sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

OU TUDO O NADA

NOTA 8,5

Comédia britânica traz
temática sexual leve aliada
a um pano de fundo social
e histórico dos anos 90
Todos os anos o Oscar trata de jogar uma luz em cima de diversos títulos e os cinéfilos de plantão tentam fazer de tudo para conseguir assistir a todos os concorrentes. O tempo passa e muitos desses filmes continuam povoando o imaginário dos espectadores fazendo parte de suas listas do que desejam ainda assistir ou rever, mas algumas produções acabam sendo esquecidas mesmo colecionando algumas indicações da Academia de Cinema e de outras organizações. Da safra de premiáveis de 1998, quando certo navio tratou de massacrar a concorrência tanto nas bilheterias quanto nas festas, Ou Tudo ou Nada envelheceu sem sorte. Comédia britânica elogiadíssima na época, o longa concorreu a quatro Oscars, incluindo Melhor Filme, mas seu nome está longe da ponta da língua dos populares, uma injustiça ao trabalho de estreia do cineasta Peter Cattaneo. A história se passa em Sheffield localizada no norte da Inglaterra e conhecida como a cidade do aço devido ao elevado número de empresas do ramo instaladas por lá. Após uma fase próspera o local está em declínio, fábricas fechando as portas e muitas pessoas foram pegas de surpresa com suas demissões. Um dos mais novos desempregados é Gaz (Robert Carlyle) que está desesperado com a iminente perda da custódia do filho por não ter como sustentá-lo. Seus amigos também se encontram em situação difícil. Dave (Mark Addy) está com depressão e teme perder sua esposa; Lomper (Steve Huison) cuida da mãe e tem tendência suicida; e Gerald (Tom Wilkinson) está desempregado há seis meses e não tem coragem de contar à mulher. Esse jogo tem tudo para mudar quando Gaz tem uma idéia. Ao saber do sucesso que um show de strippers masculino está fazendo na cidade ele decide convencer sua turma a fazer o mesmo para arrancar bons trocados da mulherada. O problema é que eles não são malhados e belos como os dançarinos profissionais e precisam então encontrar um diferencial para o show. Juntam-se à trupe Horse (Paul Barber), que está disposto até a aumentar a sua “ferramenta” de trabalho para fazer jus ao seu nome, e também Guy (Hugo Speer), que não sabe dançar, mas possui uma qualidade importantíssima para o espetáculo.

A turma de desempregados então começa a ensaiar o show de strip-tease, mas descobrem que este trabalho não é tão fácil quanto parece. Sem jeito para dança e sensualidade zero eles tentam procurar empregos comuns e dar a volta por cima, mas o mercado de trabalho não é animador. Aos poucos eles começam a perceber que a idéia do show é válida sim e não conseguem resistir a vontade de arriscar uns passos em qualquer lugar ao ouvirem uma música de sucesso da época das discotecas. Assim eles voltam a se reunir e passam a ensaiar com afinco e fazer exercícios físicos. Mesmo assim demoraria muito tempo ou jamais eles chegariam a ter corpos esculturais e então eles resolvem apostar no “full monty”, o título original, expressão que significa algo como “a coisa toda”. Se os bonitões profissionais que seduzem a mulherada terminam o show trajando uma sunga, ainda que minúscula, o diferencial do grupo recém-formado seria ir até o fim literalmente concluindo o espetáculo completamente nus. A grande sacada do roteiro do também estreante Simon Beaufoy é evitar transformar o filme em um pornô-soft, caminho certo para roteiristas preguiçosos. Ele não explora explicitamente a sexualidade da idéia, mas se concentra no desenvolvimento de personagens que conquistam facilmente a audiência simplesmente pelo fato de serem pessoas comuns tentando ganhar seu dinheiro de forma honesta. Não estão matando e nem roubando, apenas oferecendo aquilo que a platéia pede: mostrar o que há debaixo das roupas deles. E não são apenas as mulheres que desejam ver os corpinhos fora de forma dos desempregados. Sempre tem aqueles amigos-mala que não vão para prestigiar e sim para tirar sarro. Entre momentos engraçados e outros mais melancólicos, esta produção se enquadra perfeitamente à classificação de comédia-cabeça, aquelas em que o humor é mais contido e há conteúdo de verdade nas engrenagens. Neste caso é colocado em discussão os efeitos do desemprego, algo ainda extremamente atual e é engraçada a inversão obtida. Geralmente no cinema quem não tem trabalho envereda pelo lado do crime, mas aqui as vítimas optam pelo caminho da honestidade, ainda que a atividade que escolheram não seja bem vista pela sociedade. No filme evitou-se falar sobre as reações negativas nas ruas mantendo o foco nas barreiras que eles próprios se impunham para levar a idéia adiante. 
Cattaneo conseguiu reconhecimento instantâneo com este trabalho, mas curiosamente a primeira vista ele passa longe do que se espera de um trabalho digno de prêmios. Não é uma reconstituição épica, não exigiu muitas locações e teve um custo absurdamente pequeno. Aliás, seu sucesso  espantoso nas bilheterias mundiais não se deve apenas as nomeações ao Oscar, pois o longa antes mesmo disso já faturava alto em terras americanas. Homens mais velhos querendo posar de garotões já renderam trabalhos bizarros e apelativos e talvez o humor refinado dos ingleses tenha dado uma injeção de ânimo ao batido tema. Os personagens não são profundamente delineados, seus dramas pessoais não são explorados com vontade, mas isso acaba contribuindo para a leveza da obra, porém, isso não significa que temos em cenas paspalhões fazendo caretas, pelo contrário. Encontramos homens comuns decepcionados com suas vidas, mas encontrando nesta brincadeira séria um motivo a mais para serem felizes e esquecerem seus problemas, mesmo que por poucos minutos em cima do palco. Somos brindados com cenas memoráveis como a seleção do elenco do espetáculo, a reunião forçada para uma familiarização com o nudismo em grupo e a dancinha de Tom Wilkinson na fila da agência de emprego ao som de um hit de Donna Sunner. Todos os personagens aqui têm sua importância e o espaço de cada um é dividido de forma singular, mas como sempre tem um gordinho de destaque em comédias aqui não é diferente e Mark Addy chama a atenção com seu complexo com o físico e a insatisfação da esposa com o casamento. Tratando de forma metafórica o desemprego, falando sobre a vaidade masculina e ainda destacando levemente a importância da mulher como arrimo de família na década de 1990, Ou Tudo ou Nada é uma comédia inteligente que merece ser vista ou revista nos dias atuais. Se hoje vemos tantas pessoas recorrendo a uma mídia que exalta o erotismo em troca de dinheiro fácil, o tema do filme vem a calhar. Nada mais irônico que chegar ao ponto de tirar as roupas para manter a dignidade. Em tempo: as cenas das tentativas do grupo de entrar em forma em tempo recorde e diversas de ensaios do show foram rodadas após a primeira edição. O filme ficou curto demais e exigiu mais algumas sequências, mas em momento algum o espectador sente a narrativa de forma arrastada. Mais um ponto a favor desta obra.
Vencedor do Oscar de trilha sonora

Comédia - 91 min - 1997 

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Um comentário:

Gilberto Carlos disse...

Um filme muito engraçado e cínico ao mesmo tempo. Uma crítica à sociedade atual.