segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O DISCURSO DO REI

NOTA 9,5

Drama traz a tona um fato
prosaico acerca da História da
família real britânica através de
narrativa e visual clássicos 
Um futuro rei gago que se submete a uma estranha terapia na qual mais parece que ele está participando de uma aula de teatro ou tendo algum tipo de ataque. Por esta premissa dificilmente alguém diria que ela renderia um bom drama e muito menos que é um fato verídico que aconteceu com um antigo membro da família real da Inglaterra. Contrariando expectativas, não é que esta ideia bizarra realmente é baseada em fatos reais e rendeu um bom filme. Deixando de lado a pompa que se tornou marca registrada do épico Elizabeth ou o apelo polêmico e nostálgico que gerou o interesse pelo drama A Rainha, o roteirista David Seidler foi buscar inspiração em um fato prosaico da realeza britânica que poderia ser ligeiramente cômico se não fosse tratado com seriedade pelo escritor e também pelo diretor Tom Hooper na condução de O Discurso do Rei, um título que não era o favorito da temporada de prêmios, mas acabou se tornando a zebra das festas dos melhores do ano de 2011 no meio cinematográfico. Com doze indicações ao Oscar, vencendo em quatro delas, e acumulando outros tantos troféus e menções em diversas premiações, o longa fez sua fama pouco a pouco e acabou atropelando outras excelentes produções. Digamos que este trabalho é o que teria mais a cara de premiável entre os selecionados do período por ser uma produção de época, o que já lhe garantiria alguns prêmios pela parte técnica e visual, mas é curioso que justamente estes atributos não chamaram tanto a atenção e os votantes dos eventos miraram nas categorias principais para laureá-lo. A obra foi a escolhida para ser a queridinha dos críticos na temporada por ser uma obra correta que pode não ser inovadora, mas consegue apresentar com elegância e competência o que se propõe, uma produção acadêmica e irretocável. A trama se passa na década de 1930 e gira em torno de Albert Frederick Arthur George (Colin Firth), ou simplesmente George VI, que desde a infância sofreu com a gagueira, muito devido aos traumas que sofreu com as severas punições de seu pai, o rei George V (Michael Gambon). Este é um sério problema para um integrante da família real britânica que frequentemente precisa fazer discursos. Apesar de ter procurado diversos médicos, nenhum deles trouxe resultados eficazes, mas as coisas mudam quando sua esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter) o leva até Lionel Logue (Geoffrey Rush), um terapeuta especializado em distúrbios da fala que utiliza métodos pouco convencionais para a época, como gritar palavrões repetidas vezes, mas os benefícios do tratamento compensariam o esforço e a quebra de protocolos. O médico se coloca de igual para igual com George e atua também como seu psicólogo, assim com o passar do tempo acaba tornando-se seu amigo e confidente. Os exercícios e métodos aplicados no tratamento fazem com que o paciente adquira autoconfiança para cumprir o maior desafio de sua vida: assumir a coroa após a morte de seu pai e a abdicação de seu irmão David (Guy Pearce), o primeiro nome na linha de sucessão que teve coragem suficiente de renegar tamanha responsabilidade.

