cena emblemática e talvez a mais bem sucedida do longa. Em fuga na escuridão da noite, os irmãos discutem dentro do carro enquanto no rádio toca a versão dançante da música em ritmo bem característico do período oitentista. A barulheira os impedem de perceber que logo atrás a escolta policial que os protegia era então atacada pelo monstro, uma sequência antológica, divertida e ao mesmo tempo apavorante. Chama a atenção nos créditos o nome do lendário Francis Ford Coppola como produtor, ele que já havia apoiado a estreia de Salva com Palhaço Assassino, um slasher movie que também investia mais no clima de opressão e menos em sanguinolência. Contudo, logo a carreira do diretor foi para o vinagre após ser preso acusado de molestar sexualmente um dos atores-mirins. Anos depois ele tentou voltar à ativa, mas o terror estava irremediavelmente em suas veias e Olhos Famintos foi sua oportunidade para fazer as pazes com o cinema, uma diversão ligeira, mas ao mesmo tempo com bom sustos e que demonstrou fôlego para se tornar um clássico trash.

Terror - 103 min - 2001

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