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NOTA 3,5 Apesar de contar com bom elenco, parte técnica impecável e assinatura de diretor renomado, drama é tão frio quanto a paisagem de sua narrativa |
O nome do diretor Lasse Hallström
não costuma vir destacado no material publicitário de seus filmes tal qual
Woody Allen ou Tim Burton, mas basta a menção “do mesmo de diretor de Regras da Vida e Chocolate” para se ter a assinatura que simboliza sinônimo de
qualidade. Realmente este sueco realiza produções geralmente acima da média que
aliam narrativas tocantes a detalhes técnicos perfeitos, assim suas obras
costumam ser entregues ao público em embalagem de luxo. Na época em que lançou Chegadas
e Partidas, o cineasta colhia os frutos de emplacar dois longas no
circuito de premiações (já citados), mas chegava então a hora da colheita
secar. Baseado no romance “The Shipping News” (também título original da fita)
escrito por E. Annie Proulx e vencedor do prêmio Pulitzer em 1993, a narrativa
gira em torno de Quoyle (Kevin Spacey), um nova-iorquino infeliz e melancólico
que se acostumou com seu cotidiano sem graça. Ele vive com o dinheiro que
consegue em empregos esporádicos e seu tempo livre é ocupado por lembranças
desagradáveis de sua infância. Abandonado pela mãe e sofrendo maus tratos do
pai, ele desenvolveu uma espécie de demência ou fobia que o impedem de almejar
a própria felicidade. Sem objetivos a alcançar, simplesmente ele deixa que a
força dos acontecimentos guie seus passos. Sua vida melhora levemente quando
ele conhece por acaso Petal (Cate Blanchett), uma vigarista sedutora que
percebendo a personalidade maleável de Quoyle logo tratou de tirar algum
proveito. Como até os trinta e poucos anos ele ainda não havia experimentado o
amor, facilmente caiu na ilusão de que poderia ser feliz ao lado de alguém que lhe
dedicou alguns poucos minutos de atenção e lhe proporcionou uma noite
inesquecível. Eles se casam, logo ela
engravida, mas a convivência nunca foi das melhores sendo que a esposa vivia
procurando diversão com outros homens sem fazer muita questão de esconder sua
infidelidade. Quoyle, sempre permissivo, talvez se sentisse na obrigação de
aturar as afrontas, seja pelo medo de demonstrar alguma atitude ou até mesmo
por consideração afinal de contas foi graças a Petal que ele tem o maior
tesouro de sua vida, a sua filha Bunny (papel revezado pelas trigêmeas Alyssa,
Kaitlyn e Lauren Gainer).
Se tornar pai o ajudou a melhorar
seu relacionamento consigo mesmo. Embora ainda acreditasse que era invisível
para a maioria, ter alguém que dependia de seu sustento e que lhe amava com
todos os seus defeitos o forçou, por exemplo, a se fixar em um emprego
assumindo a tipografia como sua profissão. Porém, como diz o ditado, alegria de
pobre dura pouco. Quando Bunny tinha em torno de uns seis anos, Quoyle sofre
três baques seguidos que o fazem repensar o sentido de sua vida. Seus pais se
suicidam, Petal sofre um acidente de carro no qual falece imediatamente e ainda
recebe a noticia de que a esposa adúltera estava prestes a vender a própria
filha. Ao saber desses tristes acontecimentos, Agnis Hamm (Judi Dench) vai
visitar o sobrinho e o convence a se mudar com a filha para Newfoundland,
também conhecida como Terra Nova, uma pacata cidade pesqueira na costa do
Canadá, lugar onde viveram seus ancestrais, diga-se de passagem, pessoas que
tiveram um passado negro. Forçado a encarar seus medos, fracassos e a se
adaptar a um novo cotidiano, essa era a chance de Quoyle reescrever sua
trajetória. Completamente desconhecido no local, caberia somente a ele mesmo
escolher os passos a serem dados e fazer ser visto como uma pessoa comum como
sempre foi, deixar para trás a imagem que é um zero à esquerda. Até a mudança
de cidade o longa usa cerca de uns vinte minutos para resumir o apático
universo em que está inserido o protagonista, algo que poderia ser positivo
caso o restante da narrativa acompanhasse o ritmo acelerado, mas infelizmente
as expectativas caem minuto a minuto diante da vagarosidade dos acontecimentos.