Com a ajuda do terapeuta particular, da família, do governo e de Winston Churchill (Timothy Spall), o rei George VI vai conseguir proferir o seu mais importante discurso pela rádio, inspirando o seu povo a se unir para enfrentar a iminente batalha contra os alemães na Segunda Guerra Mundial. Saber que apesar do longo e conturbado caminho o resultado do tratamento foi extremamente positivo não deixa de forma alguma o longa menos interessante. Mas não espere uma grandiosa aula de história acerca dos tempos de guerra e tampouco um trabalho cujo objetivo seja cutucar os nobres ingleses com segredos revelados sobre os bastidores de seu sistema político. O título já diz tudo sobre a obra, quem quiser que compre a ideia e deleite-se com um filme que é um deslumbre visual e narrativo. O que chama a atenção neste projeto é conhecer um pouco mais da intimidade, um lado mais frágil e emotivo que se opõe a imagem rígida e pálida que cultivamos da família real britânica, tudo com tom respeitoso, lembrando que o protagonista desta história é o pai da Elizabeth II, aquela senhorinha bem vestida e aparentemente simpática que se viu no olho do furacão quando sua nora, a Princesa Diana, faleceu em um trágico acidente de carro e lhe foram cobradas condolências públicas, mas seu orgulho ferido devido a acontecimentos do passado a impediam deste simples ato. Mas voltando a falar do filme, o roteiro simples explora muito bem a história de duas pessoas que foram unidas pelo sentimento da superação. O terapeuta na realidade desejava ser ator, mas talvez não tenha conseguido sucesso na área justamente por falar demais, enquanto ao herdeiro do trono o fato de se expressar mal poderia significar sua ruína, afinal um líder que se preze tem como principal característica o poder da comunicação e da persuasão, o que inerentemente também afeta a forma como as pessoas enxergam sua imagem. Não basta ter o “sangue azul”, é preciso fazer jus a ele. Tentando vencer os obstáculos que a vida colocou em seus caminhos, o nobre e o terapeuta passam a ajudar um ao outro e esta benéfica relação profissional e de amizade é acompanhada de perto pela esposa do rei amedrontado. A trinca de atores principais são as cerejas do bolo. Firth, substituindo Paul Bettany que recusou o papel e deve ter se arrependido amargamente, mereceu todos os prêmios que levou para casa por sua excepcional composição que lhe exigiu muito da parte vocal e até fisicamente. Ele consegue mostrar ingenuidade e timidez ao mesmo tempo em que nos convence em certos momentos com sua postura ereta e rosto sério que a qualquer momento o líder de uma nação vai surgir com elegância, firmeza e triunfar. O esforço para vencer a gagueira, extremamente convincente, chega a deixar os espectadores inquietos e na torcida por sua cura. Assim finalmente o ator inglês teve seu talento reconhecido provando que pode ir além do cara gente boa das comédias românticas.

Rush também está excelente na pele do excêntrico terapeuta. Quando ele e seu paciente estão em meio as sessões de tratamento é impossível segurar o riso ao ver um nobre pronunciando repetidas e enfáticas vezes palavrões alternados com versos rebuscados de William Shakespeare. Experiente, talentoso e ousado, não seria um erro dizer que Rush briga palmo a palmo com Firth pelo posto de protagonista da obra, mas é certo que seus personagens se completam, servem de apoio um ao outro para ambos brilharem. O roteiro inclui algumas citações obtidas dos diários de Logue que foram descobertos poucas semanas antes do início das filmagens, informações que fizeram toda a diferença para agregar ainda mais credibilidade ao projeto. Aliás, por causa de certos diálogos da dupla, após a consagração do título no Oscar, a obra sofreu alguns cortes para poder voltar aos cinemas de alguns países visando ampliar seu público com a diminuição da censura. Vale destacar também a presença da Sra. Burton no elenco. Carter tem uma interpretação aparentemente sem brilho em comparação ao trabalho de seus companheiros, todavia ela esbanja sensibilidade e humor sutil em um papel atípico em seu currículo. Raramente a atriz atua em projetos que não levam o nome do marido nos créditos e neste caso ela ainda ousa viver uma personagem convencional, reservada e elegante, imagem bem diferente dos tipos excêntricos que costuma viver escondendo-se sob figurinos e maquiagens extravagantes. Hooper teve muita sorte em ter seu trabalho super premiado tendo em seu currículo apenas o regular drama Sombras do Passado e o frouxo Maldito Futebol Clube, filmografia de alguém a quem o Oscar de Melhor Diretor parecia um sonho distante. Apesar das críticas que sua obra sofreu após derrotar nas premiações produções mais conectadas com a atualidade e outras que exploravam a dramaticidade sem ser piegas, uma lição fica: cinema bom nunca sai de moda. O cineasta investiu em um filme que une humor e drama no melhor estilo inglês e bem próximo aos títulos de época produzidos na Era de Ouro de Hollywood. Sem ser chato ou nostálgico demais, Hooper realizou um trabalho que agrega os elementos dos filmes clássicos, mas de certa forma com um toque de modernidade e de bom gosto que aproxima a obra das platéias mais jovens e não desaponta aos mais tradicionais. Se a crítica aprovou essa refinada receita, por outro lado boa parte do público rejeitou, mas é preciso se livrar das amarras preconceituosas e dar um voto de confiança. No geral, o resultado é muito agradável e até bem diferente do que se espera de uma obra que fala sobre nobreza, política e a iminência da guerra. Produzido pelos irmãos Bob e Harvey Weinstein, os sortudos produtores que sempre emplacam produtos nas premiações e deram uma injeção de ânimo no cinema independente e para os filmes de época, O Discurso do Rei é mais um título para a coleção de sucessos da dupla e certamente merece uma revisão por aqueles que o apedrejaram. 

Vencedor do Oscar de filme, direção (Tom Hooper), ator (Colin Firth) e roteiro original

Drama - 118 min - 2010 

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