segunda-feira, 30 de agosto de 2021

SEM ESCALAS


Nota 7 Longa aposta em atmosfera intrigante que coloca sob suspeita qualquer personagem


Receio de viajar de avião é uma fobia bastante comum, muito por conta dos riscos de falhas mecânicas que podem resultar em tragédias, embora especialistas garantam que é o meio de transporte mais seguro. Já Hollywood vem alimentando tal medo com um ingrediente a mais: criminosos em ação a muitos pés de altura. Em um ambiente claustrofóbico, vivenciando uma situação limite orquestrada por algum psicopata e sem ter para onde fugir, o que fazer? Voo United 93, Força Aérea Um, Voo Noturno e até o super trash Serpentes a Bordo são alguns exemplos de produções que colocaram os passageiros em apuros por conta de planos mirabolantes de chantagistas ou terroristas. Engrossando a lista temos o eficiente thriller Sem Escalas que tira uma onda com os clichês desse tipo de produção, especialmente de seus personagens estereotipados. No caso um avião está repleto de pessoas com caráter suspeito, a julgar por seus aspectos físicos ou comportamentos, uma visão mesquinha e preconceituosa que certamente sempre fez parte cultura dos norte-americanos, mas ganhou força com a paranoia instaurada após os atentados de 11 de setembro de 2001. Desconfiar uns dos outros virou uma obrigatoriedade do cotidiano. 

Embora temos um representante árabe a bordo, obviamente visto com provável aspirações terroristas, a ameaça também pode se manifestar na figura de um negro que leva jeito de arruaceiro ou de uma loira bonita e insinuante e com alto poder de persuasão. Por pouco mais de uma hora e meia o diretor catalão Jaume Collet-Serra se diverte colocando sua câmera à disposição para flagrar pistas como olhares suspeitos, cochichos e uso de celulares, o que não seria nenhum problema caso Bill Marks (Liam Neeson) não estivesse sendo chantageado. O ator não é mais jovenzinho e tampouco ostenta um corpo musculoso, mas tendo a sisudez como sua principal característica, além de seus quase dois metros de altura, após a maturidade foi alçado ao posto de herói adicionando uma seriedade dramática aos seus personagens que o afastam do estilo truculento defendido no passado por Arnold Schwarzenegger ou Dolph Lundgren, por exemplo. Via mensagens escritas e enviadas por um usuário sem identificação, sem entonação ou características próprias, o espectador é convidado a participar da investigação do mistério junto com o protagonista, um agente federal à paisana que começa a receber ameaças  via celular durante um voo entre Nova York e Londres. Perturbado, seu estranho comportamento desperta a atenção dos demais passageiros que passam a acreditar que ele é um terrorista com planos de sequestrar a aeronave. A única que parece acreditar em sua inocência é Jen Summers (Julianne Moore) que senta ao seu lado após trocar de poltrona para ficar perto da janela. Logo surge uma relação cumplicidade entre eles, mas teria ela segundas intenções nessa proximidade? 


Mesmo desconfiado, Marks conta com a ajuda de Jen e de alguns membros da tripulação para tentar descobrir qual entre as centenas de pessoas a bordo é o chantagista que ameaça matar um passageiro a cada 20 minutos enquanto o agente não depositar em uma determinada conta bancária um alto valor. Os roteiristas John Richardson, Christopher Roach e Ryan Engle não se apressam em apresentar fatos e pistas. Para se ter uma ideia, só descobrimos a profissão do protagonista quando já estamos com uns quinze minutos iniciados. Assim é de se esperar que o mistério em si se desenrole vagarosamente, mas tão logo o agente confirma a veracidade das ameaças o ritmo vai acelerando acompanhando a paranoia que se instaura dentro da aeronave. Com histórico de problemas com vícios e traumas no passado, embora desconhecidos por todos dentro do avião, o estranho comportamento de Marks em busca de pistas o rotula como alguém imprevisível e que não inspira confiança. Por outro lado, o diretor insere cenas que desconstroem tal perfil obscuro, como quando logo no início aparece confortando uma garotinha assustada e devolvendo seu ursinho de pelúcia que deixou cair no saguão do aeroporto. Sequências do tipo pontuam o longa para alimentar dúvidas quanto ao caráter dos personagens.

Como segundo nome de peso no elenco, Moore obviamente torna-se uma ótima opção para assumir o papel de vilã, mas embora no início consiga levantar suspeitas infelizmente sua Jen perde força com o desenrolar da trama resumindo-se a um papel sem brilho que poderia ser interpretado por qualquer novata. As suspeitas também recaem, por exemplo, em cima do Dr. Fahim Nasir (Omar Metwally), um médico árabe, e até mesmo sobre Gwen (Lupita Nyong'o), uma das comissárias de bordo. A dúvida sobre a identidade do vilão permanece até os minutos finais, embora suas razões estejam aquém da complexidade de seu plano, mas o filme consegue sustentar o clima tenso trazendo o mundo exterior para dentro do cenário restrito através de aparatos tecnológicos. Conexões com a internet mesmo em grandes altitudes, televisores transmitindo ao vivo as notícias de telejornais e a possibilidade dos próprios passageiros fazerem seus vídeos sobre o que estão acompanhando em pleno voo e transmiti-los em tempo real para suas redes sociais. A tecnologia torna-se um elemento indispensável à narrativa. 


Collet-Serra também investe em trucagens de filmagens bastante manjadas como deslizar pelos corredores e entre as poltronas da aeronave, câmera na mão para os picos de adrenalina e imagens desfocadas para evidenciar os momentos de embriaguez do protagonista. Mesmo assim o diretor consegue manipular com maestria as sensações do público, porém, com as mortes se acumulando, quando chega o momento de revelar o assassino e suas motivações a qualidade narrativa cai significativamente. A fita desanda no mesmo ponto em que outras tantas da mesma seara: as reviravoltas pouco convincentes para forçar justificativas. Por exemplo, há uma crítica à política ferrenha de segurança norte-americana, mas soa artificial uma vez que até os minutos finais o roteiro não se propõe a debater sobre o tema. Sem Escalas assumidamente é um passatempo e nada mais. Com uma atmosfera tensa e instável praticamente do início ao fim, acentuada pela fotografia em tons acinzentados, Collet-Serra criou um suspense que não subestima a inteligência do espectador e felizmente fugiu da fórmula tão corriqueira de recorrer a flashbacks para oferecer explicações.

Suspense - 106 min - 2013

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