Apesar dos cortes rápidos que podem confundir, é quase possível afirmar que a
introdução soa mais interessante que todo o resto. Blanchett com pouco tempo de
cena conquista a atenção com sua desprezível personagem e poderia travar cenas
memoráveis com um Spacey acuado, mas aí como ocorreria a virada do
protagonista? De qualquer maneira, o argumento desenvolvido após o prólogo é dos
mais interessantes. Em meio a uma paisagem gelada e habitada por seres
solitários, seria reconfortante acompanhar alguém reencontrando ou no caso
finalmente conhecendo o prazer que é viver. São as mudanças no comportamento de
Quoyle que determinam o fluxo da narrativa, aí a explicação para a lentidão do
desenrolar da história. Seu amadurecimento surge com a necessidade que encontra
em se impor em diversos papéis que até então apenas ensaiava. Bunny não
compreende o repentino sumiço da mãe e o pai precisa trabalhar na cabeça dela a
verdade sem impor a mágoa. Mal amado pela ex-esposa, ele tem que se impor como
um homem seguro para cativar a reservada viúva Wavey Prowse (Julianne Moore).
Por fim, profissionalmente, de tipógrafo repentinamente ele é promovido a
repórter, ocupação que lhe exige um olhar mais apurado sobre as coisas. Dizem
que o trabalho enobrece o homem e Quoyle comprova a crença.
Apesar da publicação não ser
considerada das melhores, é no jornal de Newfoundland, com a ajuda do colunista
Billy Pretty (Gordon Pinsent) e do editor
Tert Card (Pete Postlethwaite), que ele aprende que tudo na vida não é
definitivo, apenas a certeza da morte. A previsão de uma tempestade com
estimativa de graves consequências pode render uma boa matéria, mas caso nada
acontece basta mudar o enfoque festejando que os céus pouparam a população. É
com esse olhar mais otimista que ele encara o desafio de dirigir tardiamente
sua própria vida e testar o seu dom com a escrita, o problema é que
praticamente nada acontece na cidade para virar manchete, sendo que qualquer
acidente ganha destaque exagerado (são essenciais fotos de detalhes que possam
causar impacto). O jeito é escrever sobre coisas que fazem parte da cultura e
rotina local, ou seja, as notícias marítimas, embarque e desembarque de cargas,
mas em sua jornada de autoconhecimento Quoyle começa a perceber que podem ser
muito interessantes as histórias dos moradores e o apreço que sentem por barcos
como demonstra ter Beaufield Nutbeem (Rhys Ifans), rapaz que conserta
cuidadosamente sua embarcação alimentando o sonho de um dia poder vir se
aquecer em terras brasileiras. Seu drama é a solidão acentuada pela paisagem
eternamente invernal do vilarejo. Já Wavey esconde algum segredo sobre sua vida
pessoal e luta diariamente para ajudar o filho a criar vínculos sociais visto
que ele sofre de uma ligeira demência devido a um problema na hora do parto. E
é assim com todos os habitantes, cada um tentando lidar com seus dramas
pessoais e anseios, um prato cheio para uma obra do tipo intimista, mas a
sensação bem antes dos créditos finais surgirem é de que Hallström buscou desesperadamente
realizar uma produção com verniz europeu, captando belas imagens e, como de
costume, se cercou de um elenco renomado para dar credibilidade à fita. O
problema é que até as interpretações são prejudicadas quando o texto não flui
de forma eficiente. O roteirista Robert Nelson Jacobs procurou dar uma
“enxugada” no texto original a fim de deixá-lo mais acessível ao público, mas
talvez as partes descartadas tenham feito falta. Dizem que o livro tem uma
trama bastante complexa misturando drama, humor negro, lirismo, polêmicas e
eventos sobrenaturais. Um defunto acorda em pleno velório, Bunny sonha com um
homem estranho que vaga pela noite e a cidade tem os números de óbitos bastante
superiores aos de natalidade, mas o porquê de tudo isso fica por conta da
imaginação de cada um. É triste constatar que apesar do
início promissor Chegadas e Partidas não consegue envolver e se torna enfadonho
a cada novo gancho de trama que puxa, arrematando a colcha de retalhos com
linha muito frágil.
Drama - 11 min - 2001
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